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  • Por que protegemos um sistema que nos fere?

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sábado, 2 de março de 2019

TARE? Nunca vi, só ouço falar


Campanha do Sindifisco/MG
Você sabe as razões de fato e de direito que motivam o governo goiano a conceder, renovar, estender, ampliar ou prorrogar incentivos fiscais a determinadas empresas?

Você não sabe, nem eu.


Isso porque o chamado "termo de acordo de regime especial" (TARE), e o respectivo processo administrativo que o antecede, abrigando pareceres, consultas, despachos e outros documentos que justificam o ato, são considerados sigilosos pelo governo. 

É isso mesmo: informações contidas em contratos e atos públicos que viabilizam a renúncia de receita pública, encolhendo o orçamento público, e, com isso, diminuindo o volume de verbas públicas que fazem frente a gastos públicos como saúde, educação, segurança e infraestrutura; curiosamente, são informações que o governo considera inacessíveis ao público que mais sofre com a injusta carga tributária brasileira.

Não tenho dúvidas: o sigilo que foi emprestado aos TARE's foi fundamental para consolidar excrescências e aberrações de toda ordem, maculando boa parte de nossos incentivos fiscais, especialmente os que tratam do ICMS.

Felizmente, acredito que essa realidade pode mudar.   


Campanha do Sindifisco/MG
A trilha filosófica do novo governo que se instalou em Goiás, sob a batuta do governador Ronaldo Caiado, tem dado grande ênfase a expressões e termos, tais como: compliance, transparência e controle. Para efetivar essa filosofia, o governador buscou no Distrito Federal um respeitado técnico da área para ocupar a cadeira de controlador-geral do Estado, Henrique Ziller.


No mesmo passo, o novo presidente da Assembleia Legislativa, deputado Lissauer Vieira, vem implementando modelo de gestão baseado em valores bem semelhantes, com especial atenção à independência daquele poder, cujos exemplos mais recentes são duas CPI’s instaladas naquela casa de leis, sem maiores resistências por parte de membros do poder executivo. A propósito, uma dessas comissões parlamentares trata justamente de incentivos fiscais.


Talvez os chefes do executivo e legislativo desconheçam o bem público que faria a publicidade dos TARE's. Uma vez levantado o sigilo injustificável desses acordos, com a publicação em portal público dos documentos que os instruem, além da justa homenagem à transparência que o governo prega, essa publicidade provocaria um fenômeno interessante em favor da compliance e do controle de legalidade que pretendem efetivar na gestão dos respectivos poderes.

Esse fenômeno seria provocado pelo considerável universo de empresários, estudantes, juristas, técnicos, etc.; que possuem interesses e opiniões antagônicas em relação à política de incentivos fiscais que até então vigora em Goiás. Todos os defeitos, qualidades, exageros, vantagens, incongruências e ilegalidades existentes nos acordos de renúncia fiscal, logo seriam apontados.

A maioria dessas pessoas estão cansadas de só ouvir falar sobre a existência de TARE's. Querem agora conhecer por dentro e por fora essa benesse estatal, que a classe empresarial beneficiária grita aos quatros ventos se tratar de fomento público cuidadosamente concedido ao particular, que possui especial impacto no desenvolvimento do nosso estado. Queremos acreditar nisso, mas ao estilo de São Tomé!
                      
A sociedade goiana tem todo o direito de conhecer e compreender, desde o início, o processo de formação de sua renúncia tributária - hoje avaliada em R$ 9 bilhões por ano,  que representa quase 60% de toda a arrecadação do ICMS - e assim concluir se realmente vale a pena o sacrifício fiscal imposto pela renúncia de receita, e se as razões da concessão do benefício são realmente verdadeiras, legais e justas.

Esperamos que a vontade de acertar e de fazer o melhor para Goiás demonstradas pelos novos chefes do executivo e legislativo, seja o bastante para promover essa importante mudança de paradigma, evitando-se assim o socorro do terceiro poder, o judiciário, para resolver o tema, a exemplo do que ocorreu neste começo de ano no estado de Minas Gerais.

No final de fevereiro, o poder judiciário mineiro, atendendo requerimento formulado pelo Sindifisco local, expediu ordem judicial no sentido de obrigar o governo de Minas a divulgar em 30 dias os termos de acordo firmados com empresas beneficiárias de incentivos fiscais,  conforme revela a recente entrevista que foi ao ar pela Rádio Itatiaia de Minas Gerais, onde integrante do fisco mineiro explica a renúncia fiscal praticada naquele estado.

Concordamos com os mineiros. Mostra-se cogente a abertura da caixa preta que guarda os segredos dos incentivos fiscais concedidos à miúde por governos estaduais. Afinal, o desastre fiscal já é fato.

Cláudio Modesto ,  Auditor-fiscal

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Auditores-fiscais apreendem mais de 20 caminhões em Itumbiara/GO

Após consultarem o Sindifisco sobre a decisão da assembleia geral de reduzir a produtividade, auditores da Delegacia Fiscal de Itumbiara foram orientados pela entidade sindical a trabalharem normalmente até o dia 11 de março, data marcada para o início do movimento.

Assim, nesta madrugada (28), equipes de fiscalização daquela regional fazendária realizaram blitzen na divisa entre GO e MG, apreendendo mais de 20 caminhões carregados com diversos produtos (sucata, colchões, confecções, fio de algodão), além de oito carretas carregadas com grãos, que era o principal objetivo da operação, totalizando 411.000 Kg de milho sem documentação fiscal. 

As mercadorias apreendidas foram avaliadas em R$ 380 mil, e serão liberadas conforme houver a identificação dos sonegadores envolvidos ou a quitação do imposto e multa correspondente ao ICMS sonegado, calculado em torno de R$ 200 mil reais, fora os desdobramentos dessa ação fiscal sobre os produtores e cerealistas de onde saíram os grãos sem documentação fiscal.

Seis carretas carregadas de grãos apreendidas já estavam sendo monitoradas pelo fisco desde sua origem através da inteligência fiscal, apoiada pelo Batalhão Fazendário e Comando de Operações de Divisa - COD.

Os auditores que realizaram a operação disseram que não apreenderam uma quantidade maior de caminhões devido os membros da equipe já estarem ocupados na abordagem de veículos. “Ocorreram muitas fugas por falta de pessoal e viaturas para perseguirem esses caminhões”, disse um dos Auditores-fiscais.

A partir do dia 11 de março, seguindo a orientação da assembleia geral do Sindifisco, operações como a desta madrugada vão ficar suspensas, como parte da mobilização da categoria de Auditores-fiscais.

Claudio Modesto


quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

O sigilo fiscal é do fisco!


Dep. Delegado Eduardo Prado

O Deputado Delegado Eduardo Prado divulgou carta aberta (clique aqui para acessá-la) manifestando sua preocupação com a possibilidade da transferência da guarda do sigilo fiscal, da Administração Tributária para a Secretaria de Desenvolvimento (SED), conforme indica o veto do governo à emenda parlamentar efetuada no PL da reforma administrativa que vedava tal possibilidade.

Em sua carta, aduz o Deputado : “Sigilo é matéria constitucional. O sigilo de dados, o direito à intimidade, estão insculpidos na Carta Magna de 1988 em seu artigo 5º, inciso X, que diz serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou material decorrente de sua violação. Especificamente, o sigilo fiscal dos contribuintes está disposto no Código Tributário Nacional, em seu artigo 198, que diz ser vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios. O legislador quis preservar a garantia do sigilo dos contribuintes e concedeu a atribuição para tratar estes dados aos servidores fazendários

Na última terça (12), o Deputado acompanhou a diretoria do Sindifisco em visita ao presidente da Assembleia Legislativa, Dep. Lissauer Vieira, ocasião em que comunicou que vai trabalhar pela derrubada do veto já na abertura dos trabalhos legislativos, semana que vem.

O Sindifisco vai acompanhar de perto o trabalho parlamentar pela derrubada do veto. 

Aguardemos.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Quebrando sigilo, como um tolo


A confidencialidade das informações do contribuinte é pedra angular da Administração Tributária. Para ter confiança no sistema tributário e cumprir suas obrigações conforme a lei, nada mais justo que o contribuinte tenha segurança que suas informações fiscais, a maioria delas confidenciais, não sejam reveladas ou utilizadas de forma inadequada.

O dever constitucional do sigilo impõe ao fisco a adoção de uma rígida política de restrição ao acesso de informações confidenciais do contribuinte, em especial as que são armazenadas eletronicamente, que devem ser mantidas em bancos de dados independentes e protegidos por senhas e firewall, visando impedir o acesso aos dados de pessoas estranhas à Administração Tributária, que, a propósito, é a única, stricto sensu, que detém a prerrogativa tanto de guardar, proteger e classificar o grau de confidencialidade desses dados, como a de analisar a real necessidade de agentes públicos ou privados em acessá-los.

Infelizmente, o governo de Goiás não raciocina assim. Sexta-feira passada (8) foi publicada a 1ª fase da reforma administrativa do governo Caiado, contendo 4 vetos a emendas parlamentares, sendo uma dessas emendas patrocinadas pelo Sindifisco, no sentido de corrigir o que até então parecia um mero equívoco do governo sobre o correto tratamento dos dados fiscais.

A emenda modificativa consignou o óbvio: a manipulação e guarda de dados fiscais sigilosos são tarefas exclusivas da Administração Tributária. Porém, veio o veto e com ele a pedestre justificativa lato sensu de que o sigilo fiscal pertence à administração estadual “como um todo”, ignorando solenemente o ordenamento jurídico pátrio, que designa com exclusividade a determinados agentes e organismos o cumprimento de certos encargos, evitando com isso que o serviço público seja contaminado por interesses antagônicos.

O veto governamental acabou revelando que a fragilização do sigilo fiscal goiano não se trata de um equívoco da reforma administrativa do estado, mas sim, parte de um audacioso projeto engendrado pelo atual Secretário de Desenvolvimento, Adriano da Rocha Lima, que tem a pretensão de monopolizar em sua pasta toda a tecnologia da informação estatal.

Lógico, isso não irá ocorrer se a parte mais preciosa das informações do Estado ficar de fora, qual seja: os dados sobre a situação econômica/financeira do contribuinte e o estado e a natureza dos seus negócios.

O projeto estatal que teima em relativizar a responsabilidade pela guarda do sigilo fiscal começa a ganhar contornos preocupantes quando se descobre quem é e de onde vem o seu idealizador. Rocha Lima é primo do Governador Ronaldo Caiado e sócio de uma milionária empresa transnacional de tecnologia da informação especializada em “big data”, sediada no Estado do Rio de Janeiro, denominada Webradar Software e Serviços para Telecom S.A.

Não obstante a sua atual condição de agente público como Secretário de Estado em Goiás, Lima consta nas redes sociais como C.E.O. da Webradar, situação que é confirmada pela Receita Federal, cuja pesquisa do respectivo CNPJ o aponta como sócio administrador da referida empresa.

Chama a atenção o fato de Rocha Lima não demonstrar maiores preocupações em continuar comandando a Webradar concomitantemente ao exercício do múnus público de Secretário, ainda mais quando sua atividade empresária tem no setor público uma importante fonte de clientes.

A propósito, a Constituição veda a possibilidade desse tipo de conflito de interesses, e, se ele está ocorrendo, é sinal que o propalado compliance do governo estadual está ficando só no discurso.

Como já declarou o Secretário de Desenvolvimento, ele é um entusiasta da “união de forças com o setor privado”. Nada de mais, não fosse a íntima correlação do objeto de sua atividade empresária particular com os audaciosos projetos públicos de inovação e tecnologia que pretende tocar durante sua gestão à frente da pasta do Desenvolvimento.

A tranquilidade que o secretário tem de dedicar-se simultaneamente a uma atividade pública e outra privada, ambas de altíssima complexidade, somada à confusa mistura que faz entre encargos genéricos, privativos e exclusivos do serviço público, leva-nos a crer que o seu projeto pretende colocar aos cuidados de empresas privadas, tanto o sigilo fiscal, quanto outras tarefas e incumbências afetas ao setor público “como um todo”.

Indicativo disso foi a infeliz exposição de motivos que justificou o veto à emenda, rebaixando o sigilo fiscal do contribuinte ao genérico compromisso de discrição estatal, apontando claramente o desinteresse do Estado em proteger de forma pessoal e personalizada os melindrosos dados abarcados pelo sigilo fiscal. Pelo contrário, o modelo de gestão de interesse do governo para guarda do sigilo fiscal os deixa expostos a todo tipo de violações.

As consequências deletérias do veto não param por aí. Além de desprestigiar a Administração Tributária na sua missão de guardiã do sigilo fiscal, malogrou também a missão constitucional de nossos deputados estaduais, ao passo que o ato governamental recaiu sobre emenda parlamentar realizada dentro do mais hígido processo legislativo.

A emenda proposta não possui impacto financeiro, encontrando-se rigorosamente dentro da pertinência temática do projeto de lei emendado, corrigindo uma distorção de relevante interesse público, ou seja, livre de quaisquer tipos de vícios, portanto, não há motivos de ordem jurídica ou política para o veto, que ocorreu por puro capricho.

Também, pudera. Desfazer trabalho parlamentar hígido por contrariar interesse pessoal não é problema para os que se filiam à ideia do Estado “como um todo”, cuja essência teórica desconsidera solenemente fatores como competência e independência. Sob esse prisma, natural eles concluírem que o Poder Legislativo também está dentro dessa “caixinha”.

Porém, não apostamos nisso. Se tudo ocorrer dentro da normalidade, os arquitetos desse obtuso ato deverão submeter o chefe do Executivo ao constrangimento de ver o seu veto derrubado pelo Poder Legislativo.

Perceberá então o governador, que ao ser convencido por seus auxiliares que a emenda parlamentar merecia o seu veto porque o sigilo fiscal pertence à administração “como um todo”, foi tratado como um tolo.


Cláudio Modesto
Auditor-fiscal, e
Diretor Jurídico do
Sindifisco/GO




Liberal nos lucros, social nos custos

        

Com sua política de incentivos fiscais Goiás consegue unir o que há de pior em duas filosofias antagônicas. Quando se trata de lucro, esse é distribuído segundo a lógica liberal, indo apenas para os poucos particulares que tiveram coragem de empreender. Quando o assunto é o custo, aí vale a lógica socialista, devendo o ônus ser partilhado com toda a sociedade, que tem o dever de financiar os meios de produção, mesmo que pertencentes à iniciativa privada.
A proposta do Sindifisco de autorrecuperação fiscal de Goiás apresentada à imprensa semana passada (31/01/2019), colide justamente com o raciocínio deletério do custo para todos e o lucro para poucos; e, lógico, já era esperada a reação contrária dos beneficiários da equivocada renúncia fiscal goiana, inclusive daqueles que por meio de serviços de consultorias e assessorias lucram com projetos nesse sentido.
Ao contrário do doce discurso de desenvolvimento e renda proporcionados por benefícios fiscais, reconhecidos organismos transnacionais como o FMI, o Banco Mundial e a OCDE; reiteradamente apontam em seus relatórios que a renúncia fiscal brasileira possui duvidoso retorno para a sociedade, mesmo sem considerar as graves distorções apontadas pelo Sindifisco.
Corrobora com o diagnóstico desses organismos o fato de Goiás patinar há mais de 15 anos na 9º posição do PIB brasileiro, não obstante figurar como um dos mais aguerridos em termos de incentivos fiscais, demonstrando que a agressividade de sua renúncia fiscal durante esse período em nada ajudou melhorar sua posição.
Mesmo o PIB de Goiás crescendo 12% nessa última década e meia, estados vizinhos subiram de posição no ranking brasileiro apresentando desempenho três vezes maior, não obstante possuírem uma renúncia fiscal que é menos da metade da nossa, a exemplo do Mato Grosso, com crescimento de 53% e Mato Grosso do Sul com 33%.
Infelizmente, o projeto goiano de desenvolvimento econômico é concentrado quase que integralmente na agressividade do seu portfólio de incentivos e benefícios fiscais, que são oferecidos em detrimento de maiores avanços em infraestrutura e tecnologia à disposição do investidor; circunstância que acabou colocando Goiás como refém da própria política de incentivos.
Quanto a rivalidade entre empresas, não podemos confundir competição com guerra fiscal. Na primeira situação, em regra, vence o mais preparado, na segunda o mais forte. Os benefícios fiscais goianos sempre estiveram mais relacionados com política e poder do que com economia e juridicidade, daí a razão das grandes corporações abocanharem para si a quase totalidade da renúncia fiscal.
Isso explica porque nossa política de benefícios fiscais é social nos custos e liberal nos lucros: nesse cenário, o mais forte prevalece.
 Isso tem que mudar!

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

ICMS: não usou, devolva

Imagine uma pessoa pedindo ajuda ao governo para atender necessidades urgentes de sua família, conseguindo ser contemplada com um benefício assistencial, passando a receber do Estado R$ 100 mensais em tickets alimentação.
Agora, considere que tempos depois essa pessoa não mais precise desse benefício, mas, em vez de dispensá-lo, passa a guardar os tickets recebidos, para depois vendê-los pela metade do preço.
Concluir pelo teor amoral dessa situação hipotética dispensa maiores debates. Ocorre que é justamente isso que vem acontecendo em Goiás com o benefício fiscal do crédito outorgado do ICMS, impedindo que milhões de reais ingressem nos cofres do Estado a cada ano.
Para se ter ideia do tamanho desse gasto público, uma só empresa com faturamento bilionário e beneficiária de créditos fiscais outorgados, recolheu em um ano menos de R$ 70 mil de ICMS para Goiás, porém, no mesmo período vendeu R$ 60 milhões dos créditos que não utilizou.
Resumo da ópera: além de recolher um valor aviltante de ICMS frente ao seu faturamento, a legislação fiscal também permitiu que essa empresa vendesse o benefício excedente a terceiros, que também diminuíram a respectiva conta do ICMS, pagando a metade do preço do imposto reduzido. Mais lucrativo que isso só a fabricação de dinheiro.
O simples fato da empresa beneficiária acumular créditos oriundos de auxílios fiscais já deixa evidente o exagero do benefício concedido. Já o fato de ser permitida a venda a terceiros do crédito não utilizado, traz à tona o caráter rentista e o grave desvio de finalidade da política de incentivos fiscais operada no Estado de Goiás.
Fácil concluir que o quadro calamitoso das contas públicas de Goiás se deve, em boa parte, aos nocivos benefícios fiscais que opera, afinal, abrir mão de 35% de sua receita corrente líquida com renúncias fiscais que chegam a R$ 9 bilhões ao ano, não é para qualquer um.
Para racionalizar boa parte dos seus gastos tributários, Goiás não precisa revogar seus benefícios fiscais, basta apenas exigir do beneficiário que se comporte dentro do que é óbvio e moral, tanto no caso hipotético dos tickets quanto no caso concreto do crédito outorgado: se não usou, devolva.
Seria mais racional e menos traumático equilibrar as contas do Estado com ações simples assim do que atrasar a folha, rolar fornecedores, vender patrimônio, paralisar investimentos ou instituir novos tributos.
Cláudio Modesto, Auditor-fiscal e Diretor Jurídico do SINDIFISCO/GO


sábado, 8 de dezembro de 2018

Photoshop contábil


Prestar contas no exclusivo interesse de satisfazer a própria expectativa, sem, contudo, afetar a credibilidade dos números apresentados, é tarefa inglória. Não à toa a criatividade na contabilização de receitas e despesas quase sempre leva a alguma fraude ou “pedalada” fiscal.
O criacionismo contábil tem por premissa a esquiva do principal objetivo da contabilidade, que é o de fielmente registrar a situação patrimonial e fiscal da entidade. Assim, à luz da ética e da moral, a contabilidade criativa caminha na escuridão, pois, é cega diante princípios elementares da ciência contábil.
A maquiagem de contas contribuiu decisivamente na consolidação do atual quadro de penúria financeira vivenciada pelos estados. A real gravidade do desiquilíbrio entre receita e despesa foi solapada durante anos, graças à boa tolerância que os órgãos de fiscalização e controle têm com a metodologia contábil personalizada utilizada por uma boa parte dos entes públicos, justamente os que, hoje, encontram-se em colapso.
A Secretaria do Tesouro Nacional (STN) há muito vem acusando a prática da contabilidade criativa e a leniência dos órgãos de controle em relação a essa. Um dos apontamentos do STN revela que no ano de 2017 a maioria dos estados se enquadraram artificialmente em limites prudenciais da lei de responsabilidade fiscal, através da contabilização de percentuais menores de comprometimento da receita corrente líquida (RCL) com a respectiva folha de pagamento.
Goiás, por exemplo, é citado com um furo em torno de 20% em relação ao que declarou. Não obstante a conclusão do STN de que tal diferença foi dissimulada pela contabilidade criativa, o pecado contábil não sofreu penitência ou sermão por parte do pleno do TCE.
Apenas para ilustrar, no final de 2017 a França editou norma que obriga as agências de publicidade destacarem em suas propagandas o termo: “imagem retocada”, no caso da real aparência dos modelos fotográficos for alterada por softwares de edição de imagens. A iniciativa busca minimizar os males que a “ditadura da beleza” provoca no público feminino, perigosamente influenciado pelos perfeitos, porém irreais, corpos e rostos.
Traçando um paralelo com o exemplo europeu, sendo tolerado enfeitar o real resultado da situação patrimonial, fiscal e econômica da entidade, a sinceridade imposta à propaganda francesa é o bom exemplo a ser seguido pela contabilidade brasileira.
Imaginem só os registros contábeis patrimoniais e financeiros trazendo logo na sua abertura, o seguinte aviso: “Cuidado, contabilidade criativa”.
Dez/2018
Cláudio Modesto

Auditor-Fiscal e Diretor Jurídico do SINDIFISCO



terça-feira, 25 de setembro de 2018

A reforma tributária que (não) interessa: a mitomania da simplificação



Quantas vezes já ouvimos que as leis brasileiras são feitas para beneficiar os ricos e/ou prejudicar os pobres? A quantidade de vezes que já ouvi tal assertiva me leva a crer que parte significativa das leis vigentes em nosso país carregam essa estigmatizante mácula.
Leis aparentemente austeras são constantemente mitigadas por subterfúgios jurídicos e atalhos legislativos que normalmente só os endinheirados conseguem trilhar. Isso, talvez, ocorra em razão de os ricos serem detentores ou patrocinadores da quase totalidade dos cargos eletivos do nosso país. Apesar de eticamente questionável, inegável que legislar em causa própria é um privilégio imensurável.
Nessa senda, tudo leva a crer que as leis tributárias brasileiras também foram urdidas para favorecer os ricos e penalizar os pobres.  A obra: A Reforma Tributária Necessária[1]; consolida dados da OCDE e RFB que demonstram com esmerada clareza como o sistema tributário brasileiro é benevolente com os ricos e cruel com os pobres.
Oportuno sintetizar alguns exemplos do altruísmo das leis tributárias brasileiras em relação aos abastados, observem:
     A tributação sobre o consumo, onde o pobre é mais afetado, representa cerca de 50% da carga tributária nacional, e apenas metade disso, cerca de 25% incidem sobre patrimônio (5%) e renda (20%), que pesam mais sobre os ricos;
     Representando menos de 1% da população, os ricos usufruem de  70% de toda a isenção concernente ao Imposto de Renda Pessoa Física - IRPF;
     As alíquotas efetivas do IRPF são progressivas até 40 salários mínimos e regressivas a partir desse patamar, despencando de 12% para 6% quando a renda atinge patamar superior a 160 salários mínimos por mês;
     A alíquota máxima do imposto brasileiro sobre heranças é de 8%; contra 22% da Argentina, 35% do Chile, 40% dos EUA, 50% da Alemanha, 55% do Japão, 60% da França, 64% da Espanha e 80% da Bélgica;
     O comemorado fim da obrigatoriedade da contribuição sindical que financiava entidades representativas dos trabalhadores, não alcançou as contribuições obrigatórias do chamado Sistema “S” (SENAI, SESC, SEBRAE, SENAT e SENAR); que se tratam de entidades patronais dirigidas pelo grande empresariado, cujas atividades são financiadas através da tributação mensal da folha de pagamento das empresas com alíquotas que chegam a 3%;
     Os crimes tributários no Brasil não são de “conduta” mas de “resultado” cuja materialização depende de um intrincado e demorado contencioso administrativo, e, mesmo ao final desse contencioso, há possibilidade de o sonegador ver a sua punibilidade extinta ou suspensa com o pagamento ou parcelamento do débito, que na maioria da vezes ocorre através de programas fiscais de  recuperação que reduzem ou eliminam as multas aplicadas em razão da infração praticada, às vezes o perdão fiscal alcança até mesmo os juros e a correção monetária  incidentes sobre o débito. Trata-se, pois, de um verdadeiro prêmio ao sonegador;
     As grandes empresas conseguem cumular benefícios com incentivos fiscais do ICMS, o que, na prática, chega a reduzir a carga desse tributo estadual para cerca de 1% do faturamento bruto da grande empresa beneficiada. Trata-se de uma carga tributária de ICMS equivalente à que incide sobre microempresas enquadradas na menor faixa de tributação do Simples Nacional, e quase quatro vezes menor caso essa empresa esteja enquadrada na maior faixa do mesmo Simples Nacional;
     Iates, lanchas, Jet Skis, jatinhos e helicópteros; bens duráveis de elevadíssimo valor, não obstante se enquadrarem no conceito de veículo automotor, não sofrem incidência do IPVA;
     Com previsão constitucional desde 1988, 30 anos depois, o Imposto sobre Grandes Fortunas - IGF, ainda não faz parte da agenda tributária do governo federal, sequer havendo nesse tempo um debate razoável sobre o tema por parte do Congresso Nacional.
Outro emblemático exemplo que entendo ser o suprassumo da benevolência tributária que a legislação brasileira dedica aos ricos, é o fato de o Brasil isentar de impostos os lucros e dividendos auferidos pelos ricos. Em todo o planeta, fora o Brasil, somente a Estônia teve a especial gentileza de isentar de impostos o topo da pirâmide social.
Não à toa pesquisadores do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG), vinculado ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em sua pesquisa[2] concluíram que:
“[...] o Brasil é um país de extrema desigualdade e também um paraíso tributário para os super-ricos, combinando baixo nível de tributação sobre aplicações financeiras, uma das mais elevadas taxas de juros do mundo e uma prática pouco comum de isentar a distribuição de dividendos de imposto de renda na pessoa física”(grifamos)
Ora, se a lei tributária brasileira atende muito bem as necessidades que os ricos têm de manter e aumentar a própria riqueza, resta entender então por que eles ainda clamam por reformas. A resposta é singela: querem simplificação[3],  transformando o que já é bom em ótimo!
Não estamos aqui criticando a necessidade de simplificação do arcabouço tributário brasileiro, que, em muitos casos, causa embaraços ao próprio fisco. Outrossim, enviar proposta de reforma tributária ao legislativo sem previsão de revisão da perversa lógica de tributar mais o consumo e menos o patrimônio e a renda, apresenta-se socialmente inaceitável.
A simplificação pura e simples seria a infeliz consagração do  problema da tributação brasileira: a injustiça! Chega a ser covarde clamar por reformas para, ao final, preservar o pesado ônus que nossa tributação ocasiona às camadas mais pobres da sociedade, viabilizando assim que os donos da riqueza brasileira continuem a não subsumir seus vultosos rendimentos e patrimônio à tributação progressiva, conforme a respectiva capacidade contributiva.
Doutra banda, quando os autores da proposta de simplificação nua e crua do sistema tributário apegam-se no princípio existente no art. 179 da CF/88[4] - visando estender aos grandes o que a Constituição reserva somente aos pequenos - acabam cometendo outro desserviço social, aprofundando ainda mais a realidade regressiva do nosso sistema tributário.
Isso porque sistemas tributários efetivamente justos e progressivos, que taxam mais quem ganha mais, necessitam de mecanismos de fiscalização e controle mais complexos, tanto para manter a progressividade necessária do sistema, quanto para aferir a capacidade efetiva de contribuição de determinado contribuinte; circunstâncias que vão, curiosamente, na contramão da simplificação almejada pelos ricos.
Destarte, uma reforma que seja minimamente justa deve ir além da mera simplificação do sistema, buscando, sobretudo, reduzir a desigualdade e promover o desenvolvimento social e econômico. Para tal, não basta reduzir bases e alíquotas fiscais, mas principalmente redistribuir a carga tributária para que a lógica da capacidade contributiva, da progressividade e da essencialidade; ganhem real sentido no cotidiano do brasileiro comum.
A diminuição das desigualdades sociais e o desenvolvimento econômico, passam, obrigatoriamente, por uma reforma tributária justa e solidária; que se encontra bem distante da mitomania que carrega a proposta de simplificação defendida no Congresso Nacional por notórios representantes dos ricos.
Devemos, vigorosamente, atacar de frente as incongruências do nosso sistema tributário para, finalmente, viabilizar e fazer valer o Estado Social que os brasileiros merecem, especialmente os mais necessitados.
Setembro/2018

Cláudio Modesto
Auditor-Fiscal da Receita Estadual
Diretor Jurídico do SINDIFISCO/GO



[1] ANFIP. FINAFISCO. A Reforma Tributária Necessária: diagnóstico e premissas. Eduardo Fagnani (organizador). Brasília: São Paulo: Plataforma Política Social, 2018.804P.

[2] Gubetti, Sérgio Wulff ; Orair, Rodrigo Octavio. Tributação e distribuição de renda no Brasil: novas evidências a partir das declarações tributárias de pessoas físicas. International Policy Centre for Inclusive Growth (IPC/ONU), Brasília, 2016.
[3] Medida de simplificação tributária deverá ser encaminhada ao Congresso Nacional,  A proposta prevê o fim da cumulatividade das contribuições sociais do PIS e Confins. Disponível em:  http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/RADIOAGENCIA/554357-MEDIDA-DE-SIMPLIFICACAO-TRIBUTARIA-DEVERA-SER-ENCAMINHADA-AO-CONGRESSO-NACIONAL.html, Acessado em: 25/09/2018
[4] (CF/1988) Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.