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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

GTA sem nota fiscal: o que não foi dito


"Trata-se de operação isenta/não tributada, que não trouxe prejuízo aos cofres públicos, simplesmente por não existir ICMS a recolher".


Esses são os principais argumentos utilizados pelos defensores  da remissão fiscal concedida pelo art. 8º da Lei n. 20.732/2020, introduzida por emenda parlamentar, perdoando milhares de produtores rurais de multas tributárias em razão da não emissão de nota fiscal na comercialização interna de gado.


Tais argumentos, somados às lamentações de representantes do setor agropecuário, comoveram parte dos Desembargadores que integram Órgão Especial do TJGO durante o julgamento da cautelar requerida na ADI nº 5256507.85, proposta pelo Governador Ronaldo Caiado contra o perdão fiscal, que acabou sendo deferida por margem apertada de votos, suspendendo, até o julgamento do mérito, a remissão do gado sem nota.

 

No julgamento da cautelar, a tese da inexistência de prejuízo em razão da isenção e não incidência do ICMS ainda não tinha sido rebatida, até que o SINDIFISCO-GO foi admitido no feito como amicus curiae e nas informações que prestou demonstrou que não é bem isso que ocorre.

De início a entidade demonstrou a grandeza que envolve a remissão fiscal, que beneficia 22 mil produtores que comercializaram entre os anos de 2017 a 2020 1,09 milhão de cabeças de gado sem nota fiscal, avaliadas em R$ 3,9 bilhões, e com ICMS correspondendo a R$ 468 milhões.


Foi demonstrado ainda que as operações identificadas pelo fisco não se tratam de meras transferências de gado entre propriedades do mesmo produtor, afastando assim a aplicação da Súmula n. 166- do STJ, e apesar de se tratarem de operações isentas, a própria lei isentiva é taxativa em condicionar a fruição do benefício à regular emissão de nota fiscal na respectiva operação.


Mas o que mais chamou a atenção nas informações da entidade sindical foi a cabal demonstração de que a não emissão de nota fiscal traz grande prejuízo ao erário, mesmo quando se trata de operação isenta ou não tributada.


Explicou a entidade que não é somente sob a perspectiva meramente tributária que a nota fiscal tem relevância. A nota fiscal também é largamente utilizada para mensurar indicadores e índices de patente interesse público, como, por exemplo, os percentuais aplicados nas transferências de recursos intragovernamentais determinadas na Constituição Federal, como no caso do cálculo do Índice de Participação dos Municípios – IPM, que define a divisão dos 25% de toda a arrecadação do ICMS destinados aos municípios e ao FUNDEB.


Esclareceu ainda que o IPM é calculado anualmente pela Secretaria da Economia tendo por principal critério o movimento econômico de mercadorias e serviços constantes em notas fiscais, incluindo as notas emitidas em operações isentas do ICMS, cujo produto do cálculo é chamado de Valor Adicionado (VA).

Em suma, o valor adicionado é a diferença entre todas as entradas e saídas de mercadorias e serviços ocorridas no Estado, por município, registradas em documentos fiscais regularmente emitidos.

Assim sendo, a omissão da obrigação acessória de emitir nota fiscal provoca a corrosão dos índices do IPM e diminuição dos repasses do ICMS, principalmente o repasse que caberia ao município sede do contribuinte que deixou de emitir a documentação fiscal.

O SINDIFISCO ilustrou sua explicação relacionando os 20 municípios goianos onde ocorreram com maior frequência a emissão de GTA’s sem nota fiscal, agregando o valor R$ 143.036.933,62, ao cálculo do IPM de 2021 do município de Morrinhos, cujo valor representa a movimentação de gado sem nota fiscal referente ao município que lidera a lista dos maiores prejudicados com a não emissão de nota fiscal.

O resultado do recálculo do IPM de Morrinhos e seu impacto econômico é disposto na tabela abaixo. Vejamos:


Após a realização do recálculo do IPM, constou-se que a não emissão de notas fiscais afetou o repasse do FPM ao município de Morrinhos em cerca de 5%, provocando uma queda de receita do ente em cerca de R$ 1,3 milhões, prejudicando ainda o FUNDEB em torno de R$ 321,7 mil reais.

Doutra banda, a entidade explicou ainda que uma das principais razões para a não emissão de nota fiscal pelo produtor de gado é evitar ao máximo a tributação de sua atividade rural pelo imposto de renda.

Justamente por isso que a isenção do ICMS nas operações internas com gado foi condicionada a regular emissão de nota fiscal, para evitar que o produtor rural, a pretexto de se tratar de uma operação isenta na seara tributária estadual, aproveite-se do benefício para deixar de emitir o obrigatório documento fiscal, com o fim de esquivar-se da tributação federal.

 A nota fiscal  regularmente emitida é o meio que o fisco tem para conhecer o real movimento econômico do produtor e de seus fornecedores e clientes, possibilitando que os órgãos de controle monitorem de forma eletrônica e remota a regularidade fiscal da atividade rural, inclusive monitorando o prazo de permanência que os semoventes estiveram em poder do produtor, circunstância que pode alterar significativamente a forma de tributação da atividade rural.

 Ponderou o SINDIFISCO que a Solução de Consulta nº  147 – Cosit, de 24 de setembro de 2018, expedida pela Receita Federal, definiu que a receita auferida na venda de   rebanho bovino anteriormente comprado, com permanência em poder do contribuinte em prazo inferior a 52 dias, quando em regime  de  confinamento,  ou  138  dias  nos  demais  casos,  não  é  tributada  como  receita  normal da atividade  rural, devendo ser tributada como ganho de capital, se não  houver habitualidade,  ou,  no  caso  de  a  atividade  ser  exercida  de forma habitual e profissional, deve ser tributada como receita de pessoa jurídica, por equiparação.

Daí ser ainda maior a resistência na emissão de nota fiscal em operações internas de compra e venda de gado dentre os produtores que giram com mais rapidez o respectivo rebanho, pois ficam sujeitos a uma tributação direta do I.R. sem direito a compensação em patamar a partir de 15%  a título de ganho de capital; ou, pior, dependendo da habitualidade, o produtor pode ter a respectiva atividade rural desconsiderada, passando a ser tratado como pessoa jurídica, onde a tributação e as obrigações acessórias são ainda maiores em comparação à atividade rural de pessoa física.

 Apesar de se tratar de um tributo federal, 49% do produto da arrecadação do Imposto de Renda nessa situação é retornado a estados e municípios através do FPM/FPE (art. 159 CR/88), cujos repasses são realizados a cada 10 (dez) dias, mediante crédito em conta aberta com essa finalidade no Banco do Brasil.
 
Concluiu a entidade afirmando que não emissão de documento fiscal no caso em questão, além de trazer prejuízo à União, também lesiona todos os 5.570 municípios brasileiros, os 26 estados da federação, e o Distrito Federal.
 
Uma vez exposto o que ainda não tinha sido dito sobre a remissão do gado com GTA e sem nota fiscal, resta esperar pra ver se, durante o julgamento do mérito da ADI, a alegação de que se tratam de operações isentas/não tributadas que não provocam prejuízo ao erário,  ainda vai causar comoção dentre parte dos Excelentíssimos Senhores Desembargadores do Órgão Especial do TJGO.
 Aguardemos.