Valor Econômico - 09/05/2019
Marta Watanabe
De 2012 a 2018 a renúncia
fiscal dos Estados cresceu 15,3% em termos reais, enquanto a arrecadação do
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) aumentou apenas 2,2%
no mesmo período. Os dados se referem ao agregado de 18 Estados mais o Distrito
Federal que representam 92% da arrecadação nacional do tributo. Nesse universo,
o ICMS renunciado em relação ao recolhimento total do imposto subiu de 16,5% em
2012 para 18,6% no ano passado.
Os dados constam de
levantamento feito pela economista Vilma Pinto, pesquisadora do Instituto
Brasileiro de Economia (Ibre/FGV). Os dados de renúncia, explica, foram
retirados de informações fornecidas na Lei de Orçamento Anual (LOA) ou na Lei
de Diretrizes Orçamentárias (LDO) dos Estados. A renúncia se refere ao ICMS e
contempla o valor que deixou de ser arrecadado no ano como resultado de novos
benefícios ou de incentivos concedidos anteriormente. Nos 19 entes, o valor
renunciado atingiu R$ 83,1 bilhões em 2018. O levantamento foi feito a pedido
da Federação Brasileira de Associação de Fiscais de Tributos Estaduais
(Febrafite).
Vilma salienta que as
renúncias tributárias do ICMS possuem, em sua maioria, uma motivação diferente
da tradicional, pois esta é dada em boa parte pela guerra fiscal. Assim, os
Estados criam incentivos para aumentar a competitividade da sua região em
relação às demais, mas sem avaliar os efetivos impactos de cada medida. O que
surpreende, diz Vilma, é a falta de avaliação dos benefícios. "A
inexistência de avaliação desses incentivos acaba por não permitir conhecer os
custos versus benefícios das renúncias concedidas", diz a economista.
Os dados mostram, segundo
Vilma, que os gastos tributários de ICMS possuem como motivação a atração ou a
manutenção de empresas em seu território, e não uma política pública com
motivação econômica justificável, transparente e com avaliação prévia de seus
efeitos. "A utilização desse instrumento para a guerra fiscal provocou um
aumento acelerado dos incentivos fiscais, sem igual contrapartida nos recursos
efetivamente arrecadados."
Vilma lembra que o período de
2012 a 2018 contempla o biênio 2015/2016, de recessão. Por isso o avanço da
renúncia em alguns entes se deu também porque houve um ritmo menor de
crescimento das receitas. Em alguns casos, o nível de renúncia avançou também
por que a arrecadação caiu em termos reais. No Rio de Janeiro, a receita de
ICMS recuou 6,7% de 2012 a 2018. Dos 19 entes analisados, em 12 houve elevação
do valor de renúncia em relação ao total de ICMS arrecadado no período.
Goiás é um dos Estados com
maior relação entre renúncia e receitas. Cristiane Schmidt, secretária da
Fazenda goiana, diz que para este ano os benefícios de ICMS somam R$ 8 bilhões,
o que representa 50% da arrecadação do imposto, estimada em R$ 16 bilhões. Boa parte
dos incentivos é oferecida para a indústria e para o comércio atacadista.
"É muita coisa", diz ela.
Segundo Cristiane, o Estado de
Goiás deve fazer uma revisão dos benefícios oferecidos atualmente. A avaliação,
explica, será feita em conjunto com o setor produtivo. "Não podemos rasgar
contratos nem temos intenção de quebrar empresas", diz. O Estado, ressalta
ela, precisa encaminhar três questões prioritárias: a despesa com ativos, com
inativos e a parte tributária, dada pelos incentivos fiscais. No último item,
diz ela, a mudança da tributação sobre consumo para o destino, da forma como
tem sido proposta pelo projeto de emenda constitucional encaminhado pela Câmara
dos Deputados, certamente é importante.
George Santoro, secretário da
Fazenda de Alagoas, também diz que a reforma do ICMS é o caminho para resolver
o assunto. Em relação ao Estado, diz ele, os dados mostram aumento da
participação dos incentivos porque ao longo do tempo o governo passou a
mensurar com maior precisão a renúncia relacionada aos benefícios, o que fez
elevar os valores declarados nos relatórios.
O economista José Roberto
Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), lembra que
os Estados são responsáveis pela apuração da renúncia e provavelmente não seguem
todos a mesma metodologia. "Na verdade, falta um manual comum para medir
renúncias, que seria mais uma atribuição do Conselho de Gestão Fiscal da LRF
[Lei de Responsabilidade Fiscal]." O economista defende a instauração do
conselho com atribuição de garantir a uniformização das contas públicas dos
Estados. A mudança de critério na forma de apuração da renúncia no decorrer dos
últimos anos, diz ele, pode ter afetado os resultados em alguns Estados.
Santoro lembra que a Lei
Complementar 160/2017, que permitiu a convalidação dos incentivos fiscais
irregulares de ICMS, amenizou um pouco o cenário de guerra fiscal, já que novos
benefícios não podem mais ser concedidos. A brecha que permite aos Estados a
chamada "cola", reproduzindo incentivos dados por entes da mesma
região, porém, diz ele, pode levar a uma nova disputa entre os Estados com
redução de alíquotas do imposto, embora desta vez relacionada a benefícios
oferecidos legalmente.
Vilma avalia que a solução
passa necessariamente por uma reforma tributária que resulte na eliminação dos
incentivos e da guerra fiscal. Caso isso não ocorra, diz ela, continuará o
esvaziamento da base de incidência do ICMS, seja por questões estruturais da
economia, seja por incentivos fiscais concedidos de forma desordenada.
Juracy Soares, presidente da
Febrafite, diz que a saída é mudar o modelo atual do ICMS nos moldes do que tem
sido discutido, com a criação de um imposto com cobrança deslocada da produção
para o destino. Dessa forma, diz Soares, seria possível estabelecer uma
alíquota única e assim acabar com a guerra fiscal. Para Soares, qualquer
movimento que reduza o custo de compliance, trazendo simplificação,
transparência e segurança jurídica, é bem-vindo, mesmo que as mudanças sejam
parceladas. Não é necessário, diz ele, que as mudanças sejam feitas de uma só
vez, numa única reforma.