Complexo,
injusto, ineficiente, ofensivo à competitividade, não transparente e juridicamente
inseguro são alguns dos insultos repetidos como mantra para qualificar nosso
sistema tributário. O diagnóstico é perfeito, mas as causas da doença muitas
vezes se assentam em lendas urbanas, certificadas por renomados tributaristas,
economistas e empresários.
Vejamos algumas:
1) “A elevada carga tributária (cerca de 34%
do PIB) compromete a competitividade da economia brasileira.”
Nada mais
falso. Não é a magnitude da carga tributária, mas a qualidade dos impostos e
das administrações tributárias que ofende a competitividade da economia.
Carga tributária
elevada incomoda e reduz a renda disponível, mas um modelo tributário neutro,
infenso à cumulatividade, gerido por administrações tributárias conscientes dos
efeitos perversos do custo de conformidade, onera de forma isonômica – qualquer
que seja sua magnitude – a produção nacional e a importada.
E, nas vendas
ao exterior, permite a desoneração plena do produto exportado, anulando o custo
tributário interno no mercado internacional. As propostas de reforma em debate
não objetivam a redução da carga tributária – o desastre fiscal do País não
permite considerar essa hipótese –, mas sim a melhoria da qualidade do sistema.
2) “A Constituição de 1988, ao delegar aos
Estados a competência para estabelecer as alíquotas internas do ICMS, abriu as
portas da guerra fiscal.”
Outra lenda
urbana. A munição da guerra fiscal não é a alíquota interna, é a interestadual,
fixada por resolução do Senado.
Ademais, não se
faz guerra com a redução de alíquota, que, quanto maior, mais octanagem terá do
combustível da guerra: ela é o agente transmissor do benefício espúrio para o
Estado destinatário da mercadoria, que suporta o peso financeiro da guerra.
As duas formas
relevantes de promoção da guerra fiscal são: concessão irregular de créditos
simbólicos de ICMS ao contribuinte beneficiado, que, sem pagar, ou pagando apenas
parte do imposto, transfere integralmente o crédito do ICMS ao destinatário
interestadual; e concessão de prazo absurdamente longo para o pagamento do ICMS
incidente na operação interestadual, devolvido à vista ao destinatário.
Guerra fiscal
existe desde o início dos anos 1970 (programa Fundap - Porto de Vitória é um
exemplo), e a regra nacional para concessões de benefícios fiscais é a mesma
desde janeiro de 1975: Lei Complementar Federal (LCF) 24/75.
É a desobediência a essa regra (a
LCF 160/2017 perdoou tais desobediências), e não a própria regra, que promove a
guerra.
3) “A complexidade do ICMS decorre da
existência de 27 diferentes legislações estaduais.”
Outra conclusão
míope. Fosse o ICMS um bom Imposto sobre Valor Agregado (IVA) – sim, o ICMS é
um IVA! – sem os garranchos da guerra fiscal e da substituição tributária (ST),
a existência de 27 ou de 270 legislações em nada aumentaria a complexidade do
modelo.
Cada contribuinte
se submeteria unicamente à legislação de seu Estado e suas obrigações,
principal e acessórias, se ateriam às fronteiras de seu Estado. Claro que cada
uma das filiais de empresas multiestaduais teria de obedecer à legislação local, como o fazem
seus concorrentes em cada Estado.
Não é o número
de legislações que promove a complexidade, mas o desvirtuamento do ICMS com a
guerra fiscal e a ST, que transformaram o ICMS neste indecifrável enigma. E,
claro, a absurda complexidade de cada uma das 27 legislações estaduais.
É importante
que a reforma avance na busca de um sistema funcional, simples e neutro para
substituir o modelo tributário da Constituição de 1988, que não foi o
responsável pelo caos, mas sim a sua gestão irresponsável ao longo das décadas.
Clovis
Panzarini
Economista, sócio-diretor da CP consultores
associados ltda, ex-coordenador tributário da fazenda do Estado de São Paulo