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segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Arrecadando falácias II


Para justificar a transferência do sigilo fiscal da Administração Tributária para a Procuradoria Geral do Estado de forma automatizada, gratuita, ampla e irrestrita; os procuradores do Estado alinharam o discurso de que também integram a Administração Tributária, contribuindo significativamente com o incremento e otimização da arrecadação, e como agentes do fisco que são não haveria oposição do sigilo fiscal para o desempenho de suas funções.

Essas alegações foram extraídas da ação movida pela PGE junto ao Supremo Tribunal Federal (SS-5319), onde os procuradores buscam suspender os efeitos da liminar concedida pelo TJ/GO, que por sua vez suspende o § 2º do art. 1º do Dec. 9.488/19, que autorizava de forma automatizada, gratuita, ampla e irrestrita, a transferência dos dados do contribuinte goiano entre Fisco e PGE.

Concordo que a PGE desempenha um papel relevante nas atividades do Estado, exceto na sua arrecadação. Isso porque a essência do trabalho institucional do advogado público possui liame muito mais voltado para a contenção de despesas do que qualquer outro objetivo estatal. No Judiciário evitam ou retardam bem a ocorrência desses gastos.

Já na arrecadação de tributos o resultado que apresentam é pífio, ao ponto de - nem de longe - cobrirem o gasto com a própria folha de pagamento, e estou falando do custo de apenas 118 procuradores da ativa. Mas, como os próprios procuradores insistem no discurso de que são essenciais para o bom resultado da arrecadação de tributos, mostra-se oportuno separar e comparar os números dessa arrecadação.

Primeiramente, cabe esclarecer que as Administrações Tributárias, como qualquer outra corporação pública ou privada, têm um objetivo principal. Quando se trata do Fisco logo vem à mente que o seu objetivo basilar é cobrar tributos. Tal conclusão é equivocada, pelo menos quando tratamos da principal missão dessas administrações.

Uma pesquisa rápida junto as maiores Administrações Tributárias do Brasil e do mundo logo revelará que a principal missão do Fisco é a de manter convicto o respectivo contribuinte do seu dever de cumprir, a tempo e a termo, com suas obrigações fiscais. Para tal, as administrações utilizam-se de rotinas, métodos e ferramentas específicas para imprimir essa voluntariedade em seus contribuintes.

Em um segundo momento, cabe à Administração Tributária promover a justiça fiscal identificando, qualificando, autuando e cobrando de uma minoria de contribuintes o cumprimento de obrigações fiscais não adimplidas espontaneamente.

Isso mesmo, a tarefa de cobrar tributos não recolhidos voluntariamente é uma importante missão da Administração Tributária, porém secundária.

No Estado de Goiás o recolhimento de tributos não pagos atempadamente representou nos últimos 5 exercícios apenas 3,9% da arrecadação tributária total. Dos R$ 81,9 bilhões arrecadados entre os anos de 2014 e 2018, R$ 78,64 bilhões (96,1%), foram recolhidos espontaneamente pelo contribuinte e R$ 3,15 bilhões cobrados através de autuações do Fisco estadual.

Esmiuçando os R$ 3,15 bilhões cobrados de contribuintes inadimplentes, constata-se que perto de 89% dessa inadimplência (R$ 2,79 bilhões) foi solucionada administrativamente sem que fosse preciso ajuizar a execução fiscal, ou seja, o crédito foi recuperado por servidores da Administração Tributária, lotados na pasta da Economia, antiga SEFAZ.

Já os créditos ajuizados, ou seja, em execução fiscal, representam apenas 11,5% do sucesso na cobrança de inadimplentes (R$ 363 milhões), ou 0,44% de toda a arrecadação tributária no período.

Achou pouco menos de 0,5% (meio por cento) da arrecadação como resultado da PGE na função de órgão arrecadador? Pois se esquadrinharmos as circunstâncias dessa “cobrança judicial” de inadimplentes veremos que o resultado da PGE é muito pior.

Essa assertiva tem fundamento no fato de a maioria dos créditos em execução judicial e recuperados no período de 2014 a 2018, R$ 340,2 milhões (93,7%), foram recolhidos no âmbito de programas de recuperação de créditos, popularmente chamados de anistias.

Desse modo, o motivo principal do contribuinte procurar saldar sua dívida junto ao fisco não ocorreu em função da execução fiscal, e sim em razão da arrojada política de renúncia fiscal praticada pelo governo goiano à época, que aceitou receber a dívida com perdão de juros, multas e até a correção monetária que incidiam sobre o crédito em cobrança.

Soma-se a isso o fato dessas anistias serem integralmente planejadas e executadas pela pasta fazendária, que mobiliza toda a sua estrutura física e humana para viabilizar a negociação com o contribuinte interessado. Assim sendo, perto de 94% da recuperação de créditos tributários atribuídos à PGE não ocorreram por conta da expertise ou esforço dos servidores daquele órgão.

A expertise e esforço dos procuradores na arrecadação de tributos só pode ser atribuída à recuperação de créditos ocorridos em execuções fiscais liquidadas sem a providencial ajuda das anistias fiscais, que nos últimos 5 exercícios renderam apenas R$ 22,8 milhões, ou 0,028% (vinte oito milésimos por cento) da arrecadado no mesmo período.

Em resumo, a cada R$ 1.000,00 (mil reais) de tributos arrecadados pelo Estado, a PGE colaborou com R$ 0,28 (vinte oito centavos). Esse é o exato tamanho da importância da PGE na arrecadação estadual.

Como já frisado, mesmo sendo ínfimo, o desempenho da PGE na arrecadação tributária estadual é absolutamente normal, já que não se trata de órgão ligado à receita. O problema é que seus próprios membros insistem na tese de que são servidores com importante atuação na recuperação de créditos tributários, fato que nos autoriza mensurá-los nessa área.

No decorrer dessa mensuração ficou demonstrado que o produto da arrecadação desse pretenso agente da receita, em 60 meses, não cobriu 5 meses da respectiva folha salarial, isso considerando apenas os 118 procuradores em atividades, cujo portal da transparência aponta custarem ao Estado R$ 4,63 milhões por mês.

Fosse na iniciativa privada, um cobrador que apresentasse tais resultados não duraria mês.  

Outro dado curioso extraído dessa mensuração foi o fato de a PGE ter produzido, com esforço próprio, apenas R$ 22,8 milhões em recuperação de créditos tributários nos últimos 5 exercícios - menos de 10% do que custaram ao Estado em salários no mesmo período – porém embolsaram quase o dobro desse valor em honorários (R$ 36 milhões), já que todo o crédito em cobrança judicial, com ou sem anistia, são acrescidos de 10% a título de tal verba.

Pelos números apresentados, a conclusão que se chega é que a PGE possui papel irrelevante na arrecadação do Estado (0,028%), mas o quanto se pode faturar com essa arrecadação tem muita importância para os procuradores do Estado (R$ 36 milhões).

Não custa repetir, não acreditem em falácias!

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