Para justificar a transferência do sigilo fiscal da
Administração Tributária para a Procuradoria Geral do Estado de forma
automatizada, gratuita, ampla e irrestrita; os procuradores do Estado alinharam
o discurso de que também integram a Administração Tributária, contribuindo
significativamente com o incremento e otimização da arrecadação, e como agentes
do fisco que são não haveria oposição do sigilo fiscal para o desempenho de
suas funções.
Essas alegações foram extraídas da ação movida pela PGE junto
ao Supremo Tribunal Federal (SS-5319), onde os procuradores buscam suspender os
efeitos da liminar concedida pelo TJ/GO, que por sua vez suspende o § 2º do
art. 1º do Dec. 9.488/19, que autorizava de forma automatizada, gratuita, ampla
e irrestrita, a transferência dos dados do contribuinte goiano entre Fisco e PGE.
Concordo que a PGE desempenha um papel relevante nas
atividades do Estado, exceto na sua arrecadação. Isso porque a essência do
trabalho institucional do advogado público possui liame muito mais voltado para a contenção de despesas do que qualquer outro objetivo estatal. No Judiciário
evitam ou retardam bem a ocorrência desses gastos.
Já na arrecadação de tributos o resultado que apresentam é
pífio, ao ponto de - nem de longe - cobrirem o gasto com a própria folha de
pagamento, e estou falando do custo de apenas 118 procuradores da ativa. Mas,
como os próprios procuradores insistem no discurso de que são essenciais para o
bom resultado da arrecadação de tributos, mostra-se oportuno separar e comparar
os números dessa arrecadação.
Primeiramente, cabe esclarecer que as Administrações
Tributárias, como qualquer outra corporação pública ou privada, têm um objetivo
principal. Quando se trata do Fisco logo vem à mente que o seu objetivo basilar
é cobrar tributos. Tal conclusão é equivocada, pelo menos quando tratamos da
principal missão dessas administrações.
Uma pesquisa rápida junto as maiores Administrações
Tributárias do Brasil e do mundo logo revelará que a principal missão do Fisco é
a de manter convicto o respectivo contribuinte do seu dever de cumprir, a tempo
e a termo, com suas obrigações fiscais. Para tal, as administrações utilizam-se
de rotinas, métodos e ferramentas específicas para imprimir essa voluntariedade
em seus contribuintes.
Em um segundo momento, cabe à Administração Tributária
promover a justiça fiscal identificando, qualificando, autuando e cobrando de
uma minoria de contribuintes o cumprimento de obrigações fiscais não adimplidas
espontaneamente.
Isso mesmo, a tarefa de cobrar tributos não recolhidos
voluntariamente é uma importante missão da Administração Tributária, porém
secundária.
No Estado de Goiás o recolhimento de tributos não pagos atempadamente
representou nos últimos 5 exercícios apenas 3,9% da arrecadação tributária
total. Dos R$ 81,9 bilhões arrecadados entre os anos de 2014 e 2018, R$ 78,64
bilhões (96,1%), foram recolhidos espontaneamente pelo contribuinte e R$ 3,15
bilhões cobrados através de autuações do Fisco estadual.
Esmiuçando os R$ 3,15 bilhões cobrados de contribuintes
inadimplentes, constata-se que perto de 89% dessa inadimplência (R$ 2,79
bilhões) foi solucionada administrativamente sem que fosse preciso ajuizar a
execução fiscal, ou seja, o crédito foi recuperado por servidores da
Administração Tributária, lotados na pasta da Economia, antiga SEFAZ.
Já os créditos ajuizados, ou seja, em execução fiscal,
representam apenas 11,5% do sucesso na cobrança de inadimplentes (R$ 363 milhões),
ou 0,44% de toda a arrecadação tributária no período.
Achou pouco menos de 0,5% (meio por cento) da arrecadação como
resultado da PGE na função de órgão arrecadador? Pois se esquadrinharmos as
circunstâncias dessa “cobrança judicial” de inadimplentes veremos que o
resultado da PGE é muito pior.
Essa assertiva tem fundamento no fato de a maioria dos
créditos em execução judicial e recuperados no período de 2014 a 2018, R$ 340,2
milhões (93,7%), foram recolhidos no âmbito de programas de recuperação de
créditos, popularmente chamados de anistias.
Desse modo, o motivo principal do contribuinte procurar saldar
sua dívida junto ao fisco não ocorreu em função da execução fiscal, e sim em
razão da arrojada política de renúncia fiscal praticada pelo governo goiano à época,
que aceitou receber a dívida com perdão de juros, multas e até a
correção monetária que incidiam sobre o crédito em cobrança.
Soma-se a isso o fato dessas anistias serem integralmente
planejadas e executadas pela pasta fazendária, que mobiliza toda a sua
estrutura física e humana para viabilizar a negociação com o contribuinte
interessado. Assim sendo, perto de 94% da recuperação de créditos tributários
atribuídos à PGE não ocorreram por conta da expertise ou esforço dos servidores
daquele órgão.
A expertise e esforço dos procuradores na arrecadação de
tributos só pode ser atribuída à recuperação de créditos ocorridos em execuções
fiscais liquidadas sem a providencial ajuda das anistias fiscais, que nos últimos
5 exercícios renderam apenas R$ 22,8 milhões, ou 0,028% (vinte oito milésimos
por cento) da arrecadado no mesmo período.
Em resumo, a cada R$ 1.000,00 (mil reais) de tributos arrecadados
pelo Estado, a PGE colaborou com R$ 0,28 (vinte oito centavos). Esse é o exato tamanho
da importância da PGE na arrecadação estadual.
Como já frisado, mesmo sendo ínfimo, o desempenho da PGE na arrecadação
tributária estadual é absolutamente normal, já que não se trata de órgão ligado
à receita. O problema é que seus próprios membros insistem na tese de que são
servidores com importante atuação na recuperação de créditos tributários, fato
que nos autoriza mensurá-los nessa área.
No decorrer dessa mensuração ficou demonstrado que o
produto da arrecadação desse pretenso agente da receita, em 60 meses, não cobriu 5 meses da respectiva folha salarial, isso considerando apenas os 118 procuradores em
atividades, cujo portal da transparência aponta custarem ao Estado R$ 4,63
milhões por mês.
Fosse na iniciativa privada, um cobrador que apresentasse tais resultados não duraria mês.
Outro dado curioso extraído dessa mensuração foi o fato de a
PGE ter produzido, com esforço próprio, apenas R$ 22,8 milhões em recuperação
de créditos tributários nos últimos 5 exercícios - menos de 10% do que custaram
ao Estado em salários no mesmo período – porém embolsaram quase o dobro
desse valor em honorários (R$ 36 milhões), já que todo o crédito em cobrança judicial, com ou sem anistia, são acrescidos de 10% a título de tal verba.
Pelos números apresentados, a conclusão que se chega é que a PGE possui papel irrelevante na arrecadação do Estado (0,028%), mas o quanto se pode faturar com essa arrecadação tem muita importância para os procuradores do Estado (R$ 36 milhões).
Não custa repetir, não acreditem em falácias!