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segunda-feira, 29 de abril de 2019

E Goiás, “cola” de quem?



Platão escreveu que o excesso normalmente produz reação na direção oposta à pretendida, Confúcio ensinava que o excesso enfraquece e Voltaire aconselhava: use, mas não abuse. Cada um desses grandes pensadores, ao seu modo e tempo, concordava que o excesso praticado pelo homem, cedo ou tarde, redundaria em algum tipo de efeito colateral lesivo ao patrimônio físico, moral ou material do mesmo.

Nesse sentido, notório que nos últimos 20 anos Goiás se consolidou como o mais exagerado - ou como alguns preferem dizer, agressivo - estado da federação em termos de concessões de benefícios e incentivos fiscais, circunstância que fez com que sua renúncia de receita chegasse a R$ 8 bilhões ao ano, sendo R$ 5,67 bilhões somente em ICMS, que representa 35% de tudo que que se arrecada desse imposto no estado.

O preocupante diagnóstico das contas públicas do estado é um dos efeitos colaterais que a exagerada renúncia fiscal praticada ajudou a consolidar. Ante tal quadro, a pasta da Economia sinalizou que o volume dos benefícios e incentivos serão revistos e enquanto isso não ocorrer a ordem da equipe econômica é congelar a renúncia fiscal nos atuais R$ 8 bilhões, ou seja, para cada real de nova renúncia concedida, outro terá que ser diminuído dos que já existem.

Porém, outro efeito colateral começa a se manifestar, prenunciando outro duro golpe contra a nossa economia por parte de um vizinho. O Distrito Federal está convencendo empresas instaladas ou com intenção de se instalarem em Goiás a se mudarem para Brasília, em troca de favores fiscais mais vantajosos.

Opa, espera aí! Se a nossa política de renúncia fiscal é a mais agressiva, por que então o DF tem se mostrado mais atrativo que Goiás? 

A principal razão é que ele seguiu os conselhos de Voltaire, usando, sem abusar.

Verdade que a falta de abuso não decorreu simplesmente de uma livre opção. O DF sempre tentou imitar Goiás na criatividade e no volume de sua renúncia fiscal, porém, sempre encontrou a combativa resistência do Ministério Público do Distrito Federal, que questionava toda criação de renúncia de ICMS sem a chancela do Confaz ou em desacordo com a lei de responsabilidade fiscal.

O ex-senador pelo DF, Hélio José, chegou a justificar no final de 2017 que era favorável à convalidação dos benefícios fiscais por que o MP/DF não deixava passar nada, enquanto no Estado de Goiás ocorria justamente o contrário. Dois ex-governadores candangos e pelo menos uma dúzia de seus ex-secretários respondem ou responderam a processos por improbidade devido a instituição de favores fiscais em desacordo com a legislação. Já em Goiás, somente agora, 20 anos depois, surgem as primeiras ações nesse sentido.

Assim, com uma renúncia de ICMS de apenas R$ 1,3 bilhão, cinco vezes menor que Goiás, somado ao fato de depender muito menos da arrecadação desse imposto do que os goianos, faz com que o DF tenha hoje uma margem considerável para negociar benefícios e incentivos. Para se ter uma ideia, caso Brasília resolva dobrar o volume de sua renúncia fiscal, não chegará à metade da renúncia praticada em Goiás.

E o MP/DF, parou de combater os benefícios fiscais? Não, ficou de mãos atadas. Esse é outro importante efeito colateral que Goiás provocou com sua agressividade na concessão de benesses fiscais, abrindo as portas para que tanto o DF, quanto o MS e MT se apresentem para a guerra fiscal tão agressivos quanto nós, goianos, só que agora sem violação da lei.

A convalidação de benefícios fiscais irregulares pelo Confaz trouxe consigo a polêmica “regra da cola”, permitindo que favores fiscais convalidados sejam estendidos a outros estados da mesma região, ou seja, permite que as mesmas armas utilizadas por Goiás na guerra fiscal, antes tidas como ilegais, possam agora ser usadas legalmente por nossos vizinhos do centro oeste.

Já Goiás, por possuir o mais poderoso e sortido arsenal de benefícios e incentivos fiscais, não tem de quem colar!

Apesar da paridade de armas, a situação é desoladora para Goiás, pois já não possui munição suficiente para a possível guerra fiscal que se avizinha, que foram fartamente desperdiçadas durante os 20 anos que antecederam nossa pirrônica posição de campeão em renúncia do ICMS.

Doutra banda, o fato de usar sem abusar da respectiva renúncia, tornou nossos vizinhos melhor preparados para um provável confronto, pois, além de razoavelmente municiados, agora podem atacar ou revidar com benefícios e incentivos de grosso calibre, que até pouco tempo somente Goiás possuía.

Que tenham piedade então!

quinta-feira, 25 de abril de 2019

Em Goiás, além de tocar, o auditor carrega o piano


Afinal, qual a missão de um auditor-fiscal de tributos? O art. 142 da Código Tributário Nacional resume a essência da atividade exercida por essa carreira de estado, descrevendo sua missão privativa de constituir o crédito tributário pelo lançamento, por meio de procedimento administrativo que vise a verificação da ocorrência do fato gerador da obrigação, determinação da matéria tributável, cálculo do tributo devido, identificação do sujeito passivo e, sendo o caso, aplicação da penalidade cabível.

Trocando em miúdos, a tarefa do auditor-fiscal é a de identificar e equacionar omissões tributárias visando otimizar a arrecadação, ajudando e orientando a maioria dos contribuintes que buscam cumprir a lei fiscal, promovendo, ao mesmo tempo, a justiça fiscal através de repreensões administrativas dirigidas a uma minoria que não está disposta a cumprir com suas obrigações tributárias.

Pode-se dizer que após o crédito tributário ser recolhido ou definitivamente constituído pelo lançamento, ou seja, estiver apto a ser inscrito em dívida ativa, encerra-se a missão do auditor.

Porém, em Goiás, a missão do auditor vai muito além.

O servidor-mor da administração tributária goiana, além de suas tarefas ordinárias, também possui a missão de coordenar a cobrança administrativa da dívida tributária estadual, utilizando-se para isso de ferramentas administrativas concebidas pelo próprio fisco, tal como o parcelamento de créditos, Cadin, devedor contumaz, Refis, etc.

Sem custo extra para o contribuinte, a cobrança administrativa realizada pelo fisco tem se mostrado o meio mais rápido, eficaz e barato na recuperação do crédito tributário, apesar do obstinado desejo de outras carreiras em tomar o lugar do fisco nessa modalidade de cobrança, com a cúpida pretensão de embolsarem espécie de honorários que denominam como “encargos legais”, representando um acréscimo de 10% sobre o valor da dívida, a exemplo do modelo que conseguiram implementar recentemente na cobrança administrativa do PROCON e SECIMA.

Somente quando a satisfação do crédito tributário depender de expropriação judicial de bens é que a missão de garantir o pagamento da dívida muda de mãos, encerrando, em tese, a missão do auditor-fiscal goiano.

Digo em tese, porque na menor dificuldade encontrada pelos servidores incumbidos da execução fiscal, o auditor-fiscal é imediatamente chamado para acudi-los.

A prática vem demonstrando que em casos mais emblemáticos, mesmo após ter tocado praticamente durante todo o espetáculo da arrecadação tributária - que vai do lançamento até a quitação espontânea, negociada ou forçada do crédito tributário - o auditor é rotineiramente convocado para carregar o piano para que outros toquem no pouco que resta desse show.

 Matéria SAGRES
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a matéria da penhora de faturamento 
Exemplo mais recente dessa circunstância foi a propalada ação atribuída ao Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos (CIRA), onde a PGE requereu a penhora de faturamento de um conhecido supermercado da capital goiana, obtendo êxito na concessão da ordem judicial requerida.

O caso foi amplamente divulgado pela imprensa, com direito a entrevistas, notas e declarações por parte de procuradores e gestores da pasta da Economia, que trataram a penhora como um feito exemplar da atuação e integração do trabalho das respectivas instituições.

Se tal feito é merecedor de todo o estardalhaço produzido eu não sei, mas, ganha um doce quem adivinhar qual servidor foi indicado pela PGE e designado pela juíza prolatora da ordem judicial como responsável pela execução da intrincada tarefa de efetivar, administrar e prestar contas da penhora de faturamento deferida?

Ganhou o doce quem disse: auditor-fiscal. Isso mesmo, ele tocou durante quase todo o tempo e agora vai carregar o piano no finalzinho do espetáculo, encargo que cabia a outro servidor.

E não é um caso isolado. Muito comum a PGE indicar em suas petições o auditor-fiscal como perito, assistente ou administrador judicial, sem maiores preocupações com um curioso detalhe: mesmo contendo previsão processual de remuneração por honorários, o auditor acaba exercendo o encargo de forma gratuita, e, em sentido contrário, contribuindo para que o procurador do estado receba honorários que estão previstos no mesmo código processual.

O que muitos auditores não sabem é que a indicação como administrador, perito ou assistente judicial necessita de aceitação expressa do designado, podendo o encargo ser solenemente recusado mediante simples petição dirigida ao juiz designante.

Então, fica a pergunta: perito, administrador ou assistente, se o auditor-fiscal recusar o encargo quem vai carregar o piano?