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  • Por que protegemos um sistema que nos fere?

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domingo, 9 de junho de 2019

Mensageiros do caos! Por que não se fala de benesses fiscais quando o assunto é ajuste econômico?

Introduza um pouco de anarquia. Perturbe a ordem vigente, e tudo se torna o caos. Eu sou um agente do caos”. Com essas palavras, o personagem Coringa, em Batman: o Cavaleiro das Trevas, anuncia seu lema e conclui: “e sabe qual é a chave do caos? O medo”.

Não é fácil, no Brasil atual, nominar quem é o agente do caos. Não porque não o conheçamos, mas porque são muitos e difusos, ao menos desde que a não aceitação do resultado das eleições presidenciais de 2014 “perturbou a ordem vigente”. Desde então, temos muitos Coringas à solta, espalhando o medo.

A crise econômica brasileira não dá sinais de esgotamento imediato – agravada por uma ordem política abalada por sucessivas crises, justamente por conta do caos instalado pela ruptura democrática do impeachment –, e, enquanto não surge o Batman (um salvador) a quem recorrer, a alternativa para enfrentar esse caos passa a ser algum ato de salvação. Para o atual governo, o único ato possível de nos libertar desse caos é a reforma da Previdência.

Não por acaso, as manchetes da grande mídia repetem o mantra dogmático de nossa salvação: “Se não for aprovada a reforma da Previdência, o país quebra”! Essa “bala de prata”, ressaltam, é nossa única, e derradeira, solução para o caos. Não há alternativas, elas gritam.

Mas isso é mentira! Há alternativas viáveis. Mas estas não interessam à nossa velha elite sanguessuga.

Benesses fiscais × reforma da Previdência: vamos comparar?

O governo escolheu um número simbólico para “vender” a reforma da Previdência: 1 trilhão de reais. A imagem é “bonita”: R$ 1.000.000.000.000,00. Essa seria a economia em dez anos. Para um país com renda média mensal inferior a R$ 1.400, esse é um número assustador (e inalcançável para a maioria dos brasileiros). Então, para facilitar a comparação e mostrar as alternativas disponíveis com a “mesma moeda” do governo, utilizaremos esse número como referência. Essa será nossa “régua”.

O artigo 165 da Constituição Federal estabelece a obrigação de o Poder Executivo apresentar demonstrativos das receitas e despesas decorrentes de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza tributária, financeira e creditícia. Proponho usarmos a denominação benesses fiscais para consolidar a totalidade desses benefícios.

As benesses financeiras, também denominadas subsídios explícitos (por serem apresentados explicitamente no orçamento), referem-se a desembolsos efetivos realizados por meio das equalizações de preços e juros e à assunção de dívidas. As benesses creditícias, denominadas subsídios implícitos, são os gastos decorrentes de programas oficiais de crédito, operacionalizados à taxa de juros inferior ao custo de captação do governo federal. Já as benesses tributárias (ou gastos tributários, no jargão oficial) são gastos indiretos do governo realizados por meio do sistema tributário. Além desses, temos as anistias tributárias, representadas principalmente pelos programas de refinanciamento de dívidas, conhecidos como Refis.

Há uma percepção geral de que as benesses fiscais podem ser úteis para alcançar certos objetivos de interesse público, mas também de que precisam ser utilizadas com equilíbrio, o que traz à baila algumas questões importantes: quanto custa e quem são os beneficiários dessa opção política? Qual é o impacto dessas renúncias na economia e nas contas públicas? É possível reduzi-las?

Tentemos perscrutar alguns números para buscar as respostas

Em maio de 2018, a Secretaria de Acompanhamento Fiscal, Energia e Loteria (Sefel), do Ministério da Fazenda, divulgou o 2º Orçamento de Subsídios da União: Relatório do Governo Federal, apresentando os gastos tributários e os benefícios financeiros e creditícios no período de 2003 a 2017. Os dados mostram que, em 2017, o total de benesses somente do governo federal (União) alcançou R$ 354,7 bilhões, sendo R$ 84,3 bilhões de benefícios financeiros e creditícios, e R$ 270,4 bilhões de gastos tributários. Junte-se a elas a perda anual de R$ 18,6 bilhões por ano com os 25 programas de refinanciamento das dívidas com a União que foram criados ou reabertos no país de 2000 até 2017 e temos o montante anual de benesses fiscais: R$ 373,3 bilhões.

Utilizando nossa “régua”, constatamos que a economia pretendida com a draconiana reforma da Previdência em dez anos é menor do que o total dessas benesses em apenas três anos. Ou, ainda, para não passarmos a ideia de que é possível acabar com todas essas benesses, algumas justas, se reduzíssemos em 30% seu montante, teríamos uma economia equivalente a “uma reforma da Previdência”.

Analisando os dados oficiais, é possível ver uma tendência de crescimento das benesses da União, que quase duplicaram: de 3% do PIB em 2003 para 5,4% do PIB em 2017. A desagregação por modalidade mostra que as benesses tributárias atingiram 4,1% do PIB em 2017, ante 2% em 2003; e os subsídios financeiros e creditícios se ampliaram de 1% em 2003 para 1,3% do PIB em 2017. Ou seja, se simplesmente retornássemos aos padrões de 2003, economizaríamos 2,4% do PIB ao ano, ou 24% do PIB em dez anos, o equivalente a R$ 1,6 trilhão em 2018, um valor 60% superior ao apresentado pelo governo para “vender” sua reforma da Previdência. Se focássemos somente as benesses tributárias, seu retorno aos padrões de 2003 já implicariam uma arrecadação de R$ 1,36 trilhão em dez anos.

Mas por que tal alternativa nem sequer é cogitada? A quem interessa esse silêncio sobre essa fonte importante de recursos? Por que apostar numa reforma cuja conta será paga apenas pelos mais pobres?

Benesses tributárias: a quem será que se destinam?

A Receita Federal divulgou recentemente os dados dos gastos tributários em bases efetivas até 2015 e as projeções até 2020. As projeções para 2018 a 2020 indicam certa estabilidade no nível dos gastos em cerca de 4,1% do PIB.

Os dados da Receita Federal mostram ainda que a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a Contribuição Previdenciária são os tributos que concentram a maior parte dessas benesses tributárias: 22% e 21% do total.

Não soa estranho que mais de 50% das benesses tributárias estejam concentradas justamente nos tributos que financiam a Seguridade Social (Cofins, PIS/Pasep, CSLL e Receitas Previdenciárias), entre elas a Previdência, acusada de ser a causa de todos os males? Quem, sendo proponente de ajustes fiscais, defenderia abrir mão de receitas que justamente tornariam sustentáveis as despesas com saúde, previdência e assistência?

Não lhes parece haver algo mal contado nessa história? Quem estaria se beneficiando dessa omissão?

Para estimar os gastos tributários, a Receita Federal utiliza um sistema tributário de referência, segundo ela, “baseado na legislação tributária vigente, em normas contábeis, em princípios econômicos, em princípios tributários e na doutrina especializada”. Trata-se, obviamente, de uma escolha discricionária e sujeita às deficiências dessa subjetividade. Só para ficarmos num exemplo dessa discricionariedade, a Receita Federal classifica como gasto tributário renúncias relacionadas ao Simples Nacional, apesar de existir expressa previsão constitucional de tratamento favorecido para as pequenas e médias empresas (Art. 170, IX). Por outro lado, não considera que a isenção da distribuição de lucros e dividendos, inserida em nosso ordenamento jurídico somente em 1996, seja um gasto tributário, embora configure claramente uma exceção à regra geral da tributação da renda.

Essa é uma questão importante, pois isso significa que não está incluído no montante das benesses tributárias o total da renúncia relativa à distribuição de lucros e dividendos, que em 2016, último ano divulgado pela Receita Federal, somaram R$ 269,4 bilhões e, se fossem tributados identicamente aos rendimentos do trabalho, poderiam resultar numa arrecadação de mais de R$ 70 bilhões, equivalente, em dez anos, a 70% do que a reforma da Previdência pretende economizar.

Outra benesse tributária pouco questionada são as renúncias com a saúde, que se concentram basicamente em subsídios destinados à oferta (indústria farmacêutica e hospitais) e em gastos com planos de saúde, profissionais de saúde, clínicas e hospitais. Tais benesses, que provocaram uma renúncia de R$ 41,3 bilhões em 2019, são de difícil redução, pois os principais beneficiários são a “classe média”, que financia seus planos privados, e as operadoras de planos de saúde, as clínicas e hospitais privados e os profissionais de saúde, que são os destinatários finais dessa renúncia.

Além disso, as principais pesquisas na área indicam um efeito negativo dos gastos tributários em saúde sobre a redução da desigualdade, alguns dos quais com efeitos regressivos, isto é, que aumentam o nível de desigualdade, pois seu valor se eleva à medida que a renda das famílias cresce. Como resultado, tais benesses beneficiam os mais ricos.

Parece óbvio, agora, porque não se atacam tais benesses em vez de apostarem numa cruel reforma da Previdência: os gastos tributários favorecem os mais ricos, que exercem grande poder de influência sobre os que concedem as renúncias tributárias. E os ricos brasileiros, quando ameaçados em seus castelos, utilizam o medo para instalar o caos e manter seus privilégios.

E, assim, retomando o Coringa, quando se instala o medo, é fácil convencer os que vão perder, e sempre perderam, de que não há alternativas a não ser a supressão de seus direitos. Nesse “filme”, os que acreditarem no terrorismo do problema da Previdência vão perceber, talvez tarde demais, que apenas foram usados pelo Coringa e que já não há “Batmans” para salvá-los.

O que nos resta então? Precisamos mostrar à sociedade o que está por trás de tudo isso. Quem é o Coringa. E convencê-la de que não há como debelar o caos senão destruindo “o agente do caos”, o “nosso” Coringa!


Autor: Marcelo Lettieri Siqueira – Auditor-Fiscal da Receita Federal

sexta-feira, 7 de junho de 2019

A principal diferença: respeito pela categoria


Ontem (6) foi preso o ex-corregedor da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, acusado de cobrar propina.  Há cerca de 15 dias um membro da Secretaria da Economia de Goiás (antiga fazenda) também foi preso sob a mesma acusação. Ambos são ocupantes do cargo de auditor-fiscal da receita do seu respectivo estado.

Apesar da aparente semelhança entre os dois casos, esses diferem bastante entre si, em especial nas circunstâncias da prisão.

A prisão paulista foi precedida de ordem judicial, sendo o acusado recolhido em cela separada dos presos comuns por possuir curso superior, uma previsão legal que muitos podem até discordar, mas se encontra em plena vigência. Duvido muito que algum discordante abra mão dessa prerrogativa caso o mesmo ou um dos seus venham precisar.

Já a prisão goiana foi precedida de um nebuloso flagrante, que se iniciou com um “convite” do delegado para que o acusado o acompanhasse para “prestar esclarecimentos”, nada mencionando sobre a intenção da voz de prisão, que, quando finalmente ocorreu, horas depois, desconsiderou deliberadamente o notório fato de o cargo ocupado pelo servidor acusado ser privativo de pessoas com curso superior, sendo o preso recolhido ao cárcere coletivo com cerca de outros 20 acusados, só que de crimes violentos.

Porém, a diferença mais marcante entre os dois casos foi a postura das autoridades. Em São Paulo, tanto a polícia, quanto o Ministério Público, fizeram seu trabalho da forma mais discreta possível, e o governador Dória se absteve de maiores comentários sobre o caso, e, apesar de se tratar o acusado de um notório auditor-fiscal paulista, em nenhum momento o nome do cargo que ocupa foi exposto ao desgaste, preservando assim os demais membros dessa categoria.

Procurei e não encontrei nas manchetes ou reportagens sobre o caso paulista qualquer menção de que o acusado fosse ocupante do cargo de auditor-fiscal, até porque tal circunstância não guarda relação - assim como qualquer outra função pública - com possíveis desvios de comportamento.

Já em Goiás o próprio governador Caiado foi às redes sociais para “comemorar” a prisão de um auditor-fiscal, e nossos jornais entoavam repetidamente a frase “auditor-fiscal preso por corrupção”, numa indisfarçável e cruel sinergia de atrelar o delito à função exercida.

Até mesmo nossa corregedora-geral deve ter ficado constrangida com o show penal midiático patrocinado pelas autoridades envolvidas no caso, pois, quando entrevistada, não se apresentou como corregedora, tampouco como auditora-fiscal, conformando-se com o título de “representante” da pasta da Economia.

Nos dois casos desejo que a justiça seja feita, absolvendo ou condenando quem de direito após o devido processo legal.

Mas, no caso goiano, sou obrigado a registrar o seguinte desabafo: o governador e a polícia perderam uma excelente oportunidade de demonstrar respeito à categoria de auditores-fiscais.

Favor não desperdiçarem uma outra chance.

quinta-feira, 6 de junho de 2019

STF decide hoje se servidor pode ter salário reduzido

Corte deve analisar nesta quinta-feira (6/6) artigos da Lei de Responsabilidade Fiscal, entre eles o que permite reduzir a remuneração de funcionários públicos em caso de endividamento da unidade da federação com a folha de pessoal.

Está em jogo a constitucionalidade de pelo menos 30 artigos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que cria normas para a gestão fiscal no setor público. Entre os trechos que foram questionados, está o artigo 23 da lei, que permite a redução dos salários de servidores, caso o estado ultrapasse o limite de gastos permitidos com a folha de pagamento. 

De acordo com a legislação, para suprimir a remuneração, é necessário que ocorra também a redução da jornada de trabalho. 

O julgamento sobre a constitucionalidade começou em 17 de fevereiro, mas a análise do caso foi suspensa após manifestações da Procuradoria-Geral da República (PGR) e da Advocacia-Geral da União (AGU). Os ministros sofrem pressão para decidir de forma a dar alívio aos estados, que comprometem grande parte de seus orçamentos para manter o funcionalismo. Nas últimas semanas, o ministro da Economia, Paulo Guedes, fez uma peregrinação nos gabinetes do Supremo para persuadir os ministros sobre os assuntos que são de interesse do Executivo.

O advogado do Sindifisco/GO, Dr. Thiago Moraes, acompanhará o julgamento em Brasília. 


domingo, 19 de maio de 2019

DETRAN retorna ao Tesouro e dinheiro público só em bancos oficiais


O TCE/GO emitiu 10 determinações e 5 recomendações ao governador de Goiás e a sua secretária de Economia, visando corrigir ilegalidades apontadas em relatórios de auditorias, conforme consta de acordão publicado na última quarta (15) pela corte de contas goiana.

O processo que abriga as determinações e recomendações foi aberto no ano de 2016, mas somente agora foi concluído.

Entre os principais pontos deliberados pelos conselheiros do TCE está a reinclusão da arrecadação do DETRAN na conta única do tesouro estadual, já que o citado órgão não pode ficar à margem da centralização de recursos do caixa único estadual, constituindo tal situação em infração as normas gerais de Direito Financeiro estabelecidas pelo art. 56 da Lei 4.320/64 e art. 43, §1º da LRF, representando ainda riscos de má administração das receitas públicas, uma vez que se tratam de recursos movimentados sem o registro e o controle do sistema único.

Outra determinação do TCE foi a migração de qualquer recurso do poder executivo estadual para bancos oficiais, já que relatórios apontaram que parte desses recursos encontram-se depositados em bancos privados como Bancoob, Itaú e Santander, fato que representa uma irregularidade conforme a jurisprudência dos Tribunais de Contas, onde prevalece o entendimento de que as disponibilidades de caixa somente admitem depósitos em bancos oficiais, com exceção dos recursos públicos já comprometidos com o pagamento de obrigações do ente federativo, como aqueles relativos à folha de pagamento e às faturas emitidas por fornecedores que já tenham sido empenhadas.

Os prazos para regularização das incongruências apontadas pelo TCE vão de 30 a 90 dias.

quinta-feira, 16 de maio de 2019

Emenda 54. Marco Aurélio pede inclusão em pauta

O Ministro do STF Marco Aurélio, decidiu levar ao pleno a análise do pedido cautelar feito pela PGR, que requereu liminarmente na ADI 6129 a suspensão da aplicação da Emenda Constitucional n. 54 (e parte da 55), em vigor desde meados de 2017, que ficou conhecida em Goiás como a “PEC dos gastos”.

O rito adotado pelo relator da ADI foi no sentido de que a medida cautelar seja concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do Tribunal, após a audiência dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que deverão pronunciar-se no prazo de cinco dias.

Após prestadas as informações no prazo de 5 dias, a decisão colegiada sobre a concessão ou não da cautelar pode ocorrer em qualquer sessão seguinte do pleno, cabendo ao presidente do STF, ministro Dias Toffoli, a inclusão do processo em pauta. 

Dentre outras consequências, a suspensão dos efeitos da EC.54 pelo STF, em tese, destravará as progressões e promoções funcionais de boa parte dos servidores públicos goianos, que à exceção da segurança pública e saúde, encontram-se suspensas pela “PEC dos gastos”.