lista

  • Por que protegemos um sistema que nos fere?

Páginas

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Liberal nos lucros, social nos custos

        

Com sua política de incentivos fiscais Goiás consegue unir o que há de pior em duas filosofias antagônicas. Quando se trata de lucro, esse é distribuído segundo a lógica liberal, indo apenas para os poucos particulares que tiveram coragem de empreender. Quando o assunto é o custo, aí vale a lógica socialista, devendo o ônus ser partilhado com toda a sociedade, que tem o dever de financiar os meios de produção, mesmo que pertencentes à iniciativa privada.
A proposta do Sindifisco de autorrecuperação fiscal de Goiás apresentada à imprensa semana passada (31/01/2019), colide justamente com o raciocínio deletério do custo para todos e o lucro para poucos; e, lógico, já era esperada a reação contrária dos beneficiários da equivocada renúncia fiscal goiana, inclusive daqueles que por meio de serviços de consultorias e assessorias lucram com projetos nesse sentido.
Ao contrário do doce discurso de desenvolvimento e renda proporcionados por benefícios fiscais, reconhecidos organismos transnacionais como o FMI, o Banco Mundial e a OCDE; reiteradamente apontam em seus relatórios que a renúncia fiscal brasileira possui duvidoso retorno para a sociedade, mesmo sem considerar as graves distorções apontadas pelo Sindifisco.
Corrobora com o diagnóstico desses organismos o fato de Goiás patinar há mais de 15 anos na 9º posição do PIB brasileiro, não obstante figurar como um dos mais aguerridos em termos de incentivos fiscais, demonstrando que a agressividade de sua renúncia fiscal durante esse período em nada ajudou melhorar sua posição.
Mesmo o PIB de Goiás crescendo 12% nessa última década e meia, estados vizinhos subiram de posição no ranking brasileiro apresentando desempenho três vezes maior, não obstante possuírem uma renúncia fiscal que é menos da metade da nossa, a exemplo do Mato Grosso, com crescimento de 53% e Mato Grosso do Sul com 33%.
Infelizmente, o projeto goiano de desenvolvimento econômico é concentrado quase que integralmente na agressividade do seu portfólio de incentivos e benefícios fiscais, que são oferecidos em detrimento de maiores avanços em infraestrutura e tecnologia à disposição do investidor; circunstância que acabou colocando Goiás como refém da própria política de incentivos.
Quanto a rivalidade entre empresas, não podemos confundir competição com guerra fiscal. Na primeira situação, em regra, vence o mais preparado, na segunda o mais forte. Os benefícios fiscais goianos sempre estiveram mais relacionados com política e poder do que com economia e juridicidade, daí a razão das grandes corporações abocanharem para si a quase totalidade da renúncia fiscal.
Isso explica porque nossa política de benefícios fiscais é social nos custos e liberal nos lucros: nesse cenário, o mais forte prevalece.
 Isso tem que mudar!

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

ICMS: não usou, devolva

Imagine uma pessoa pedindo ajuda ao governo para atender necessidades urgentes de sua família, conseguindo ser contemplada com um benefício assistencial, passando a receber do Estado R$ 100 mensais em tickets alimentação.
Agora, considere que tempos depois essa pessoa não mais precise desse benefício, mas, em vez de dispensá-lo, passa a guardar os tickets recebidos, para depois vendê-los pela metade do preço.
Concluir pelo teor amoral dessa situação hipotética dispensa maiores debates. Ocorre que é justamente isso que vem acontecendo em Goiás com o benefício fiscal do crédito outorgado do ICMS, impedindo que milhões de reais ingressem nos cofres do Estado a cada ano.
Para se ter ideia do tamanho desse gasto público, uma só empresa com faturamento bilionário e beneficiária de créditos fiscais outorgados, recolheu em um ano menos de R$ 70 mil de ICMS para Goiás, porém, no mesmo período vendeu R$ 60 milhões dos créditos que não utilizou.
Resumo da ópera: além de recolher um valor aviltante de ICMS frente ao seu faturamento, a legislação fiscal também permitiu que essa empresa vendesse o benefício excedente a terceiros, que também diminuíram a respectiva conta do ICMS, pagando a metade do preço do imposto reduzido. Mais lucrativo que isso só a fabricação de dinheiro.
O simples fato da empresa beneficiária acumular créditos oriundos de auxílios fiscais já deixa evidente o exagero do benefício concedido. Já o fato de ser permitida a venda a terceiros do crédito não utilizado, traz à tona o caráter rentista e o grave desvio de finalidade da política de incentivos fiscais operada no Estado de Goiás.
Fácil concluir que o quadro calamitoso das contas públicas de Goiás se deve, em boa parte, aos nocivos benefícios fiscais que opera, afinal, abrir mão de 35% de sua receita corrente líquida com renúncias fiscais que chegam a R$ 9 bilhões ao ano, não é para qualquer um.
Para racionalizar boa parte dos seus gastos tributários, Goiás não precisa revogar seus benefícios fiscais, basta apenas exigir do beneficiário que se comporte dentro do que é óbvio e moral, tanto no caso hipotético dos tickets quanto no caso concreto do crédito outorgado: se não usou, devolva.
Seria mais racional e menos traumático equilibrar as contas do Estado com ações simples assim do que atrasar a folha, rolar fornecedores, vender patrimônio, paralisar investimentos ou instituir novos tributos.
Cláudio Modesto, Auditor-fiscal e Diretor Jurídico do SINDIFISCO/GO


segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Auditoria da Dívida de Goiás pode salvar as contas do Estado


Maria Lucia Fattorelli
            
       O Estado de Goiás é o 9o mais rico do Brasil. No entanto, a situação fiscal encontrada pelo atual governador Ronaldo Caiado, conforme matéria publicada pelo jornal Valor Econômico (10/01/2019), é de penúria, a ponto de comprometer o pagamento de servidores e fornecedores, além de afetar a manutenção dos serviços básicos de saúde e educação.

          Ademais das irregularidades cometidas por seu antecessor, também comentadas em outro ponto da mesma matéria, o aspecto mais relevante da crise fiscal do Estado de Goiás tem sido a sangria provocada pela chamada dívida pública; história que se repete na maioria dos estados brasileiros, porque foi programado para ser assim.

             No final da década de 90, todos os estados se encontravam em situação fiscal complicada, porque sofreram o impacto da insana política monetária praticada pelo Banco Central, que praticou taxas de juros tão elevadas, de até cerca de 50% “para controlar inflação” (sic), provocando um incremento brutal das obrigações de todos os estados.

         Essa dívida inflada foi somada ao passivo dos respectivos bancos estaduais e o montante foi refinanciado pela União em condições onerosíssimas!

             No caso de Goiás, o valor da dívida era de R$1,175 bilhão em 1998, mas o valor total refinanciado foi de R$1,777 bilhão, devido ao passivo do Banco do Estado de Goiás (BEG) que foi transformado em “dívida pública”, conforme dados fornecidos pelo Ministério da Fazenda à CPI da Dívida Pública concluída na Câmara dos Deputados em 2010: 


Esse montante passou a ser atualizado mensalmente, de forma  Cumulativa, pelo IGP-DI (índice que engloba variação cambial e expectativas de inflação que sequer se verificam) e, ainda por cima, juros de 6% ao ano, de tal forma que o juro nominal resultante foi um dos mais elevados do planeta, apesar de se tratar de empréstimo sem risco algum, pois se o Estado não paga, a União retém o Fundo de Participação do Estado!
             Para se ter uma ideia do impacto dessa remuneração extorsiva cobrada pela União, no período de 1999 a 2017 a sua variação foi de 1.379% (um mil, trezentos e setenta e nove por cento), frente à inflação de 237% (duzentos e trinta e sete por cento no mesmo período!

            Além da remuneração excessiva, o Estado de Goiás ficou obrigado a destinar um percentual de no máximo 15% de sua Receita Corrente Líquida para o pagamento da dívida refinanciada pela União, de tal forma que, em vários períodos, ainda que desejasse, o Estado não poderia pagar todo o montante dos juros nominais.

            Essa foi a estratégia para turbinar o crescimento do estoque da dívida de forma exponencial: os juros se incorporavam ao total da dívida e também passavam a ser submetidos, mensalmente, à extorsiva remuneração de IGP-DI + 6%.   
          
       Aquela dívida de R$1,777 bilhão alcançou quase R$9 bilhões em outubro/2018, ou seja, multiplicou-se por mais de 5 vezes, como mostram os dados publicados pelo Banco Central, apesar de o Estado de Goiás ter pago R$  5,575 bilhões (mais de 3 vezes o valor refinanciado) à União de 1998 até 2017[1]:




           

           Ou seja, depois de pagar várias vezes o valor refinanciado e de entregar o seu banco estatal (BEG); privatizar inúmeras empresas públicas estratégicas e lucrativas, e acumular perdas com a Lei Kandir (isenção de ICMS sobre o setor primário-exportador que somou R$ 9,189 bilhões de 1997 a 2016[2]), a dívida alcança cifra insustentável!


         Estudos realizados pela Auditoria Cidadã da Dívida em outros estados revelaram erro no cálculo dos juros cobrados pela União, que aplicou cumulativamente 0,5% a cada mês, chegando na realidade a uma taxa de 6,17% ao ano e não 6% como autorizado legalmente. 

         Houve também flagrante desrespeito ao Federalismo sob vários aspectos, em especial devido à ilegítima subtração de recursos em decorrência do ônus excessivo imposto pela União. Em 2010, por exemplo, entes federados pagaram cerca de 20% de remuneração à União, enquanto no mesmo ano esta emprestou aos Estados Unidos da América do Norte a taxa inferior a 1% e o BNDES emprestou a empresas privadas a taxas inferiores a 5% ao ano.

           A cobrança de juros sobre juros configura anatocismo, ilegal conforme súmula 121 do STF, que assim se pronunciou: “É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”. É proibida também pela Lei da Usura (Decreto nº 22.626/1933), vigente.

                 Outras ilegalidades têm sido comprovadas, tais como a ausência de conciliação de cifras (alguém teve acesso à dívida anterior, que foi refinanciada pela União? ou à natureza do passivo do BEG que virou dívida pública?); a exigência de robustas garantias (transferências constitucionais obrigatórias devidas pela União); o enorme desequilíbrio entre as partes (Estados haviam sido impedidos de acessar outros créditos com entidades federais pelo Decreto nº 2.372/97 e foram forçados a aderir às condições da Lei 9.496/97); a desconsideração do baixo valor de mercado dos títulos estaduais (tendo refinanciado tais dívidas a 100% de seu valor nominal); a assunção de dívidas privadas representadas por passivo de bancos estaduais no esquema PROES; desconsideração dos antecedentes (co-responsabilidade da União em relação ao crescimento astronômico da dívida dos Estados antes da negociação); a ausência de cláusula do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, entre outras.

              Por tudo isso é que afirmamos, sem sobra de dúvida, que as condições abusivas impostas pela União aos Estados precisam ser revistas desde a origem do processo.

    A ferramenta hábil para realizar essa revisão geral é a auditoria, procedimento que é realizado em base a provas e documentos, e que deve ser feita com participação cidadã.

               Enquanto não se realizar a necessária auditoria dessa chamada dívida e o consequente recálculo desde a sua origem, com juros simples, tal como entendimento exarado em liminares já concedidas pelo STF, a situação do Estado tende a se agravar cada vez mais e, encurralado, corre o risco de cair na armadilha da nova modalidade de geração de dívida ainda mais onerosa e perversa sob a denominação de “Securitização de Créditos Públicos”[3], que o então Senador Ronaldo Caiado questionou fortemente no Senado em 2016.


sábado, 8 de dezembro de 2018

Photoshop contábil


Prestar contas no exclusivo interesse de satisfazer a própria expectativa, sem, contudo, afetar a credibilidade dos números apresentados, é tarefa inglória. Não à toa a criatividade na contabilização de receitas e despesas quase sempre leva a alguma fraude ou “pedalada” fiscal.
O criacionismo contábil tem por premissa a esquiva do principal objetivo da contabilidade, que é o de fielmente registrar a situação patrimonial e fiscal da entidade. Assim, à luz da ética e da moral, a contabilidade criativa caminha na escuridão, pois, é cega diante princípios elementares da ciência contábil.
A maquiagem de contas contribuiu decisivamente na consolidação do atual quadro de penúria financeira vivenciada pelos estados. A real gravidade do desiquilíbrio entre receita e despesa foi solapada durante anos, graças à boa tolerância que os órgãos de fiscalização e controle têm com a metodologia contábil personalizada utilizada por uma boa parte dos entes públicos, justamente os que, hoje, encontram-se em colapso.
A Secretaria do Tesouro Nacional (STN) há muito vem acusando a prática da contabilidade criativa e a leniência dos órgãos de controle em relação a essa. Um dos apontamentos do STN revela que no ano de 2017 a maioria dos estados se enquadraram artificialmente em limites prudenciais da lei de responsabilidade fiscal, através da contabilização de percentuais menores de comprometimento da receita corrente líquida (RCL) com a respectiva folha de pagamento.
Goiás, por exemplo, é citado com um furo em torno de 20% em relação ao que declarou. Não obstante a conclusão do STN de que tal diferença foi dissimulada pela contabilidade criativa, o pecado contábil não sofreu penitência ou sermão por parte do pleno do TCE.
Apenas para ilustrar, no final de 2017 a França editou norma que obriga as agências de publicidade destacarem em suas propagandas o termo: “imagem retocada”, no caso da real aparência dos modelos fotográficos for alterada por softwares de edição de imagens. A iniciativa busca minimizar os males que a “ditadura da beleza” provoca no público feminino, perigosamente influenciado pelos perfeitos, porém irreais, corpos e rostos.
Traçando um paralelo com o exemplo europeu, sendo tolerado enfeitar o real resultado da situação patrimonial, fiscal e econômica da entidade, a sinceridade imposta à propaganda francesa é o bom exemplo a ser seguido pela contabilidade brasileira.
Imaginem só os registros contábeis patrimoniais e financeiros trazendo logo na sua abertura, o seguinte aviso: “Cuidado, contabilidade criativa”.
Dez/2018
Cláudio Modesto

Auditor-Fiscal e Diretor Jurídico do SINDIFISCO



terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Goiás, refém da própria política de incentivos fiscais

A política de incentivos fiscais de Goiás, iniciada na década de 80, teve grande importância para alavancar a economia goiana, porém, a falta de critérios e objetivos preestabelecidos nas concessões das benesses acabaram produzindo distorções que as deturparam, tornando algumas delas indefensáveis.

Hoje, até empresas varejistas possuem benefícios fiscais do ICMS em Goiás, algo, no mínimo, intrigante, já que tal segmento representa o fim da cadeia de consumo, onde todo o valor agregado ao produto durante os processos de industrialização, distribuição e comercialização, deveria sofrer a incidência integral desse tributo.

A política equivocada de incentivos fiscais em Goiás também produziu a nefasta cumulação de benefícios, onde empresas são agraciadas com o privilégio de recolherem apenas 27% do ICMS que normalmente apuram. Poucos sabem, porém, que em alguns casos esse percentual ainda sofre uma nova redução, em torno de 99%, por conta de outro benefício, o crédito outorgado.

Tal distorção produz uma alíquota efetiva inferior a 1% de ICMS sobre o valor do faturamento bruto da grande empresa, percentual este menor do que estão sujeitas às micro e pequenas empresas enquadradas no Simples Nacional, cujas alíquotas efetivas do ICMS vão de 1,25% a 3,95%, ou seja, em Goiás o pequeno empreendedor está pagando mais imposto do que o grande.

As desonerações fiscais desenfreadas provocaram outro efeito colateral, pois, para compensar a perda de receita com os benefícios concedidos, Goiás turbinou as alíquotas dos chamados blues chips do ICMS, representados pela energia elétrica, telefonia e combustíveis, que no final da década de 90 possuíam alíquotas que não ultrapassavam 17%, e, hoje, alcançam quase 30% de incidência desse imposto estadual.

Outro equívoco, talvez o mais deletério deles, é que nas últimas décadas o projeto goiano de desenvolvimento econômico foi baseado quase que integralmente na diversidade e agressividade do seu portfólio de incentivos e benefícios fiscais, sem grandes avanços com a infraestrutura de transporte, energia ou tecnologia; circunstâncias essas que colocam Goiás como refém da própria política de incentivos.

Essa captura é demonstrada pelas repetidas ameaças da classe empresarial beneficiária dos incentivos, que prometem abandonar Goiás caso os privilégios fiscais sejam revistos.

As ameaças de abandono trazem enrustidas mensagens contendo teor perturbador:  para eles, Goiás não representa ou oferece nada de razoável, além de sua exagerada política de incentivos fiscais. 

Torçamos para que isso não seja verdade, senão, esse sequestro vai demorar ter um fim!

Cláudio Modesto
Auditor-fiscal