Contando com um déficit perto de 120
auditores-fiscais das 750 vagas existentes, o fisco estadual opera atualmente com
cerca de 630 servidores ativos, estando aptos a se aposentarem no decorrer
deste ano cerca de 50 profissionais do fisco goiano.
No ano de 2018 a administração fazendária realizou
concurso público para preenchimento das 120 vagas existentes, e apesar de o
certame se encontrar devidamente homologado não há previsão de chamamento dos
aprovados, sob a justificativa da necessidade de ajuste fiscal.
A falta de pessoal no quadro do fisco estadual é
preocupante, e nesse contexto de grave carência de servidores fiscais, a
Administração Fazendária vem se utilizando de questionável criatividade para
administrar o déficit de pessoal de sua área fim, em especial no que toca as
tarefas privativas do auditor-fiscal em fiscalizar e lançar o Imposto estadual
de transmissão causa mortis e doação – ITCD.
Considerado pelos gestores da pasta da Economia
como um tributo de “segunda linha”, não tem merecido maiores esforços da
administração fazendária no aperfeiçoamento de sua fiscalização e arrecadação,
pelo contrário, para “otimizar” recursos humanos a pasta relegou a constituição
dessa espécie tributária a rotinas e procedimentos administrativos ilegítimos e
ilegais que eivam de nulidade o ato/procedimento administrativo constitutivo do
respectivo crédito tributário.
O desprezo com o ITCD teve início com a publicação
da instrução normativa n. 1.191/14-GSF, que estabeleceu procedimentos de
apuração, fiscalização e arrecadação do Imposto sobre a Transmissão Causa
Mortis e Doação – ITCD, cujo lançamento é operado na modalidade “por declaração”,
conforme preconizado pelo artigo 147 do CTN, onde o sujeito passivo possui
obrigação de prestar à autoridade administrativa informações sobre a matéria
fática, indispensáveis para a constituição do crédito tributário .
A referida instrução prevê que o procedimento
administrativo que tende verificar a ocorrência do fato gerador do ITCD tem
início com a apresentação pelo contribuinte do documento denominado DITCD
(Declaração do ITCD), sendo finalizado com a emissão do documento denominado
DCITCD (Demonstrativo de Cálculo do ITCD) onde o “servidor responsável”
executa as tarefas elencadas no art. 142 do CTN, quais sejam: “[...] verificar a ocorrência do fato gerador da
obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante
do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a
aplicação da penalidade cabível”.
Não obstante a I.N. n. 1.191/14-GSF atribuir as
tarefas elencadas pelo CTN a um “servidor responsável”, o
regulamento não autoriza - e nem poderia autorizar - que servidor estranho à
carreira do fisco estadual proceda a constituição do respectivo crédito, sob
pena de malograr o comando também existente no art. 142 do CTN que logo em seu
início é claro em elucidar que: “compete privativamente
à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim
entendido o procedimento administrativo tendente a [...]”.
Isso porque o DCITCD se trata de documento que
integra o procedimento administrativo mencionado no art. 142 do CTN, onde a
autoridade tributária finaliza a atividade privativa de lançar o imposto na
modalidade “por declaração”, constituindo regularmente o respectivo
crédito tributário em razão da identificação dos elementos constitutivos do
ITCD.
Todavia, com plena aquiescência da administração
fazendária, há tempos não é a autoridade fiscal designada em lei que regularmente
apura e lança os créditos tributários relativos ao ITCD, mas sim servidores
administrativos, comissionados, conveniados e até mesmo terceirizados.
Levantamento realizado de forma aleatória em
diversos procedimentos judiciais, findos e tramitação, comprovam a ilegalidade noticiada.
A maioria dos procedimentos administrativos pesquisados que constituíram o respectivo
crédito tributário, consubstanciados nos denominados “Demonstrativos de
Cálculos do ITCD – DCITCD”, são integralmente elaborados e assinados por
servidores e agentes públicos estranhos à carreira do fisco goiano, os únicos
com competência legal para o ato.
Relacionamos abaixo pequena amostra de Demonstrativos
de Cálculos do ITCD – DCITCD que materializam a irregularidade narrada,
bastando para cessá-los clicar no respectivo número com o link de acesso, a
saber:
• Lançamento
– Demonstrativo de Cálculo do ITCD Causa Mortis n. 0182-2017
URU, extraído dos autos judiciais 5226019.84, onde o servidor
ocupante do cargo de gestor público, Francisco Sinval de Carvalho - MB.
182762.6, exerce competência privativa da autoridade administrativa tributária
ao lançar crédito tributário nos moldes do art. 142 do CTN;
• Lançamento
– Demonstrativo de Cálculo do ITCD Causa Mortis n. 1922-2018
GOI, extraído dos autos judiciais 381344.33, onde o servidor
ocupante do cargo de analista de políticas de assistência social, Emiliano
Rivello Alves - MB. 705557.9, exerce competência privativa da autoridade
administrativa tributária ao lançar crédito tributário nos moldes do art. 142
do CTN;
• Lançamento
– Demonstrativo de Cálculo do ITCD Causa Mortis n. 4305-2018
GOI, extraído dos autos judiciais 5288000.33, onde o servidor
comissionado, Aparecida da Conceição Pinto – MB 1179429.1, exerce competência
privativa da autoridade administrativa tributária ao lançar crédito tributário
nos moldes do art. 142 do CTN;
• Lançamento
– Demonstrativo de Cálculo do ITCD Causa Mortis n. 4676-2019
GOI, extraído dos autos judiciais 5316493.45, onde o servidor
ocupante do cargo de analista de transportes e obras, Moacir Cícero de Sá
Junior – MB 57631.0, exerce competência privativa da autoridade administrativa
tributária ao lançar crédito tributário nos moldes do art. 142 do CTN;
• Lançamento
– Demonstrativos de Cálculo do ITCD Causa Mortis números:
0502-2019 FOR, 0504-2019 FOR, 0506-2019 FOR, 0508-2019 FOR e 0528-2019
FOR; extraídos dos autos judiciais 0326578.75, onde o servidor
conveniado da Prefeitura de Formosa, Paulo Henrique de Sousa e silva – MB
1555416.3, exerce atribuição privativa
da autoridade administrativa tributária ao lançar crédito tributário nos moldes
do art. 142 do CTN;
• Lançamento
– Demonstrativos de Cálculo do ITCD Causa Mortis n. 0016-2018
LUZ; extraídos dos autos judiciais 5362099.70, onde o servidor ocupante do cargo de técnico em gestão
pública, Aracelly Pereira Maurício – MB 704039.3, exerce competência
privativa da autoridade administrativa tributária ao lançar crédito tributário
nos moldes do art. 142 do CTN;
Constatou-se ainda que agentes incompetentes e
ilegítimos para o respectivo ato também concedem a isenção do ITCD em total
afronta ao art. 179 do CTN, que atribui
tal tarefa a autoridade administrativa mediante verificação individual da prova
que cada interessado faz do preenchimento das condições e do cumprimento dos
requisitos previstos em lei para sua concessão, a saber:
• Isenção
– Demonstrativo de Cálculo do ITCD Causa Mortis n. 3743-2017
GOI, extraído dos autos judiciais 5288875.33, onde a servidora
terceirizada (pro-cerrado) ocupante do cargo de digitadora, Jucimara Santos,
MB. 67635.7, exerce atribuição privativa da autoridade administrativa tributária
ao conceder isenção tributária nos termos do art.179 do CTN;
• Isenção
– Demonstrativo de Cálculo do ITCD Causa Mortis n. 4358-2019
GOI, extraído dos autos judiciais 0190154.55, onde o servidor
técnico administrativo, Paulo Roberto Felix Machado - MB. 153161.1, exerce
atribuição privativa da autoridade administrativa tributária ao conceder
isenção tributária nos termos do art.179 do CTN;
Ocorre que tanto o lançamento tributário quanto a
concessão de isenção em caráter não geral tratam-se de atos administrativos
decorrentes da atividade privativa da autoridade tributária competente, que objetiva
a formalização de crédito ou dispensa de pagamento de uma obrigação previamente
existente. Sem a observância dessa competência privativa tais atos se tornam
nulos ou anuláveis por ilegalidade ou abusividade na sua constituição.
A instituição, a arrecadação e a cobrança de
tributos não podem se subsumir à livre vontade do administrador, como no caso
concreto em que tolera deliberadamente lançamentos do ITCD realizados por
agentes incompetentes, ignorando assim o comando constitucional que obriga o
gestor público a manter uma Administração Tributária eficiente, cuja
negligência na arrecadação tributária pode ser considerada ato de improbidade.
Para se ter ideia, no ano de 2018 o ITCD arrecadou
R$ 391 milhões, e em 2019 teve diminuída sua participação na arrecadação em
cerca de R$ 80 milhões, queda essa que não duvidamos estar relacionada ao
tratamento leniente que a pasta fazendária dispensa a essa importante fonte de
receita pública.
Tanto é que foi a única espécie tributária que
apresentou decréscimo no referido período, 20% menor, a saber:
O preocupante é que boa parte dos R$ 700 milhões
arrecadados através do ITCD nos anos de 2018/2019 foram efetuados através de
lançamentos contendo o vício da incompetência funcional que aqui se noticia, circunstância
que abre caminho para questionamentos judiciais buscando a restituição do
pagamento do crédito constituído em desacordo com a legislação pertinente, com
grave prejuízo ao erário.
Caso não sejam tomadas providências rápidas, firmes
e retas para corrigir esse lamentável e equivocado tratamento que a
administração fazendária goiana dispensa ao ITCD, com o perdão do trocadilho,
vamos acabar "matando" o nosso imposto causa mortis.