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domingo, 27 de março de 2022

ITCD: faltou coragem de desburocratizar

Sob a justificativa da desburocratização, a nova sistemática de fiscalização e cobrança do imposto causa mortis goiano, o ITCD, deu ao estado a faculdade de decidir, caso a caso, qual a modalidade de lançamento tributário mais conveniente a ser aplicada para o mesmo fato gerador em uma mesma circunstância.

O “modus operandi” do novo ITCD, permite que algoritmos separem em duas partes contribuintes que se encontram em situação tributária absolutamente idêntica, possibilitando que uma parte desses contribuintes recolha o tributo de forma “quase” automática, submetendo a parte restante a um tratamento fiscal mais rigoroso. Nesse caso, pelo simples fato do valor declarado como base de cálculo ultrapassar determinado teto que a administração tributária considera interessante (falam em R$ 800 mil). Esse é o critério que será preponderantemente utilizado nas malhas fiscais, que foca em conteúdo econômico e não em irregularidades.


A nova sistemática do ITCD goiano também vai provocar um efeito curioso, pois, em tese, com duas modalidades de lançamentos possíveis, o estado de Goiás passa a ter dois prazos decadenciais para o ITCD.  Difícil vai ser decidir qual dos prazos aplicar, uma vez que nem mesmo as autoridades fiscais do estado sabem, ao certo, a atual modalidade de lançamento do ITCD, se por declaração ou por homologação.


Assim, pluralidade de lançamentos, tratamento anti-isonômico e insegurança jurídica,  não são formas de “desburocratizar” tributos. Desburocratizar não significa dar solução cômoda, rápida e inócua para os problemas difíceis.


O problema do ITCD em Goiás, como tantos outros, ainda é a falta de investimentos.  Hoje, a estrutura física e humana disponível é incompatível com uma autêntica sistemática de lançamento por declaração. Aliás, é insuficiente até mesmo para manter essa nova sistemática “jaboticaba sabor pequi”, que alterna o lançamento por homologação com o por declaração, conforme conveniência da administração.


Não é a primeira vez que a gestão da pasta fazendária tenta agir de forma criativa, enquadrando a realidade em sua possibilidade, quando o correto seria o contrário.


Escolher a modalidade de lançamento do respectivo tributo é um direito da administração fazendária, mas no caso de Goiás faltou coragem à pasta da Economia em adotar a única modalidade de lançamento tributário viável ante as severas limitações materiais e humanas da máquina fazendária, que inexoravelmente acabam por repercutir no contribuinte.


Estou falando do lançamento por homologação, que dispensa qualquer participação da autoridade fiscal na constituição do crédito, cujo cálculo e pagamento fica inteiramente sob a responsabilidade do contribuinte, sem qualquer intervenção do fisco, que só pode agir caso identifique omissões após o prazo de pagamento do tributo, ou seja, nessa modalidade de lançamento não cabe o termo “quase”.


Para ter ideia da viabilidade do lançamento por homologação, na  maior fazenda pública estadual do país, São Paulo, o imposto causa mortis é lançado nessa modalidade. Pode não ser a melhor forma de  lançamento para o fisco, mas para a maioria dos estados é a modalidade possível e a mais justa e honesta para o contribuinte.


Ao introduzir o pagamento do ITCD “quase” automático, terminamos por “quase” desburocratizar esse tributo. Tenhamos coragem de fazer o que está ao nosso alcance, de forma correta e honesta com o contribuinte.


Em matéria de tributos, não existe “quase”.




quarta-feira, 18 de março de 2020

Sangrando o imposto “causa mortis”


Contando com um déficit perto de 120 auditores-fiscais das 750 vagas existentes, o fisco estadual opera atualmente com cerca de 630 servidores ativos, estando aptos a se aposentarem no decorrer deste ano cerca de 50 profissionais do fisco goiano.
No ano de 2018 a administração fazendária realizou concurso público para preenchimento das 120 vagas existentes, e apesar de o certame se encontrar devidamente homologado não há previsão de chamamento dos aprovados, sob a justificativa da necessidade de ajuste fiscal.
A falta de pessoal no quadro do fisco estadual é preocupante, e nesse contexto de grave carência de servidores fiscais, a Administração Fazendária vem se utilizando de questionável criatividade para administrar o déficit de pessoal de sua área fim, em especial no que toca as tarefas privativas do auditor-fiscal em fiscalizar e lançar o Imposto estadual de transmissão causa mortis e doação – ITCD.
Considerado pelos gestores da pasta da Economia como um tributo de “segunda linha”, não tem merecido maiores esforços da administração fazendária no aperfeiçoamento de sua fiscalização e arrecadação, pelo contrário, para “otimizar” recursos humanos a pasta relegou a constituição dessa espécie tributária a rotinas e procedimentos administrativos ilegítimos e ilegais que eivam de nulidade o ato/procedimento administrativo constitutivo do respectivo crédito tributário.
O desprezo com o ITCD teve início com a publicação da instrução normativa n. 1.191/14-GSF, que estabeleceu procedimentos de apuração, fiscalização e arrecadação do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCD, cujo lançamento é operado na modalidade “por declaração”, conforme preconizado pelo artigo 147 do CTN, onde o sujeito passivo possui obrigação de prestar à autoridade administrativa informações sobre a matéria fática, indispensáveis para a constituição do crédito tributário .
A referida instrução prevê que o procedimento administrativo que tende verificar a ocorrência do fato gerador do ITCD tem início com a apresentação pelo contribuinte do documento denominado DITCD (Declaração do ITCD), sendo finalizado com a emissão do documento denominado DCITCD (Demonstrativo de Cálculo do ITCD) onde o “servidor responsável” executa as tarefas elencadas no art. 142 do CTN, quais sejam: “[...] verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível”.
Não obstante a I.N. n. 1.191/14-GSF atribuir as tarefas elencadas pelo CTN a um “servidor responsável”, o regulamento não autoriza - e nem poderia autorizar - que servidor estranho à carreira do fisco estadual proceda a constituição do respectivo crédito, sob pena de malograr o comando também existente no art. 142 do CTN que logo em seu início é claro em elucidar que: “compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a [...]”.
Isso porque o DCITCD se trata de documento que integra o procedimento administrativo mencionado no art. 142 do CTN, onde a autoridade tributária finaliza a atividade privativa de lançar o imposto na modalidade “por declaração”, constituindo regularmente o respectivo crédito tributário em razão da identificação dos elementos constitutivos do ITCD.
Todavia, com plena aquiescência da administração fazendária, há tempos não é a autoridade fiscal designada em lei que regularmente apura e lança os créditos tributários relativos ao ITCD, mas sim servidores administrativos, comissionados, conveniados e até mesmo terceirizados.  
Levantamento realizado de forma aleatória em diversos procedimentos judiciais, findos e tramitação, comprovam a ilegalidade noticiada. A maioria dos procedimentos administrativos pesquisados que constituíram o respectivo crédito tributário, consubstanciados nos denominados “Demonstrativos de Cálculos do ITCD – DCITCD”, são integralmente elaborados e assinados por servidores e agentes públicos estranhos à carreira do fisco goiano, os únicos com competência legal para o ato.
Relacionamos abaixo pequena amostra de Demonstrativos de Cálculos do ITCD – DCITCD que materializam a irregularidade narrada, bastando para cessá-los clicar no respectivo número com o link de acesso, a saber:
        Lançamento – Demonstrativo de Cálculo do ITCD Causa Mortis n. 0182-2017 URU, extraído dos autos judiciais 5226019.84, onde o servidor ocupante do cargo de gestor público, Francisco Sinval de Carvalho - MB. 182762.6, exerce competência privativa da autoridade administrativa tributária ao lançar crédito tributário nos moldes do art. 142 do CTN;
        Lançamento – Demonstrativo de Cálculo do ITCD Causa Mortis n. 1922-2018 GOI, extraído dos autos judiciais 381344.33, onde o servidor ocupante do cargo de analista de políticas de assistência social, Emiliano Rivello Alves - MB. 705557.9, exerce competência privativa da autoridade administrativa tributária ao lançar crédito tributário nos moldes do art. 142 do CTN;
        Lançamento – Demonstrativo de Cálculo do ITCD Causa Mortis n. 4305-2018 GOI, extraído dos autos judiciais 5288000.33, onde o servidor comissionado, Aparecida da Conceição Pinto – MB 1179429.1, exerce competência privativa da autoridade administrativa tributária ao lançar crédito tributário nos moldes do art. 142 do CTN;
        Lançamento – Demonstrativo de Cálculo do ITCD Causa Mortis n. 4676-2019 GOI, extraído dos autos judiciais 5316493.45, onde o servidor ocupante do cargo de analista de transportes e obras, Moacir Cícero de Sá Junior – MB 57631.0, exerce competência privativa da autoridade administrativa tributária ao lançar crédito tributário nos moldes do art. 142 do CTN;
        Lançamento – Demonstrativos de Cálculo do ITCD Causa Mortis números: 0502-2019 FOR, 0504-2019 FOR, 0506-2019 FOR, 0508-2019 FOR e 0528-2019 FOR; extraídos dos autos judiciais 0326578.75, onde o servidor conveniado da Prefeitura de Formosa, Paulo Henrique de Sousa e silva – MB 1555416.3,  exerce atribuição privativa da autoridade administrativa tributária ao lançar crédito tributário nos moldes do art. 142 do CTN;
        Lançamento – Demonstrativos de Cálculo do ITCD Causa Mortis n. 0016-2018 LUZ; extraídos dos autos judiciais 5362099.70, onde o servidor  ocupante do cargo de técnico em gestão pública, Aracelly Pereira Maurício – MB 704039.3,  exerce competência privativa da autoridade administrativa tributária ao lançar crédito tributário nos moldes do art. 142 do CTN;
Constatou-se ainda que agentes incompetentes e ilegítimos para o respectivo ato também concedem a isenção do ITCD em total afronta ao  art. 179 do CTN, que atribui tal tarefa a autoridade administrativa mediante verificação individual da prova que cada interessado faz do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei para sua concessão, a saber:
           Isenção – Demonstrativo de Cálculo do ITCD Causa Mortis n. 3743-2017 GOI, extraído dos autos judiciais 5288875.33, onde a servidora terceirizada (pro-cerrado) ocupante do cargo de digitadora, Jucimara Santos, MB. 67635.7, exerce atribuição privativa da autoridade administrativa tributária ao conceder isenção tributária nos termos do art.179 do CTN;
           Isenção – Demonstrativo de Cálculo do ITCD Causa Mortis n. 4358-2019 GOI, extraído dos autos judiciais 0190154.55, onde o servidor técnico administrativo, Paulo Roberto Felix Machado - MB. 153161.1, exerce atribuição privativa da autoridade administrativa tributária ao conceder isenção tributária nos termos do art.179 do CTN;
Ocorre que tanto o lançamento tributário quanto a concessão de isenção em caráter não geral tratam-se de atos administrativos decorrentes da atividade privativa da autoridade tributária competente, que objetiva a formalização de crédito ou dispensa de pagamento de uma obrigação previamente existente. Sem a observância dessa competência privativa tais atos se tornam nulos ou anuláveis por ilegalidade ou abusividade na sua constituição.
A instituição, a arrecadação e a cobrança de tributos não podem se subsumir à livre vontade do administrador, como no caso concreto em que tolera deliberadamente lançamentos do ITCD realizados por agentes incompetentes, ignorando assim o comando constitucional que obriga o gestor público a manter uma Administração Tributária eficiente, cuja negligência na arrecadação tributária pode ser considerada ato de improbidade.
Para se ter ideia, no ano de 2018 o ITCD arrecadou R$ 391 milhões, e em 2019 teve diminuída sua participação na arrecadação em cerca de R$ 80 milhões, queda essa que não duvidamos estar relacionada ao tratamento leniente que a pasta fazendária dispensa a essa importante fonte de receita pública.
               Tanto é que foi a única espécie tributária que apresentou decréscimo no referido período, 20% menor, a saber:

O preocupante é que boa parte dos R$ 700 milhões arrecadados através do ITCD nos anos de 2018/2019 foram efetuados através de lançamentos contendo o vício da incompetência funcional que aqui se noticia, circunstância que abre caminho para questionamentos judiciais buscando a restituição do pagamento do crédito constituído em desacordo com a legislação pertinente, com grave prejuízo ao erário.

Caso não sejam tomadas providências rápidas, firmes e retas para corrigir esse lamentável e equivocado tratamento que a administração fazendária goiana dispensa ao ITCD, com o perdão do trocadilho, vamos acabar "matando" o nosso imposto causa mortis.

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Cessão de créditos do ICMS é fato gerador do ITCD?


A CPI dos Incentivos Fiscais em curso na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás trouxe à tona uma prática nefasta perpetrada por grandes empresas: a venda à terceiros de créditos do ICMS (outorgado ou moeda) recebidos do Estado como incentivo fiscal.

Segundo o que se levantou até agora trata-se de um “negócio das arábias” para as pessoas envolvidas nessas transações, na medida em que uma recebe gratuitamente do Estado, por exemplo, R$ 1 milhão em créditos do ICMS, para depois cedê-los a outra empresa em troca do pagamento de 50%, em média, do valor de face dos créditos cedidos.

Abstraindo-se da imoralidade desse tipo de negócio, pomos o seguinte questionamento: a parte dos créditos do ICMS cedidos gratuitamente - os outros 50% - constitui fato gerador do imposto estadual sobre causa mortis e doações - ITCD?

A regra matriz de incidência dessa espécie tributária responde que sim.

O artigo 155, I da CF prescreve que a transmissão causa mortis, bem como a doação de qualquer bem ou direito, constitui o núcleo do ITCD. No caso em questão o critério material da regra matriz é a doação (transmissão não onerosa) entre pessoas vivas de quaisquer bens ou direitos.

Nessa senda, dúvidas não restam que o crédito do ICMS se trata de um direito do contribuinte registrado no ativo circulante de seus tomos comerciais, sendo assim a cessão não onerosa desse direito, parcial ou total, configura fato imponível do ITCD.

Uma vez esclarecida a ocorrência do fato gerador do ITCD nas transferências não onerosas de direitos creditórios relativos ao ICMS, surge um segundo questionamento: esse imposto foi pago ou cobrado nas milionárias transações de compra e venda do ICMS com “deságio” realizadas em Goiás?

Não se têm notícias de que isso tenha ocorrido.

Assim sendo, em cálculo grosso e levando em consideração os últimos 5 anos à uma alíquota entre 4% e 8%, Goiás tem a recuperar mais de R$ 100 milhões em ITCD sobre o total de transferências não onerosas de ICMS entre contribuintes goianos.

  A fiscalização dessa possível omissão também pode ajudar a esclarecer se o negócio jurídico da cessão foi registrado e contabilizado pelo cedente e cessionário com os valores reais da transação, caso contrário, é caixa 2, e o caso passa a também ter interesse penal. 

Fica a dica.