lista

  • Por que protegemos um sistema que nos fere?

Páginas

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

“Derrapada” jurídica que custou R$ 180 milhões a Goiás


Em 2006 o contribuinte goiano popularmente conhecido pelo nome de Arroz Cristal ingressou com ação declaratória sob o fundamento de que o benefício da redução de base de cálculo previsto na legislação goiana possui natureza jurídica diversa ao do benefício da isenção, fato que lhe autorizava a não estornar proporcionalmente os créditos do ICMS recebidos pela entrada da mercadoria, cujas saídas forem contempladas pela redução de base de cálculo.

O fundamento jurídico do pedido declaratório intentado pelo contribuinte foi arrimado única e exclusivamente na pretensa ofensa ao art. 155 da Constituição Federal pelo art. 58 Decreto estadual n. 4.852/97.

Ao contrário de centenas de outras ações espalhadas pelo país com a mesma tese, inclusive de contribuintes goianos, o Arroz Cristal obteve êxito na prestação jurisdicional invocada, e segundo consta já compensou R$ 80 milhões do ICMS devido ao Estado de Goiás, ainda restando outros R$ 100 milhões a compensar em razão dos créditos estornados conforme determinava a legislação tributária goiana, que, aliás, continua valendo para os demais contribuintes.

Porém, analisando os autos do processo em questão extrai-se que o resultado destoante das demais ações no mesmo sentido é resultado do descuido na defesa do Estado, especialmente na fase recursal.

 declaratóriaNão obstante o magistrado de 1º grau dar procedência ao pedido, sua sentença foi publicada com gritantes defeitos que poderiam ser facilmente corrigidos em grau de recurso.

Um dos defeitos que deixaram de ser questionados pelo Estado em grau de apelação foi o fato de o contribuinte ter atravessado petição às vésperas da sentença, onde modificou substancialmente a causa de pedir da ação declaratória em razão do recente trânsito em julgado no STF do RE 174.478/SP, que jogou por terra o argumento de que redução de BC e isenção são institutos jurídicos distintos.

Vendo seu fundamento jurídico inicial pisoteado pelo STF, modificou-o completamente, argumentando que na verdade seu pedido tinha por fundamento o permissivo contido no Convênio ICMS 128/94, requerendo que a sentença fosse fundamentada na contrariedade do referido convênio pelo Dec. 4.852/97, sendo integralmente atendido pelo magistrado singelo que sentenciou exatamente nesse sentido, sem, contudo, dar oportunidade ao Estado de refutar a inovação na causa de pedir.

Tal fato processual afrontou dois princípios processuais fundamentais que poderiam levar à cassação da sentença. Um foi a inobservância da estabilização objetiva da demanda, que veda a alteração da causa de pedir após o saneamento do feito. Outro é do contraditório, onde somente os argumentos e fundamentos submetidos à manifestação precedente das partes podem ser aplicados pelo julgador, devendo este intimar os interessados para que se pronunciem previamente sobre questão não debatida que pode eventualmente ser objeto de deliberação judicial.

 Linha do tempo
Clique na imagem para acessar a linha do tempo
Verifica-se que a peça de apelação do Estado não fez a mais pálida menção dessas preliminares, limitando-se a encampar e rebater a tese lançada na sentença que afasta a aplicação do Dec. 4.852/97, amparando-se no Convênio ICMS 128/94, que sozinho autorizaria de forma automática a apropriação integral de créditos do ICMS de entrada de mercadorias posteriormente vendidas com redução de BC.

Outro erro determinante na derrota judicial do Estado foi a manobra processual efetuada pelo contribuinte e não identificada pelo Estado logo após a confirmação da sentença em acórdão do TJGO, onde o contribuinte ciente de que o Convênio ICMS 128/94, sozinho, não lhe garantia o direito ao creditamento integral do ICMS, e já vislumbrando uma provável reforma da decisão local nos tribunais superiores, agravou a decisão do TJGO com outra inovação, alegado dessa vez omissão no acórdão agravado quanto a aplicação da Lei 13.453/99, que curiosamente só foi citada no processo nesse momento processual. O Estado, por sua vez, não agravou a decisão do TJGO.

A manobra surtiu efeito e mesmo sendo o agravo rejeitado pelo TJGO,  deixou registrado em seu teor que o voto questionado foi claro em dispor que: ... a Lei Estadual n. 13.453/97 autoriza a redução de base de cálculo com a manutenção do crédito..., afirmação essa em total descompasso com o teor do acórdão agravado, que não faz menção alguma sobre a referida lei, tampouco o citado diploma autoriza o não estorno dos créditos do ICMS nas saídas de mercadorias com redução de base de cálculo.

Contribuintes goianos que tentaram a mesma tese no Judiciário, sem sucesso
Assim, o Estado apresenta recurso ao STF ignorando o fato de que os embargos opostos pelo contribuinte acabaram inovando a decisão do tribunal local, que confirmou equivocadamente que a Lei estadual n. 13.453/97 concedida autorização. Se tal circunstância fosse prequestionada, além do R.E., caberia Resp. ao STJ, com grande possibilidade de êxito.

Com um recurso que na prática versava tão somente sobre a impertinência da autorização automática de estorno conferida pelo Convênio ICMS 128/94, numa lacônica decisão monocrática, confirmada pelos agravos que se seguiram, o Min. Gilmar Mendes negou provimento ao recurso do Estado de Goiás, concordando que o referido convênio realmente traz apenas uma faculdade ao ente tributante, porém consignando que o TJ de origem teria afirmado em acórdão a existência de lei local (13.453/97) que autoriza o não estorno do ICMS, não cabendo ao STF adentrar na seara infraconstitucional, tarefa dos tribunais inferiores.

Com o trânsito em julgado da ação o contribuinte requereu da pasta fazendária o aproveitamento dos créditos não estornados, na ordem de R$ 180 milhões, já tendo abatido perto da metade desse valor no ICMS que deveria recolher ao Estado de Goiás.

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Governador Caiado revoga decreto do Sigilo


Deve ser publicado hoje (26) em suplemento do diário oficial decreto governamental revogando dispositivo do Dec. estadual n. 9.488/2019, que dava acesso amplo e irrestrito à Procuradoria Geral do Estado (PGE) em relação a informações econômico-fiscais e econômico-financeiras de contribuintes goianos, circunstância que aniquilava qualquer forma de controle do sigilo legal que se encontra a cargo de servidores de carreiras específicas da Administração Tributária.

Apesar dos desencontros nos mais de 100 dias que vigorou, finalmente o Governador Ronaldo Caiado cumpriu com o seu compromisso de revogar a norma. O dispositivo já se encontrava suspenso por decisão judicial em mandado de segurança impetrado pelo SINDIFISCO/GO, que com a revogação deve perder o objeto.

Atualização: Decreto publicado no
suplemento de hoje (26), às 14hs.
A invalidação do dispositivo é uma das pautas da mobilização da categoria de auditores-fiscais que começa hoje, sendo que a principal reivindicação da categoria é a proibição da cobrança de honorários e encargos legais em dividas e acordos realizados no âmbito administrativo, ou em caso de cobrança, seja o valor integralmente revertido aos cofres públicos.

Atualmente esses honorários e encargos são repartidos entre os advogados públicos encarregados da cobrança.

Ao Estado o que é do Estado


Em relação à nota pública da APEG intitulada: “Em retaliação aos Procuradores, Fisco estadual prejudica recuperação de créditos”, o SINDIFISCO/GO tem a esclarecer o seguinte:
Os honorários devidos ao advogado público conforme dicção literal do novo CPC (§ 19, art. 85) resumem-se tão somente à espécie sucumbencial, assim entendida como verba decorrente da condenação judicial da parte vencida (sucumbente), fixando o juiz ao final da sentença o percentual apropriado de honorários devidos ao advogado da parte vencedora, que pode cobrá-los nos próprios autos judiciais.
 Porém, o Estado de Goiás seguindo a orientação da PGE foi muito além do permitido pelo código adjetivo civil e legislou sobre assunto que compete exclusivamente à União (direito civil e processual), logrando êxito em confundir os honorários de sucumbência previstos no CPC com espécie de comissão/corretagem incidente sobre cobranças e transações extrajudiciais que o Estado realiza, cujo produto da arrecadação é repartido entre os encarregados da cobrança ou acordo, com especial deferência aos membros da PGE.
Assim, uma imoral “taxa” de intermediação no percentual mínimo de 10% é acrescida ao acordo extrajudicial que põe fim a dívida ou litígio, para em seguida ser repartida entre servidores que já são regiamente remunerados pelo ente público, e cujos recursos materiais e logísticos despendidos na realização do “negócio” também são integralmente custeados pelo erário.
Observamos que nos últimos anos a legislação goiana que trata da cobrança de créditos públicos e transações no âmbito administrativo vem sendo reiteradamente editada e alterada no  sentido de reforçar e blindar essa forma de remuneração extra à procuradores, a exemplo do PL 2019005866 atualmente em trâmite na ALEGO que Introduz alterações na lei n° 20.233/18, repassando toda a dívida ativa de créditos não tributários à PGE, que terá liberdade de cobrar do contribuinte mais 10% pelo serviço público de intermediação de acordos extrajudiciais nos resgates desses créditos, a despeito desse serviço ser realizado sem nenhum ônus ao cidadão pela pasta da Economia.
Ademais disso, encontram-se em pleno vigor várias leis estaduais nesse mesmo sentido, onde o governo goiano editou/alterou a legislação por orientação da PGE, garantindo o recebimento de honorários e encargos legais em cobranças e acordos realizados em várias esferas administrativas,  como por exemplo a Lei  n. 17.790/2012 (Detran), Lei n. 20.233/2018 (Procon e Secima), LC 144/2018 (conciliação e arbitragem), com especial destaque à LC 58 que versa sobre a organização da PGE, que nesse ponto específico é alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade junto ao STF (ADI 6129)
O fato é que o avanço dos honorários sobre resoluções de litígios extrajudiciais do Estado vem causando distorções nas ações e metas da administração pública, pois toda a estratégia e esforço empregados pelos beneficiários desta modalidade de remuneração é no sentido de consolidar e otimizar cada vez mais os respectivos  ganhos, independentemente se os caminhos escolhidos atendem ou não o interesse público.
A busca cega por honorários vem privilegiando uma minúscula parcela de servidores que se utilizam de toda a estrutura estatal, mais o esforço e empenho de uma miríade de outros servidores dedicados à recuperação de créditos públicos para turbinar mais ainda seus rendimentos, através de distorções deliberadamente introduzidas na legislação estadual sob orientação da categoria de beneficiários
O CIRA - Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos é um exemplo da utilização da máquina pública em busca de honorários. Formado por servidores da Economia, Polícia e Ministério Público, no ano passado teve toda sua carga voltada para forçar um grande devedor do Estado a realizar, segundo a própria PGE anunciou: o maior acordo extrajudicial da história. Porém, a PGE não teve coragem de tornar público os cerca de R$ 25 milhões em honorários que garantiu a seus membros durante a vigência do acordo realizado, que serão repartidos entre pouco mais de 150 procuradores ativos e inativos.
Outro ponto que a categoria de Auditores-fiscais decidiu tirar das trevas é o injustificável fato do exercício da advocacia privada por parte de procuradores, muitos deles vinculados a escritórios que patrocinam causas milionárias contra o Estado de Goiás. Tal circunstância é tão absurda que dispensa maiores comentários sobre a carga de imoralidade que carrega.
Doutra banda, a PGE mira na verba indenizatória (VI) do Fisco como forma de dissipar a luz que estamos lançando sobre dezenas de incongruências que fomentaram em proveito próprio na condição de orientador jurídico do Estado, esquecendo-se que ela própria ajudou a ex-secretária Ana Carla Abrão a conceber tal verba em troca do recebimento de R$ 18 milhões em “diferenças” de honorários pagos pelo erário, cujo MP cobra o ressarcimento integral através da ACP 5141280.25.2019.8.09.0051.
Recentemente (agosto/2019) a PGE ratificou essa modalidade de “indenização” ao aviar a mensagem que o governo enviou à Assembleia originando a Lei n. 20.555/2019, que instituiu no âmbito da Secretaria da Economia o programa de auxílio-alimentação e hospedagem dos servidores administrativos da pasta, verba inspirada e recebida nos mesmos moldes que o Fisco.
Assim, quando a PGE ameaça a verba indenizatório do Fisco ameaça também outros 1500 servidores da Economia, incluídos a própria Secretária e seus Subsecretários, a despeito de, por duas vezes, ter perdido a oportunidade de orientar previamente o Estado contra a “ilegalidade” que agora vem denunciando nos meios de comunicação. Tal contradição não nos surpreende, é só a PGE sendo a PGE.
Sobre arrecadação tributária e o combate à sonegação convém ressaltar que, no mundo inteiro e há vários séculos, cabe aos servidores da Administração Tributária capitanear essa essencial missão. Em Goiás isso não é diferente.
Caso reste alguma dúvida sobre essa assertiva basta conferir os excepcionais números da arrecadação estadual nos últimos 12 meses e quem está à frente do controle e fiscalização dessa arrecadação.
Por todo exposto, voltamos a ratificar o óbvio: qualquer acréscimo à dívida do cidadão contribuinte resgatada extrajudicialmente, caso devido, deve ser integralmente revertido aos cofres públicos.
Parte de nossa luta é para que o óbvio se torne realidade em Goiás.

DIRETORIA DO SINDIFISCO/GO (26/11/2019)
           

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Fisco propõe fim da cobrança de honorários administrativos

Em assembleia geral realizada na tarde de ontem (13) os Auditores-fiscais do Estado de Goiás decidiram reivindicar ao governo estadual a proposição de emenda à Constituição que isenta o cidadão ou reverte ao tesouro estadual qualquer cobrança de honorários e encargos legais negociados extrajudicialmente.


A cobrança de honorários e encargos legais no âmbito administrativo é prevista por diversas leis estaduais, encontrando-se já efetivada no Detran, SECIMA e Procon, possuindo ainda projeto de lei em tramitação na Assembleia Legislativa que prevê sua extensão a todos os órgãos do Estado. 


O produto da cobrança de honorários e encargos legais são repartidos entre os servidores envolvidos na cobrança, com especial deferência aos advogados públicos vinculados à Procuradoria Geral do Estado - PGE, que é a mentora e promotora dessa modalidade de cobrança mais onerosa ao cidadão.


O SINDIFISCO/GO entende ser inconcebível onerar o cidadão com o fim de remunerar diretamente o servidor público encarregado de negociar, transacionar e cobrar extrajudicialmente créditos devidos ao Estado, em vista de todo o custo envolvido em tais funções ser suportado pela própria administração pública, que arca com todo o suporte físico, logístico e humano necessários ao desempenho da atividade, sendo todos os servidores envolvidos possuidores de vínculo empregatício regular com o Estado e regiamente remunerados pelos cofres públicos.

Até mesmo os honorários pagos a advogados públicos na forma tradicional (sucumbência judicial) têm a constitucionalidade questionada em diversas ADI's junto ao STF. O que dizer então da inovação legislativa dos honorários administrativos - instituída por lei local - beneficiando uma classe específica de servidores por exercício de uma atribuição ordinária de seus cargos, a pretexto da recuperação extrajudicial de receitas inscritas em dívida ativa?

Torna-se mais controversa ainda a prática de cobrar honorários administrativos ante a circunstância de o Estado, através da Secretaria de Economia, oferecer o serviço de cobrança de créditos tributários e não tributários de forma descentralizada e automatizada, sem acrescer nenhum ônus extra ao contribuinte devedor do Estado.

Os servidores do fisco acreditam que a emenda proposta não encontrará maiores óbices para aprovação do legislativo goiano, já que impor ônus extra ao contribuinte com a finalidade de premiar financeiramente servidores públicos que já são regularmente remunerados pelo Estado se mostra insustentável do ponto de vista moral e legal.

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

O que ganhamos com isenções fiscais a empresas?

O gasto tributário é o dinheiro que os governos abrem mão de receber em impostos. Renúncia fiscal para empresas com a expectativa de ter retornos positivos para a atividade econômica e para a vida das pessoas. No Brasil, isso chega a US$ 70 bilhões. O problema é que não sabemos quem recebe essas isenções, quanto custa cada benefício e quais são seus resultados.

O podcast “É da sua conta[1] explica o que são os gastos tributários e questiona a falta de transparência dessa política: quem são os beneficiários? As promessas de benefícios para a sociedade realmente são cumpridas?

Também mostra que os gastos tributários podem prejudicar os serviços públicos e fala de sua relação com a atual política econômica baseada na austeridade fiscal.

Confira no Podcast abaixo:

  • O que são gastos tributários.
  • Os incentivos fiscais dados às empresas que fabricam e comercializam agrotóxicos, diferente de produtos livres de agrotóxicos e da agricultura familiar, que pagam impostos. 
  • A política de gastos tributários, com Leonardo Albernaz, auditor do Tribunal de Contas da União e Nelson Barbosa, professor de economia da Universidade de Brasília (UnB) e da Fundação Getulio Vargas (FGV), de São Paulo.
  • A importância da transparência aos gastos tributários, com a assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Livi Gerbase, e Paolo de Renzio, pesquisador do International Budget Partnership (IBP).
  • Um exemplo do que ocorre com a Kenmare, mineradora que atua em Moçambique quase sem pagar impostos, com Inocência Mapisse, pesquisadora e economista do Centro de Integridade Pública do país africano.
  • Nick Shaxson, da Tax Justice Network, apresenta um estudo que compara gastos tributários em países africanos e europeus.
  • Os gastos tributários e a atual política de austeridade fiscal conduzida pelo governo brasileiro.
  • Revisar e reduzir os gastos tributários para poder ampliar o orçamento público desponta como uma boa alternativa socioeconômica para os países, com destaque aos que estão sob políticas de austeridade fiscal.




[1] *É da sua conta (www.edasuaconta.com) é o podcast mensal em português da Tax Justice Network com produção de Daniela Stefano, Grazielle David e Luciano Máximo e coordenação de Naomi Fowler