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segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Auditoria da Dívida de Goiás pode salvar as contas do Estado


Maria Lucia Fattorelli
            
       O Estado de Goiás é o 9o mais rico do Brasil. No entanto, a situação fiscal encontrada pelo atual governador Ronaldo Caiado, conforme matéria publicada pelo jornal Valor Econômico (10/01/2019), é de penúria, a ponto de comprometer o pagamento de servidores e fornecedores, além de afetar a manutenção dos serviços básicos de saúde e educação.

          Ademais das irregularidades cometidas por seu antecessor, também comentadas em outro ponto da mesma matéria, o aspecto mais relevante da crise fiscal do Estado de Goiás tem sido a sangria provocada pela chamada dívida pública; história que se repete na maioria dos estados brasileiros, porque foi programado para ser assim.

             No final da década de 90, todos os estados se encontravam em situação fiscal complicada, porque sofreram o impacto da insana política monetária praticada pelo Banco Central, que praticou taxas de juros tão elevadas, de até cerca de 50% “para controlar inflação” (sic), provocando um incremento brutal das obrigações de todos os estados.

         Essa dívida inflada foi somada ao passivo dos respectivos bancos estaduais e o montante foi refinanciado pela União em condições onerosíssimas!

             No caso de Goiás, o valor da dívida era de R$1,175 bilhão em 1998, mas o valor total refinanciado foi de R$1,777 bilhão, devido ao passivo do Banco do Estado de Goiás (BEG) que foi transformado em “dívida pública”, conforme dados fornecidos pelo Ministério da Fazenda à CPI da Dívida Pública concluída na Câmara dos Deputados em 2010: 


Esse montante passou a ser atualizado mensalmente, de forma  Cumulativa, pelo IGP-DI (índice que engloba variação cambial e expectativas de inflação que sequer se verificam) e, ainda por cima, juros de 6% ao ano, de tal forma que o juro nominal resultante foi um dos mais elevados do planeta, apesar de se tratar de empréstimo sem risco algum, pois se o Estado não paga, a União retém o Fundo de Participação do Estado!
             Para se ter uma ideia do impacto dessa remuneração extorsiva cobrada pela União, no período de 1999 a 2017 a sua variação foi de 1.379% (um mil, trezentos e setenta e nove por cento), frente à inflação de 237% (duzentos e trinta e sete por cento no mesmo período!

            Além da remuneração excessiva, o Estado de Goiás ficou obrigado a destinar um percentual de no máximo 15% de sua Receita Corrente Líquida para o pagamento da dívida refinanciada pela União, de tal forma que, em vários períodos, ainda que desejasse, o Estado não poderia pagar todo o montante dos juros nominais.

            Essa foi a estratégia para turbinar o crescimento do estoque da dívida de forma exponencial: os juros se incorporavam ao total da dívida e também passavam a ser submetidos, mensalmente, à extorsiva remuneração de IGP-DI + 6%.   
          
       Aquela dívida de R$1,777 bilhão alcançou quase R$9 bilhões em outubro/2018, ou seja, multiplicou-se por mais de 5 vezes, como mostram os dados publicados pelo Banco Central, apesar de o Estado de Goiás ter pago R$  5,575 bilhões (mais de 3 vezes o valor refinanciado) à União de 1998 até 2017[1]:




           

           Ou seja, depois de pagar várias vezes o valor refinanciado e de entregar o seu banco estatal (BEG); privatizar inúmeras empresas públicas estratégicas e lucrativas, e acumular perdas com a Lei Kandir (isenção de ICMS sobre o setor primário-exportador que somou R$ 9,189 bilhões de 1997 a 2016[2]), a dívida alcança cifra insustentável!


         Estudos realizados pela Auditoria Cidadã da Dívida em outros estados revelaram erro no cálculo dos juros cobrados pela União, que aplicou cumulativamente 0,5% a cada mês, chegando na realidade a uma taxa de 6,17% ao ano e não 6% como autorizado legalmente. 

         Houve também flagrante desrespeito ao Federalismo sob vários aspectos, em especial devido à ilegítima subtração de recursos em decorrência do ônus excessivo imposto pela União. Em 2010, por exemplo, entes federados pagaram cerca de 20% de remuneração à União, enquanto no mesmo ano esta emprestou aos Estados Unidos da América do Norte a taxa inferior a 1% e o BNDES emprestou a empresas privadas a taxas inferiores a 5% ao ano.

           A cobrança de juros sobre juros configura anatocismo, ilegal conforme súmula 121 do STF, que assim se pronunciou: “É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”. É proibida também pela Lei da Usura (Decreto nº 22.626/1933), vigente.

                 Outras ilegalidades têm sido comprovadas, tais como a ausência de conciliação de cifras (alguém teve acesso à dívida anterior, que foi refinanciada pela União? ou à natureza do passivo do BEG que virou dívida pública?); a exigência de robustas garantias (transferências constitucionais obrigatórias devidas pela União); o enorme desequilíbrio entre as partes (Estados haviam sido impedidos de acessar outros créditos com entidades federais pelo Decreto nº 2.372/97 e foram forçados a aderir às condições da Lei 9.496/97); a desconsideração do baixo valor de mercado dos títulos estaduais (tendo refinanciado tais dívidas a 100% de seu valor nominal); a assunção de dívidas privadas representadas por passivo de bancos estaduais no esquema PROES; desconsideração dos antecedentes (co-responsabilidade da União em relação ao crescimento astronômico da dívida dos Estados antes da negociação); a ausência de cláusula do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, entre outras.

              Por tudo isso é que afirmamos, sem sobra de dúvida, que as condições abusivas impostas pela União aos Estados precisam ser revistas desde a origem do processo.

    A ferramenta hábil para realizar essa revisão geral é a auditoria, procedimento que é realizado em base a provas e documentos, e que deve ser feita com participação cidadã.

               Enquanto não se realizar a necessária auditoria dessa chamada dívida e o consequente recálculo desde a sua origem, com juros simples, tal como entendimento exarado em liminares já concedidas pelo STF, a situação do Estado tende a se agravar cada vez mais e, encurralado, corre o risco de cair na armadilha da nova modalidade de geração de dívida ainda mais onerosa e perversa sob a denominação de “Securitização de Créditos Públicos”[3], que o então Senador Ronaldo Caiado questionou fortemente no Senado em 2016.


sábado, 8 de dezembro de 2018

Photoshop contábil


Prestar contas no exclusivo interesse de satisfazer a própria expectativa, sem, contudo, afetar a credibilidade dos números apresentados, é tarefa inglória. Não à toa a criatividade na contabilização de receitas e despesas quase sempre leva a alguma fraude ou “pedalada” fiscal.
O criacionismo contábil tem por premissa a esquiva do principal objetivo da contabilidade, que é o de fielmente registrar a situação patrimonial e fiscal da entidade. Assim, à luz da ética e da moral, a contabilidade criativa caminha na escuridão, pois, é cega diante princípios elementares da ciência contábil.
A maquiagem de contas contribuiu decisivamente na consolidação do atual quadro de penúria financeira vivenciada pelos estados. A real gravidade do desiquilíbrio entre receita e despesa foi solapada durante anos, graças à boa tolerância que os órgãos de fiscalização e controle têm com a metodologia contábil personalizada utilizada por uma boa parte dos entes públicos, justamente os que, hoje, encontram-se em colapso.
A Secretaria do Tesouro Nacional (STN) há muito vem acusando a prática da contabilidade criativa e a leniência dos órgãos de controle em relação a essa. Um dos apontamentos do STN revela que no ano de 2017 a maioria dos estados se enquadraram artificialmente em limites prudenciais da lei de responsabilidade fiscal, através da contabilização de percentuais menores de comprometimento da receita corrente líquida (RCL) com a respectiva folha de pagamento.
Goiás, por exemplo, é citado com um furo em torno de 20% em relação ao que declarou. Não obstante a conclusão do STN de que tal diferença foi dissimulada pela contabilidade criativa, o pecado contábil não sofreu penitência ou sermão por parte do pleno do TCE.
Apenas para ilustrar, no final de 2017 a França editou norma que obriga as agências de publicidade destacarem em suas propagandas o termo: “imagem retocada”, no caso da real aparência dos modelos fotográficos for alterada por softwares de edição de imagens. A iniciativa busca minimizar os males que a “ditadura da beleza” provoca no público feminino, perigosamente influenciado pelos perfeitos, porém irreais, corpos e rostos.
Traçando um paralelo com o exemplo europeu, sendo tolerado enfeitar o real resultado da situação patrimonial, fiscal e econômica da entidade, a sinceridade imposta à propaganda francesa é o bom exemplo a ser seguido pela contabilidade brasileira.
Imaginem só os registros contábeis patrimoniais e financeiros trazendo logo na sua abertura, o seguinte aviso: “Cuidado, contabilidade criativa”.
Dez/2018
Cláudio Modesto

Auditor-Fiscal e Diretor Jurídico do SINDIFISCO



terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Goiás, refém da própria política de incentivos fiscais

A política de incentivos fiscais de Goiás, iniciada na década de 80, teve grande importância para alavancar a economia goiana, porém, a falta de critérios e objetivos preestabelecidos nas concessões das benesses acabaram produzindo distorções que as deturparam, tornando algumas delas indefensáveis.

Hoje, até empresas varejistas possuem benefícios fiscais do ICMS em Goiás, algo, no mínimo, intrigante, já que tal segmento representa o fim da cadeia de consumo, onde todo o valor agregado ao produto durante os processos de industrialização, distribuição e comercialização, deveria sofrer a incidência integral desse tributo.

A política equivocada de incentivos fiscais em Goiás também produziu a nefasta cumulação de benefícios, onde empresas são agraciadas com o privilégio de recolherem apenas 27% do ICMS que normalmente apuram. Poucos sabem, porém, que em alguns casos esse percentual ainda sofre uma nova redução, em torno de 99%, por conta de outro benefício, o crédito outorgado.

Tal distorção produz uma alíquota efetiva inferior a 1% de ICMS sobre o valor do faturamento bruto da grande empresa, percentual este menor do que estão sujeitas às micro e pequenas empresas enquadradas no Simples Nacional, cujas alíquotas efetivas do ICMS vão de 1,25% a 3,95%, ou seja, em Goiás o pequeno empreendedor está pagando mais imposto do que o grande.

As desonerações fiscais desenfreadas provocaram outro efeito colateral, pois, para compensar a perda de receita com os benefícios concedidos, Goiás turbinou as alíquotas dos chamados blues chips do ICMS, representados pela energia elétrica, telefonia e combustíveis, que no final da década de 90 possuíam alíquotas que não ultrapassavam 17%, e, hoje, alcançam quase 30% de incidência desse imposto estadual.

Outro equívoco, talvez o mais deletério deles, é que nas últimas décadas o projeto goiano de desenvolvimento econômico foi baseado quase que integralmente na diversidade e agressividade do seu portfólio de incentivos e benefícios fiscais, sem grandes avanços com a infraestrutura de transporte, energia ou tecnologia; circunstâncias essas que colocam Goiás como refém da própria política de incentivos.

Essa captura é demonstrada pelas repetidas ameaças da classe empresarial beneficiária dos incentivos, que prometem abandonar Goiás caso os privilégios fiscais sejam revistos.

As ameaças de abandono trazem enrustidas mensagens contendo teor perturbador:  para eles, Goiás não representa ou oferece nada de razoável, além de sua exagerada política de incentivos fiscais. 

Torçamos para que isso não seja verdade, senão, esse sequestro vai demorar ter um fim!

Cláudio Modesto
Auditor-fiscal

terça-feira, 6 de novembro de 2018

Arrecadando falácias


As Administrações Tributárias (A.T.) dos estados, municípios e da União, são organismos estatais especializados em definir e controlar obrigações fiscais de seus cidadãos e corporações, cujas atribuições e competências de seus servidores concentram-se na ação de fiscalizar e arrecadar tributos, produzindo receita pública. No caso brasileiro, por força constitucional, tais tarefas são desempenhadas por servidores de carreiras específicas da A.T.
Em praticamente todo o mundo as A.T. e seus servidores possuem  competências,  atribuições e missão similares. Em Goiás isso não é diferente.
Daí, quando organizações ou servidores estranhos à A.T. propagam que são “responsáveis” pela arrecadação ou fiscalização de tributos, de qualquer espécie que seja, tal notícia deve ser recebida com forte reserva, pois, provavelmente está dissimulando um evento diferente, com intenção de invadir e apropriar-se das prerrogativas, competências e dos frutos do trabalho dos servidores da A.T., em especial do Auditor-Fiscal.
Foi exatamente essa circunstância que constatamos no dia de hoje (06/11/2018, terça-feira) ao lermos a coluna “Direito e Justiça” do jornal O Popular, onde se destaca: “PGE arrecada R$ 250 milhões no trimestre”, sugerindo que aquele órgão jurídico participa diretamente da arrecadação do ITCD, tendo recuperado R$ 200 milhões dessa espécie tributária entre agosto e outubro deste ano, além de outros R$ 50 milhões em execuções fiscais.
Para exemplificar a falácia dos números e fatos apresentados, transcrevemos no quadro abaixo toda a arrecadação do ITCD no período aludido pela PGE, observe:
       
Quadro posto, mesmo considerando todo o ITCD arrecadado em processos judiciais de partilha e inventário onde a PGE atuou por força de obrigação imposta pela lei processual civil, os R$ 200 milhões aventados mal passam de R$ 13 milhões, e, caso levado em conta somente o esforço da PGE, assim entendido como sendo o sucesso na expropriação de bens ou quitações efetuadas por meio de execuções fiscais promovidas pelo citado órgão, esse número não chega a R$ 1 milhão, ou menos de 0,5% do total arrecadado.
Aliás, considerando a lógica expendida pela PGE, no sentido de que a simples interveniência em processos de inventário e partilha produz arrecadação de tributos, teremos que tolerar outra falácia: os cartórios quando efetuam inventários e partilhas extrajudiciais também promovem a arrecadação direta do ITCD. A propósito, nesse sentido, os cartórios produziram no mesmo período uma arrecadação nove vezes maior, demonstrando muito mais eficiência que a PGE.
Esclarecemos que perto de 97% de toda arrecadação tributária estadual é fruto das rotinas adotadas pela A.T. no controle de obrigações fiscais principais e acessórias de seus contribuintes, que desencorajam a sonegação e incentivam o recolhimento espontâneo dos tributos devidos através de reprimendas legais previstas na legislação da espécie, dentre elas a inscrição em Cadin, declaração de devedor contumaz, desenquadramento, exclusão de parcelamentos, arrolamentos de bens e direitos, exclusão e cancelamento de benefícios ou incentivos fiscais, representação fiscal para fins penais, regime especial de fiscalização, dentre outras rotinas exclusivamente administrativas.
Os outros 3% restantes, oriundos de cobrança administrativa, judicial, acordos ou qualquer outra forma de recuperação de créditos,  também são frutos do trabalho do Auditor-Fiscal, pois foram originados da sua missão constitucional e privativa de constituir o crédito tributário, após verificar a ocorrência do fato gerador correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propondo a aplicação da penalidade cabível.
Há séculos, em qualquer lugar do mundo, foi o poder de polícia da Administração Tributária, conjugado com as prerrogativas e competências de seus servidores, que garantiram a arrecadação de tributos. Em Goiás isso não é diferente.  

Não acreditem em falácias.
Goiânia, 06 de novembro de 2018


quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Pingos no balde

No início do século passado nasceu a teoria do “trickle-down economics”, ou, em tradução livre, a teoria do gotejamento econômico.
De viés muito mais político do que econômico, a teoria defende que exonerações e incentivos fiscais concedidos pelo Estado aos ricos também beneficiam os pobres, pois, o excesso da prosperidade produzida pelos abastados, acaba escorrendo e penetrando nas camadas menos favorecidas da sociedade.
Utilizando de frases de efeito do tipo: “a maré sobe para todos os barcos”, os defensores da teoria do gotejamento transmitem ideia tão sedutora quanto enganosa; pois, nesse contexto, diferentemente dos ricos, os pobres não possuem barcos e mal sabem nadar.
O gotejamento econômico não passa de uma fantasiosa teoria para fazer crer que os mais pobres receberão oceanos de prosperidade por conta dos pingos que caem do topo da pirâmide social. É uma cruel piada!
Assim como a “Curva de Laffer”, a falácia do gotejamento é cortina que disfarça a real intenção de transferir riqueza para quem já é rico. Curiosamente, essa transferência é mais rápida quando operada em um sistema tributário com carga predominantemente regressiva, indireta e concentrada no consumo; como no caso brasileiro.
O Brasil, desde o descobrimento, sempre foi pródigo na concessão de benesses aos ricos, e, cinco séculos depois, ainda não se confirmou a propalada prosperidade que escorreria para os pobres com a pujança do andar de cima, que, aliás, sempre reclama por mais benefícios.
Hoje, o que os brasileiros pobres estão experimentando do trickle-down é o desmantelamento dos serviços públicos, em especial por conta do desequilíbrio fiscal que assola todos os estados e municípios do país.
O inacreditável é que, mesmo sabendo que esse mecanismo não goteja prosperidade aos pobres, e estando à beira da falência fiscal, o governo federal insiste em ajudar os ricos, anunciando favores fiscais na ordem de R$ 667 bilhões até 2020, gasto esse que pode chegar a R$ 1 trilhão, caso essa despesa seja somada à generosa renúncia fiscal que também é operada pelos demais entes da federação.
Mas isso não importa! O que importa é que desse oceano de renúncias fiscais em favor dos ricos, deve pingar alguma coisa - qualquer coisa que seja - no balde dos mais pobres.
Sempre pingou assim, e sempre foi o suficiente! Por que mudar então?
Claudio Modesto
Auditor-Fiscal e Diretor Jurídico do SINDIFISCO/GO