Em 22 anos de dedicação
exclusiva à Administração Tributária goiana já vivenciei muitos momentos difíceis.
Mas é a primeira vez que vejo o fisco estadual ser isolado como se isola um paciente
de Covid-19 em estado grave, só que no caso sem UTI ou respirador.
Os próprios
membros do governo goiano já assimilaram essa situação, tanto é que mesmo diante
de uma obviedade técnica e jurídica ignoram solenemente as prerrogativas e
competências da Administração Tributária estadual.
Mas eles não
fazem isso por mal, é que realmente existe um enorme vácuo criado pelos atuais gestores
da pasta da Economia, que desde a posse se dedicam basicamente ao corte de
gastos e à busca desesperada de socorro financeiro federal. Diferentemente da época em que a pasta era chamada de Fazenda, cuja tarefa elementar sempre foi a de
buscar recursos próprios, através da arrecadação tributária.
Hoje (16),
Pedro Sales, Presidente da Goinfra e Coordenador do Comitê Intersecretarial de
Enfrentamento ao COVID-19, em declaração ao jornal O Popular escancarou
sem sentir a situação de abandono e vácuo atualmente vivida pelo fisco estadual
ao explicar as funções do comitê que coordena.
Esclareceu o presidente
da Goinfra que nos processos de compras efetuadas emergencialmente pelo estado para
o combate à pandemia a verificação da higidez fiscal e cadastral do fornecedor
ficará a cargo - pasmem os senhores - da Secretaria de Segurança Pública, nos
exatos termos:
“A
SSP, através do seu serviço de inteligência, vai avaliar o CNPJ da empresa,
verificar quem são os sócios, ver se o capital é condizente com o volume de
recursos que envolve uma proposta e uma compra...”
Não é necessário esforço para concluir que a expertise da Segurança Pública não é essa. Conferir
o status cadastral e os sócios de um CNPJ qualquer cidadão faz através da
internet, mas as investigações cadastrais, fiscais e contábeis nesses casos vão muito além, e são especializadíssimas.
Fico imaginando,
por exemplo, como os colegas da segurança irão concluir se a capacidade econômico-financeira
de um contribuinte é condizente. Farão um “balanço patrimonial ajustado”?
Sabem por onde começar?
Mas entendo a
situação. A SSP está apenas ocupando o espaço ocioso existente nas competências da pasta da Economia, aberto pela indiferença que a equipe econômica de plantão faz do trabalho dos servidores da Administração
Tributária.
Só que isso deve custar muito caro ao Estado, e a conta está para chegar. Alguma coisa de cima para baixo precisa urgentemente ser feita, antes que seja trade demais.
Apostando todas
as fichas que tem (ou tinha) no socorro federal para recuperar o equilíbrio
fiscal de Goiás, a Secretária da Economia, Cristiane Schmidt, não demonstra
maiores sinais de preocupação com as outras atribuições da pasta da Economia.
O raciocínio da
equipe importada e montada por Schmidt é de que não estão convencidos que o auditor-fiscal influi na arrecadação, e mesmo considerando um rápido e importante incremento na receita
tributária, isso não resolveria o déficit fiscal de Goiás a curto/médio prazo.
Tais conclusões
foram o suficiente para que o carro-chefe da Economia tivesse sua prioridade e
importância relegadas.
Com esse deturpado
conceito de administração tributária o fisco goiano assistiu o esvaziamento de sua T.I. especializada. Também teve que lutar ferozmente para não perder o controle
do sigilo fiscal e da cobrança administrativa tributária.
A Receita ainda suporta a duras penas a cogente necessidade de recomposição de seus quadros, cuja defasagem somada
a crescente necessidade de deslocar auditores para serviços internos da pasta acabou
diminuindo consideravelmente o número de fiscais que labutavam na atividade
fim fazendária.
Com o moral
baixo e tendo que lidar com constantes ataques de outros órgãos, secretarias e categorias que almejam capturar atribuições e competências fazendárias que a própria titular da pasta não demonstra interesse em preservar, o fisco ainda assim manteve nesses últimos 15 meses uma arrecadação crescente.
Entretanto, o
descaso com a Receita Estadual começa a demonstrar seus estragos.
Comparando os
primeiros trimestres de 2018 a 2020, o número de autuações lavradas pelo fisco
estadual caiu de 7.375 autos para 4.832, uma queda na ordem de 34,5%.
Esses números
se referem apenas as autuações lavradas de forma presencial por
auditores-fiscais, excluídos aqueles lançamentos automáticos efetuados por
rotinas de T.I., como no caso do IPVA e do ICMS declarado e não recolhido, o que é uma outra excrescência fiscal que coloca em xeque a seriedade desses lançamentos “biônicos”.
Em valores, a
queda das ações fiscais promovidas pelo fisco é ainda mais expressiva. No primeiro trimestre de 2018 esses autos representaram mais de R$ 1 bilhão em sonegação fiscal
identificada e autuada. Já no mesmo período de 2020 as autuações alcançaram apenas R$ 555 milhões, uma queda de 46%, que considerada a inflação ultrapassa os 50%.
Os valores globais recuperados por meio de ações fiscais promovidas pelo fisco estadual
representam perto de R$ 1 bilhão ao ano de ingresso efetivo nos cofres púbicos, algo
em torno de 5% de toda a arrecadação tributária, orçada em cerca de R$ 20
bilhões anuais. Assim, com a tendência de 50% na queda de autuações fiscais serão R$ 500 milhões a menos nos cofres do estado.
Todavia, a
perspectiva de prejuízos é muito maior, uma vez que a função principal do fisco
não é a cobrança de tributos, e sim a de manter convicto o respectivo
contribuinte do seu dever de cumprir, a tempo e a termo, com suas obrigações
fiscais.
São as rotinas
executadas pelo fisco no controle de obrigações fiscais principais e acessórias
de seus contribuintes que desencorajam a sonegação e incentivam o recolhimento
espontâneo dos tributos devidos. Com a diminuição das ações fiscais a
espontaneidade tende naturalmente a minguar.
Uma vez
diminuída, a recuperação da percepção de risco perdida pelo contribuinte é
lenta e trabalhosa.
Manter em bom nível a qualidade e a quantidade da ação fiscal é o bê-á-bá de qualquer administração tributária
que a atual gestão da Economia teima em ignorar. Prova recente disso foi a publicação
no final do mês passado (25) da I.N. 1.458/2020-GSF que, pasmem, suspendeu justamente
o lançamento do crédito tributário (auto de infração) por conta da pandemia do
Covid-19. (vide artigo sobre a IN 1458 aqui)
Não se têm
notícias de ato semelhante por parte de qualquer outra administração tributária
do planeta. Mas como já consignado, para a Secretária da Economia isso não
importa. O importante mesmo é o socorro federal, que, a propósito, deve
finalmente chegar com a aprovação pela Câmara dos Deputados ontem (13) de uma ajuda na ordem de R$ 89,6 bilhões para estados e municípios.
É importante
consignar que o socorro federal não ocorrerá em razão da insistência de Schmidt
junto ao seu alter ego, Ministro Paulo Guedes, mas por (des)graça do
Covid-19. Mesmo assim, com isso, a principal missão da secretária em Goiás estará terminada.
Infelizmente restará
a conta da pandemia para os goianos pagarem, agravada pelo efeito nefasto do lamentável
e gratuito descaso que vem sofrendo a Receita Estadual.
Vamos demorar um
pouco mais que o necessário para superar os estragos da pandemia, uma vez que a arrecadação tributária não aceita desaforos. Preparemo-nos.
Na contramão da crise instalada pelo Covid-19, a comercialização das commodities de soja, carne, minerais e de outros produtos in natura, vão de “vento em popa” no Estado de Goiás. Matéria publicada no jornal O Popular na última terça (7)destaca a performance do setor agrícola e mineral do estado na comercialização dessas matérias primas no mês de março passado.
Não obstante a excelente performance em tempos de crise, Goiás é penalizado justamente por ser muito competitivo em commodities, isso porque tais produtos são na sua maioria exportados para outros países, e com o advento da Lei Kandir desde o ano de 1996 o estado produtor não recebe nenhum tributo por isso.
No início de 2019 o SINDIFISCO/GO encaminhou ao recém empossado governador Ronaldo Caiado uma série de medidas para o incremento da arrecadação tributária, dentre essas a criação de uma contribuição financeira sobre as commodities goianas, com vinculação a um fundo destinado a gastos com infraestrutura.
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A proposta dos servidores do fisco de taxar commodities deu-se em razão da vocação goiana voltada à agricultura e pecuária e a necessidade de tributação dessa espécie de produção de riqueza, uma vez que os produtores goianos de commodities agrícolas são praticamente livres de obrigações tributárias estaduais, notadamente a de recolher tributos aos cofres do Estado, cujo vácuo fiscal é causado de um lado pelo diferimento do ICMS nas operações internas, e por outro lado pela exoneração tributária das exportações desses produtos, cujo escoamento depende fortemente de investimentos do estado em infraestrutura.
A proposta do fisco goiano de taxar commodities não foi acatada à época pelo governo, porém as circunstâncias são outras, e são perturbadoras!
Ao contrário do ambiente de pujança vivido pelo setor produtivo goiano de matérias primas, o restante da nossa economia padece com o Covid-19. Natural que o estado busque nesse momento de quem pode mais a contribuição devida e necessária para garantir o mínimo de bem-estar ao nosso povo.
Com vigência emergencial e temporária, o produto da arrecadação da taxa sobre commodities seria direcionada a um fundo, só que agora dedicado ao combate da pandemia. Pela simplicidade de implementação teria vigência imediata, já que tal contribuição não possui natureza tributária, não se submetendo às limitações temporais comuns aos impostos. A legislação que vier instituir a contribuição deve beneficiar ainda os municípios através da partição do produto da respectiva arrecadação.
Bom destacar que taxações de commodities foram implementadas há mais de uma década com sucesso nos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, alcançando produtos como soja, gado e algodão, tanto em operações internas como em exportações, com a arrecadação voltada à manutenção e construção de obras de infraestrutura.
Para se ter ideia do potencial de receita, o fundo criado pelo Mato Grosso destinado à contribuição de suas commodities arrecadou em 2019 perto de R$ 1,5 bilhão. Por esse paradigma estima-se que Goiás também poderia ultrapassar a barreira de R$ 1 bilhão por ano caso resolva taxar a movimentação de suas commodities
Goiás chegou a anunciar a taxação das commodities do milho e da soja no ano de 2016, mas acabou recuando diante pressão do setor produtivo. Porém, como já dito antes, as circunstâncias são outras. Não podemos cometer o mesmo erro.
No mundo todo o Covid-19 tem ensinado importantes lições sobre a importância de uma sociedade justa, fraterna, solidária. A proposta da taxação de commodities nesse angustiante momento que Goiás e o resto do país atravessa é apenas a expressão de uma dessas lições: quem pode mais, contribui mais.
Vamos vencer o Covid-19 somente com a participação de todos, na justa medida de suas possibilidades.
O Imposto Sobre Propriedade de Veículos Automotores
– IPVA administrado pelo Estado de Goiás encontrava dificuldades na cobrança de
sua inadimplência em razão dos altos custos de postagem para notificação do respectivo
lançamento (auto de infração). Essa situação era agravada pelo grande número de
endereços desatualizados nos cadastros de proprietários de veículos a cargo do
DETRAN, ocasionando a devolução de parte considerável das notificações enviadas
pelos correios.
Para superar essa dificuldade a pasta da Economia
aviou projeto legislativo que redundou em janeiro passado na promulgação da Lei
n. 20.752/2020, que dentre outras providências, operou espécie de “desburocratização”
no lançamento do IPVA e de sua multa por inadimplência, através de alterações
no Código Tributário Estadual e na lei que rege o Processo Administrativo
Tributário, possibilitando a inscrição do contribuinte de maneira mais célere
em razão do atraso no pagamento do referido imposto.
Segundo a exposição de motivos que acompanhou o
referido projeto de lei, a alteração legislativa possuiu arrimo na Súmula 436 e
no Tema 903, ambos do Superior Tribunal de Justiça. Assim, o lançamento do IPVA
passou a ser formalizado no início de cada ano com a publicação em Diário
Oficial do respectivo calendário de pagamento juntamente com as alíquotas
aplicáveis e o valor médio (base de cálculo) dos veículos sujeitos à
tributação.
A pasta fazendária também anunciou que a multa
punitiva no percentual de 50% sobre o valor do IPVA devido passaria a ser de
Forma automática e aplicada a partir do dia seguinte ao do vencimento,
pois a autuação dos impontuais não mais seria realizada pela Secretaria da
Economia.
Porém, num exame mais acurado das alterações que
tornaram mais rápida a cobrança do IPVA, constatou-se que a pasta fazendária
eliminou o auto de infração, que é o procedimento administrativo indispensável ao lançamento da penalidade
pecuniária, mantendo, todavia, o caráter punitivo da impontualidade fiscal
através de uma dissimulada pena pecuniária que possui todas as características
de multa moratória, fixada no abusivo patamar de 50%.
Com a marota adoção dessa multa punitiva automática com aplicação semelhante à multa moratória, a pasta fazendária
conseguiu eliminar também a indispensável participação da autoridade
administrativa na constituição do crédito tributário juntamente com o necessário
procedimento de lançamento da pena pecuniária, incluindo-se aí a eliminação
da notificação do contribuinte para apresentação de defesa em razão
da revisão de ofíciodo crédito do IPVAoriginalmente
lançado, que a partir da inadimplência vai ser modificado com o acréscimo instantâneo da multa
punitiva prevista na legislação tributária.
Ocorre que essa nova sistemática de lançamento e
cobrança de multa punitiva do IPVA malogra diversos preceitos tributários, retirando a legitimidade da multa aplicada e cobrada do contribuinte por pretensa
inadimplência. Com isso, também abre caminho para que o crédito seja questionado,
com boas chances de ser anulado na parte que impôs a penalidade espúria, em prejuízo
à arrecadação tributária e ao erário estadual.
Senão, vejamos.
De início, em nenhum momento a Lei n. 20.752/2020
autoriza a pasta fazendária aplicar instantaneamente (sem auto de infração)
a multa punitiva de 50% pela impontualidade no pagamento do IPVA, tampouco que
essa multa seja cobrada por órgão estranho ao da administração tributária, como
divulgado na imprensa.
A propósito, pretensa fiscalização ou lançamento de
crédito fiscal (tributo ou pena) por agente ou órgão diverso ao da
administração tributária é nulo de pleno direito, conforme preconiza a
legislação tributária, em especial o Código de Defesa do Contribuinte[1]
goiano.
É perceptível de plano que vai contra o ordenamento
vigente a interpretação da pasta fazendária no sentido de que a multa pode ser
lançada de forma instantânea e automatizada fora do ambiente fazendário, ou seja, sem a prévia análise da autoridade fiscal e constituída em órgão diferente da
Secretaria da Economia.
Também é perceptível a confusão que a pasta
fazendária fez ao arrimar a alteração legislativa efetivada pela Lei n.
20.752/2020 nos permissivos da Súmula 436[2]
e do Tema 903[3],
ambas do STJ.
Isso porque a Súmula 436/STJ foi editada pelo
Tribunal da Cidadania levando em conta unicamente os lançamentos realizados na
modalidade “por homologação” como no caso do ICMS. Inaplicável,
por tal, ao IPVA, cujo lançamento se dá na modalidade “de ofício” ou “direta”,
dispensando pretensa declaração ou qualquer outra providência por
parte do contribuinte para o lançamento do crédito tributário pela autoridade
fiscal.
Em relação ao Tema 903 da Corte Superior, esse diz
respeito tão somente a original expressão econômica do IPVA, assim considerada como
aquela prestação pecuniária compulsória descrita no art. 3º do CTN, com valor
expressado em moeda e que não constitua sanção de ato ilícito.
Diferentemente, pois, da multa punitiva do IPVA, cujo
fato gerador ocorre pelo descumprimento de um dever fiscal instrumental
acessório (art. 113, § 3º do CTN)[4],
ou seja, um ato ilícito. Dessarte, não obstante a natureza
tributária de ambas (imposto e multa), possuem fundamentos e finalidades claramente
distintas.
É justamente por conta da natureza lícita do
crédito original do IPVA, somado a sua característica de “imposto real”
que a jurisprudência (Tema 903-STJ) admitiu como válida a notificação do
respectivo lançamento original do pela via editalícia, em razão da notoriedade
da renovação de sua exigibilidade a cada ano.
Situação que não ocorre com a multa punitiva, uma
vez que o lançamento dessa espécie de crédito tributário (multa formal) possui caráter
personalíssimo, aliás a aplicação de multa punitiva, naturalmente oriunda
de ato ilícito, tem caráter pessoal.
Circunstâncias essas que afastam completamente
pretensa notificação editalícia do lançamento da pena pecuniária relativa à
inadimplência do IPVA, que só será legitima se lançada por meio do auto de
infração lavrado pela autoridade competente, seguida da notificação pessoal do
contribuinte autuado.
A regular notificação do contribuinte é condição de
validade da multa punitiva isolada aplicada de ofício pelo ato ilícito
verificado posteriormente ao lançamento do tributo.
Trata-se de providência que aperfeiçoa a revisão do
lançamento originalmente feito, demarcando a existência da pena aplicada, que
passa a ser exigível juntamente com o tributo original caso mantenha-se intacta
após decorridos os prazos dedicados à defesa do contribuinte.
Indiscutível então que a validade do lançamento da multa
isolada depende da regular notificação (pessoal) do contribuinte. Admitir o
contrário seria o mesmo que admitir a eficácia de uma lei sancionada (lançada)
e não publicada (notificada).
Nesse contexto, de qualquer lado que se analise a
multa de 50% relativa ao IPVA constante na Lei n. 20.752/20, se moratória
ou punitiva, todos eles levam à incongruência de sua constituição
e cobrança. De um lado porque a multa moratória - apesar de dispensar o
lançamento (auto de infração) e sua notificação - não pode ultrapassar o
patamar de 20% sob pena de confisco, segundo entendimento consolidado
do STF.
Doutro
lado, a multa punitiva, de acordo também com o STF, pode chegar até 100% do crédito
tributário originalmente devido sem ser considerada confiscatória, porém não
pode ser automática como a multa moratória, devendo obrigatoriamente
ser lançada por autoridade fiscal através do auto de infração e submetida
a nova notificação do contribuinte para o exercício de defesa, caso
queira impugnar a revisão do lançamento que acresceu ao crédito original a pena
pecuniária pelo pretenso ilícito omissivo de deixar de recolher tributo no
prazo legal.
É exatamente essa a característica da pena de 50% atualmente
prevista na legislação para a inadimplência do IPVA: a revisão do lançamento original
em razão da verificação de uma omissão que dá ensejo a uma penalidade, conforme
se extrai da conjugação do art. 145, III e art. 149, VI do CTN[5].
Assim, o procedimento anunciado pela pasta fazendária
de lançar e cobrar instantaneamente a pena no valor de 50% do valor do tributo pelo
inadimplemento do IPVA originalmente lançado consegue reunir várias violações aos limites do poder de tributar, tanto ela seja tratada como de caráter punitivo-fiscal, quanto seja considerada de caráter moratório-civil.
Tal situação não pode continuar.
Só existem dois caminhos a
serem tomados para corrigir a noticiada incongruência no lançamento e cobrança
do IPVA pela Secretaria da Economia. O primeiro dar-se-ia com a eliminação
total da multa punitiva pela inadimplência do IPVA, mantendo-se apenas uma
multa de caráter moratório no patamar máximo de 20% pro rata die, com a
consequente dispensa de notificação do contribuinte em razão do caráter civil
da multa em questão.
O segundo caminho seria no
sentido de se manter a multa punitiva pelo ilícito fiscal de inadimplência do
IPVA,porém lançando-a com estrita
observância ao CTN, ou seja, com a lavratura de auto de infração por autoridade
competente vinculada à pasta fazendária, seguida da notificação pessoal do contribuinte
para, caso queira, defenda-se da revisão do lançamento procedida.
A sociedade moderna reservou
ao direito tributário a tarefa de firmar os preceitos democráticos e
necessários para obrigar seu cidadão recolher tributos ao respectivo Estado. A
cobrança e o pagamento compulsório de tributos são circunstâncias normais em qualquer
estado democrático de direito. Porém não basta que tais circunstâncias sejam
legais, também indispensável que sejam legítimas.
Os dois caminhos propostos
acima devolvem a legitimidade ao lançamento e a cobrança da multa punitiva relativa ao atraso do IPVA no Estado de
Goiás.
Está fácil resolver, basta que a Administração
Tributária faça a sua parte.
[1]LC n. 104/2013 – “Art. 36. São nulos ou inválidos os atos e procedimentos de fiscalização praticados com: [...] I - incompetência do órgão ou agente, que não poderá, sob nenhuma hipótese, ser objeto de posterior convalidação;
[2] Súmula 436/STJ- “A entrega de declaração pelo contribuinte, reconhecendo o débito fiscal, constitui o crédito tributário, dispensada qualquer providencia por parte do Fisco”
[3] Tema 903/STJ – Tese firmada: “A notificação do contribuinte para o recolhimento do IPVA perfectibiliza a constituição definitiva do crédito tributário, iniciando-se o prazo prescricional para a execução fiscal no dia seguinte à data estipulada para o vencimento da exação”.
[4] Código Tributário Nacional – CTN – “Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. [...] § 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária”.
[5] Código tributário Nacional - CTN - "Art. 145. O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em virtude de: [...] III - iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no artigo 149. [...] Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: [...] VI - quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária;
O delegado prende, a defensoria pública recorre, o juiz solta. São alguns exemplos do trabalho de servidores de carreiras de estado que estão exercendo de forma plena suas atribuições nesse momento de pandemia. Algumas delas até exageram ao ressaltar de forma midiática a importância do seu trabalho no combate e prevenção do Covid-19.
As carreiras típicas ou exclusivas de Estado são aquelas que integram o núcleo estratégico do Estado. São os braços, pernas e mãos que representam e executam as atribuições essenciais do poder estatal na promoção do bem estar social. Natural, por tal, que as carreiras de estado sejam as mais exigidas neste momento de pandemia, onde a sociedade mais precisa de atenção e proteção, especialmente para impedir que interesses individuais ou privados se sobreponham ao interesse da coletividade nesse delicado momento.
Imaginem se nesse momento de crise sanitária fosse suspensa a atribuição do magistrado de decidir ou sentenciar em um caso concreto. Fosse impedido que o delegado de polícia lavre o flagrante delito. Ou que ao defensor público fosse recomendado não impetrar o habeas corpus em favor do réu que se declara inocente. São conjecturas que apontam para a suspensão da razão de existir do próprio estado.
É exatamente na razão de existir que a IN 1.458/2020 fere as atribuições e competências dos servidores da administração tributária. Aqueles mesmos servidores que o art. 37, XXII da CF/88 textualmente afirma fazerem parte de uma atividade essencial ao funcionamento do estado, cuja principal atribuição é o controle, fiscalização e arrecadação de tributos, e a mais evidente expressão dessa missão constitucional é o inafastável lançamento de ofício do crédito tributário. O incrível é que apesar de arrimada no Covid-19, a suspensão do lançamento tributário determinado na referida instrução em nada contribui para o combate à pandemia, pelo contrário, retarda ou impede o ingresso de recursos nos cofres públicos que em boa parte seriam advindos justamente daqueles que se aproveitam do momento de crise para suprimir ou reduzir tributos.
Assim, o art. 3º da I.N. 1.458/2020-GSF além de afrontar diretamente a essencialidade constitucional atribuída à Administração Tributária e desconsiderar a tarefa plenamente vinculada do lançamento tributário, é inócua no combate à pandemia. Pior, pode até mesmo agravar a crise sanitária, fase em que será fundamental garantir os recursos necessários para minimizar os nefastos efeitos dessa terrível doença em nossa população.
O custo econômico da aplicação do shutdown[1] nas tarefas do fisco estadual de lançar tributos suprimidos ou reduzidos, além de apontar para a negligência na arrecadação, trará reflexos no número de vítimas do Covid-19.
A revogação do dispositivo espúrio é a medida que se impõe.
________________ [1]Shutdown, termo em inglês que significa desligamento ou fechamento temporário de uma atividade econômica ou estatal.