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quarta-feira, 10 de julho de 2019

O escândalo da remuneração diária da sobra de caixa


Por: Maria Lucia Fattorelli, Auditora-fiscal, Coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida
08 de Jul de 2019


Enquanto toda atenção da mídia se volta para a necessidade de “economizar” R$ 1 trilhão, nos próximos dez anos, com as medidas de corte de aposentadorias, pensões e demais benefícios previdenciários de que trata a PEC 6/2019, atingindo principalmente os mais pobres, está sendo tentada a legalização da remuneração ilegal da sobra de caixa dos bancos, que custou cerca de R$ 1 trilhão às contas públicas nos últimos dez anos.

Conforme registrado nos balanços do Banco Central, R$ 754 bilhões (de 2009 a 2018, cerca de R$ 1 trilhão atualizados monetariamente) foram pagos aos bancos, para remunerar diariamente a sua sobra de caixa, ou seja, todo o volume de recursos que os bancos não conseguem emprestar e, portanto, sobra em seu caixa. Essa remuneração é ilegal, pois a figura do “depósito voluntário remunerado”, que consta do PL 9.248/2017, ainda não foi aprovada.

"Sistema destinou a bancos R$ 1 trilhão das contas públicas nos últimos 10 anos"

Nova tentativa de “legalização” dessa indecência, que prejudica toda a economia real do país, está contida no projeto de autonomia do Banco Central – PLP 112/2019 – de forma bem despistada:

“IV – receber os recolhimentos compulsórios de que trata o inciso III e, ainda, os depósitos voluntários à vista ou a prazo das instituições financeiras, consoante remuneração, limites, prazos, formas de negociação e outras condições estabelecidos em regulamentação por ele editada;
...
XII – efetuar, como instrumento de política monetária, operações de compra e venda de títulos públicos federais, consoante remuneração, limites, prazos, formas de negociação e outras condições estabelecidos em regulamentação por ele editada, sem prejuízo do disposto no art. 39 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000;”

Temos R$ 1 trilhão sobrando para pagar remuneração sobre depósitos voluntários que os bancos fazem no Banco Central? Essa remuneração diária da sobra de caixa dos bancos tem sido extremamente danosa à nossa economia, sendo inclusive uma das principais causas da crise econômica em que nos encontramos.

A elevação da taxa básica de juros Selic de 7,25% (2013) para 14,25% (2015-2016), combinada com o aumento do volume dos Depósitos Voluntários no Banco Central, remunerando R$ 1 trilhão da sobra de caixa dos bancos nessa taxa absurda, gerou escassez de moeda na economia e elevou brutalmente as taxas de juros de mercado, inviabilizando o crédito e provocando a falência de milhões de empresas, o aumento do desemprego e a queda do PIB em mais de 7% em 2015-2016, e segue estacionado.

As taxas de juros de mercado são absurdamente altas no Brasil por causa dessa remuneração diária garantida pelo Banco Central. Ora, por que os bancos correriam riscos de emprestar para empresas e pessoas, se podem contar com remuneração diária e garantida?

É evidente que se o Banco Central deixasse de conceder essa remuneração diária, os bancos não iriam querer ficar com essa montanha de R$ 1 trilhão parada em seu caixa; imediatamente reduziriam as taxas de juros oferecidas ao mercado, para conseguir emprestar e lucrar. Com acesso a crédito, empresas voltariam a crescer e gerar emprego e renda, dinamizando toda a economia e fazendo desaparecer a crise atual.

A remuneração diária da sobra de caixa dos bancos tem sido feita mediante a utilização abusiva das chamadas Operações Compromissadas. Tais operações existem em todo o mundo e visam controlar o volume de moeda em circulação na economia, tarefa a ser desempenhada pela autoridade monetária, a fim de evitar ataques especulativos ou influência no controle inflacionário.

No entanto, no Brasil tais operações têm caráter peculiar, diferente do que ocorre no mundo todo. Em primeiro lugar, o volume dessas operações no Brasil chega a quase 20% do PIB (atingiram R$ 1,324 trilhão em abril/2019), sem paralelo no planeta, devido aos evidentes danos que provoca: escassez brutal de moeda no mercado, empurrando as taxas de juros para patamares elevadíssimos, impedindo o funcionamento de toda a economia. Adicionalmente, o Banco Central do Brasil remunera essa montanha de recursos diariamente, com a taxa de juros mais elevada do mundo.

Não tem qualquer amparo a alegação de que esse funcionamento distorcido das Operações Compromissadas se destinaria a controlar a inflação, tendo em vista que no Brasil a inflação decorre de causas relacionadas aos excessivos aumentos dos preços administrados (combustível, gás de cozinha, energia, telefonia, planos de saúde, tarifas bancárias etc.) e às variações nos preços de alimentos. Tais fatores não guardam relação alguma com o patamar das taxas de juros, nem com o volume de moeda em circulação.

A ausência de relação entre as chamadas Operações Compromissadas e a redução do volume de moeda em circulação “para controlar inflação” ficou escancarada em 2017, quando a inflação caiu (o IGP foi negativo) e o volume das Operações Compromissadas aumentou e bateu recorde de R$ 1,287 trilhão em outubro/2017.

Em outras palavras: se fosse verdade que o Banco Central teria que absorver essa montanha de mais de R$ 1 trilhão para reduzir o volume de moeda e “controlar a inflação”, no momento em que a inflação cai a zero, ele teria que devolver essa montanha aos bancos, porém, o movimento foi inverso: a montanha cresceu ainda mais!

Foi exatamente nessa circunstância, que deixou o Banco Central literalmente nu em sua argumentação, que o mesmo enviou ao Congresso o PL 9.248/2017, projeto de um artigo só, que cria o “depósito voluntário remunerado”.

Agora, nova tentativa de “legalizar” esse absurdo está embutida no PLP 112/2019, que se encontra em regime de urgência no plenário da Câmara dos Deputados, podendo ser votado a qualquer momento.

Parlamentares poderão decidir se irão “legalizar” esse privilégio de remuneração diária aos bancos (PLP 112/2019 e PL 9.248/2017), gerando despesa de mais de R$ 1 trilhão, ao mesmo tempo em que estão cortando R$ 1 trilhão de idosos, inválidos, viúvas e deficientes físicos na PEC 6/2019. Simples assim!

quinta-feira, 4 de julho de 2019

CAT tem novo presidente e vice-presidente



Presidente e vice-presidente do CATPublicada hoje em Diário Oficial as nomeações dos Auditores-fiscais Lidilone Polizeli Bento e Zenewton Rimes de Almeida para a função de conselheiro titular, e, concomitantemente, para os cargos de presidente e vice-presidente, respectivamente, do Conselho Administrativo Tributário – CAT.

Além de Lidilone e Zenewton assumem a função de conselheiro suplente da representação do fisco no CAT os Auditores-fiscais Washinton Luís Freire de Oliveira e Virginia de Pereira de Menezes Santos. 

Os novos conselheiros foram selecionados através do primeiro processo seletivo realizado pela pasta fazendária para a função de conselheiro do CAT.

O processo seletivo foi um avanço que o SINDIFISCO/GO deu especial atenção no ano passado, inclusive representando ao MP contra a insistência da Administração Tributária em nomear conselheiros sem a realização da seleção prevista em lei.

Fato que culminou em ação civil pública onde foi deferida liminar determinando a regulamentação do processo seletivo do CAT para indicação de novos conselheiros.

Desejamos sorte e sucesso aos colegas que assumem a importante missão administrativa de dar a última palavra sobre a legalidade de lançamentos tributários.

terça-feira, 2 de julho de 2019

Fisco faz sua parte e arrecada R$ 1 bi a mais


Conforme previsão divulgada pelo Valorizafisco em matéria publicada em 10 de junho passado, a arrecadação de tributos administrados pela Receita Estadual alcançou R$ 9,73 bilhões no primeiro semestre de 2019. A cifra significa R$ 1 bilhão a mais de receita em relação ao mesmo período do ano passado.

O destaque foi o ICMS, com receita acumulada nos últimos seis meses de R$ 8,27 bilhões, 10,64% maior do que o primeiro semestre de 2018; seguido do IPVA, com R$ 671 milhões, 9,20% maior do que o mesmo período do ano anterior.


O único tributo que apresentou decréscimo na arrecadação foi o ITCD, 3,02% menor; queda explicada pela promulgação da Lei n. 20.493/19, que institui a semana de conciliação do ITCD e IPVA, prevista para o início do mês de novembro próximo, ocasião em que a Administração Tributária espera que o decréscimo verificado seja compensado com sobras.

Outra receita que chamou a atenção foi a do fundo PROTEGE GOIÁS, apontando 48,23% de acréscimo, R$ 106 milhões a mais do que o mesmo período do ano passado; parte decorrente da majoração de alíquotas acordada entre governo e empresários no final do ano passado. Ressalta-se, porém, que a arrecadação do PROTEGE esperada no primeiro mês de validade do acordo (maio) era de R$ 84 milhões, sendo arrecadado apenas R$ 53 milhões, indicando que o valor acordado de R$ 1 bilhão não deve ser alcançado ao final de 12 meses.

Aguardaremos o fechamento da arrecadação do PROTEGE para verificar se ainda é factível a expectativa de o Estado arrecadar R$ 1 bilhão em 12 meses com a redução de benefícios fiscais, e quais as providências que serão adotadas em caso de frustração dessa expectativa.

O esforço fiscal continua.

sexta-feira, 28 de junho de 2019

Bilionários dos EUA pedem aumento de impostos para diminuir desigualdade

Soros e Disney

Mais de uma dúzia de bilionários proeminentes dos EUA estão pedindo um novo imposto governamental sobre a riqueza extrema para ajudar a combater a desigualdade de renda, financiar iniciativas de mudanças climáticas e ações de saúde pública.

Dirigido aos “candidatos presidenciais de 2020”,  dezenove bilionários assinam a carta, dentre eles o financista George Soros, as herdeiras Liesel e Regan Pritzker, Abigail Disney e o co-fundador do Facebook, Chris Hughes.

A carta pede aumento nos impostos federais sobre a riqueza para “financiar substancialmente” novos investimentos em setores que incluem energia limpa, creches universais, alívio da dívida de empréstimos estudantis, melhorias na infraestrutura e redução de impostos para famílias de baixa renda.

"A América tem uma responsabilidade moral, ética e econômica de tributar mais nossa riqueza", pediram os 19 signatários da carta.

"Instituir um imposto sobre a riqueza é do interesse da nossa república", acrescentaram, argumentando que um imposto moderado sobre os americanos mais ricos conta com o apoio da maioria dos americanos. Estima-se que o imposto possa gerar quase US $ 3 trilhões em receita ao longo de 10 anos.

As iniciativas são estabelecidas na mesma premissa: uma distribuição desigual da riqueza exacerbada pela carga tributária desigual em todo o espectro da renda. A carta aos candidatos presidenciais segue uma preocupação pública atual dos Estados Unidos sobre a crescente desigualdade social.

Warren Buffett, fundador da Berkshire Hathaway, publicou um ensaio em 2011, observando que sua taxa de imposto efetiva era "na verdade uma porcentagem menor do que a paga por qualquer uma das outras 20 pessoas em nosso escritório". Isso levou à ideia de uma "Regra de Buffett", apoiada pelo então presidente Obama, determinando que os milionários pagassem pelo menos 30%.

Em abril, Ray Dalio, fundador da Bridgewater, o maior fundo de hedge do mundo, expressou temores sobre a desigualdade de renda.

O abismo entre ricos e pobres é uma “emergência nacional” que representa um “risco existencial para os EUA”, escreveu Dalio em um post no blog de 8.000 palavras no LinkedIn .

“Acredito que todas as boas coisas levadas ao extremo podem ser autodestrutivas e que tudo deve evoluir ou morrer. Isso agora é verdade para o capitalismo ”, escreveu ele.

O chefe do JP Morgan, Jamie Dimon , o chefe de investimentos Warren Buffet e o presidente da Blackstone, Stephen Schwarzman , todos temem publicamente que a desigualdade de renda se torne um impedimento para uma sociedade em funcionamento.

Uma análise recente de um relatório do Federal Reserve descobriu que os 1% mais ricos dos americanos viram seu patrimônio crescer em US $ 21 trilhões nos últimos 30 anos, enquanto a riqueza dos 50% mais baixos caiu US $ 900 bilhões.

Traduzido do “The Guardian” , em 24/06/19

quinta-feira, 27 de junho de 2019

Desigualdade e tributação, tudo a ver!


A sigla HNWI representa em inglês o grupo chamado de high-net-worth individuals. São indivíduos que possuem mais de 1 milhão de dólares em investimentos líquidos. Naturalmente, os membros desse seleto grupo são cortejados por consultores, instituições financeiras e escritórios de advocacia, ávidos por prestar consultoria para reduzir a carga tributária sobre tais investimentos.
Acontece que fazer planejamento tributário para um HNWI no brasil, apesar de perfeitamente legal, é injusto.  Isso porque toda a legislação é feita para privilegiar quem detém patrimônio, em detrimento daqueles cuja renda apenas se destina ao sustento e cumprimento das obrigações mais básicas.
Já vimos que o Brasil possui uma das cargas tributárias sobre renda, lucro e ganho de capital mais baixas do mundo, ao mesmo tempo que sua carga sobre bens e serviços está entre as maiores do planeta. Tal discrepância é a principal responsável pela perpetuação da desigualdade, origem de todos os problemas sociais que o país enfrenta.
A tributação é a forma pela qual o Estado consegue transferir renda e patrimônio dos mais ricos para os menos afortunados. No entanto, como implementar a transferência se os mais ricos estão blindados pela legislação em vigor, construída em causa própria?
Para enfrentar o problema da desigualdade é urgente adequar a carga tributária brasileira à de outros países. Isso significa aumentar consideravelmente a tributação sobre lucros, renda e ganho de capital, para conseguir reduzir, também de maneira expressiva, a tributação sobre os bens e serviços que são utilizados por toda a população.
Fonte: Relatório “Carga Tributária no Brasil 2017
Sem entrar em pormenores a respeito do tributo e da entidade política responsável pela arrecadação, a ideia pode ser ilustrada de forma simples, por meio de um exemplo baseado em estimativas reais: a carga tributária sobre a energia elétrica e serviços de telecomunicações no brasil é de aproximadamente 40% sobre o preço do produto e serviço.
Ao mesmo tempo, a tributação paga pelos indivíduos sobre os dividendos recebidos de empresas é de 0%. Acontece que nem todo brasileiro detém participação em empresas, ao passo que todo cidadão, direta ou indiretamente, consome energia elétrica e serviços   de telecomunicações.  Ou seja, uma redução na tributação sobre tais produtos e serviços, compensada por um aumento na tributação sobre dividendos, claramente beneficiaria toda a sociedade.
Fonte: Relatório “Carga Tributária no Brasil 2017
A tributação sobre dividendos é usada, de modo habitual, para exemplificar a injustiça tributária no país, mas existem inúmeras outras situações previstas na legislação, feitas não só para manter o patrimônio dos mais ricos, mas para acentuar a desigualdade social independentemente do período por qual passe a economia nacional.
Nada justifica que a propriedade de uma Brasília amarela seja sujeita ao pagamento de um imposto sobre patrimônio, enquanto o proprietário de um barco ou avião não precise pagar imposto algum sobre o bem; que um presidente de empresa que aufira mais de 1 milhão de reais em salários por ano pague exatamente a mesma alíquota de imposto de renda que seu empregado que recebe 5 mil reais por mês; que a herança sofra uma tributação que não excede 8%, perpetuando eternamente o patrimônio na mão das mesmas famílias; que o investidor estrangeiro consiga auferir rendimentos e ganhos de capital no mercado brasileiro sem qualquer tributação; que empresas de serviços e mercadorias com faturamento de até 78 milhões de reais consigam remunerar seus sócios, que muitas vezes desenvolvem o trabalho pessoalmente, com carga tributária total (carga da pessoa jurídica e da pessoa física) que não chega a 20%, enquanto os empregados das mesmas empresas, que naturalmente recebem muito menos que seus sócios, paguem imposto de renda superior; que incentivos fiscais sejam concedidos sem qualquer preocupação de que a redução da carga tributária chegue ao consumidor final. Enfim, os exemplos são incontáveis e apenas ilustram um arcabouço jurídico cuja matriz ideológica é a perpetuação da exploração dos mais pobres pelos mais ricos.
Divisa da favela de Paraisópolis e do Bairro Morumbi (SP)
Uma vez feitas tais constatações, é possível concluir que o enfrentamento da desigualdade e, consequentemente, dos maiores problemas do Brasil não é uma tarefa impossível, nem um trabalho para gerações. E, tampouco, deveria ser um projeto político “de esquerda”. A nossa legislação é tão perversa, a carga tributária, tão mal alocada, que bastará nos adequarmos a modelos já experimentados em outros países para darmos um salto enorme e imediato na busca por um país mais justo.
Para atingirmos tal objetivo é essencial que todos pensem no coletivo, pois o crescimento do grupo fará todos os indivíduos terem uma vida mais aprazível, menos custosa. Menos gastos com segurança, saúde e escolas privadas. Mais economia nas compras no mercado, nas contas de energia, telefone, gás e água.
Independentemente da formação profissional, todos podem participar dessa transformação para uma sociedade mais justa, mas o profissional do direito tributário tem as condições de ser um poderoso agente de mudança ao se questionar sempre se a tributação que busca para seu cliente, além de legal, é justa.

Posfácio extraído do livro: Desigualdade & caminhos para uma sociedade mais justa 
(2019), de Eduardo Moreira.

Por: Márcio Calvet Neves. advogado, mestre em direito tributário pela Georgetown University; especialista em direito da economia pela fundação Getúlio Vargas e mestrando em ciência política pela universidade federal fluminense.