Por: Maria Lucia Fattorelli, Auditora-fiscal, Coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida
08 de Jul de 2019
Enquanto toda atenção da mídia se
volta para a necessidade de “economizar” R$ 1 trilhão, nos próximos dez anos,
com as medidas de corte de aposentadorias, pensões e demais benefícios
previdenciários de que trata a PEC 6/2019, atingindo principalmente os mais
pobres, está sendo tentada a legalização da remuneração ilegal da sobra de
caixa dos bancos, que custou cerca de R$ 1 trilhão às contas públicas nos
últimos dez anos.
Conforme registrado nos balanços
do Banco Central, R$ 754 bilhões (de 2009 a 2018, cerca de R$ 1 trilhão
atualizados monetariamente) foram pagos aos bancos, para remunerar diariamente
a sua sobra de caixa, ou seja, todo o volume de recursos que os bancos não
conseguem emprestar e, portanto, sobra em seu caixa. Essa remuneração é ilegal,
pois a figura do “depósito voluntário remunerado”, que consta do PL 9.248/2017,
ainda não foi aprovada.
"Sistema destinou a bancos R$ 1 trilhão das contas públicas nos
últimos 10 anos"
Nova tentativa de “legalização”
dessa indecência, que prejudica toda a economia real do país, está contida no
projeto de autonomia do Banco Central – PLP 112/2019 – de forma bem despistada:
“IV – receber os recolhimentos
compulsórios de que trata o inciso III e, ainda, os depósitos voluntários à
vista ou a prazo das instituições financeiras, consoante remuneração, limites,
prazos, formas de negociação e outras condições estabelecidos em regulamentação
por ele editada;
...
XII – efetuar, como instrumento
de política monetária, operações de compra e venda de títulos públicos
federais, consoante remuneração, limites, prazos, formas de negociação e outras
condições estabelecidos em regulamentação por ele editada, sem prejuízo do
disposto no art. 39 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000;”
Temos R$ 1 trilhão sobrando para
pagar remuneração sobre depósitos voluntários que os bancos fazem no Banco
Central? Essa remuneração diária da sobra de caixa dos bancos tem sido
extremamente danosa à nossa economia, sendo inclusive uma das principais causas
da crise econômica em que nos encontramos.
A elevação da taxa básica de
juros Selic de 7,25% (2013) para 14,25% (2015-2016), combinada com o aumento do
volume dos Depósitos Voluntários no Banco Central, remunerando R$ 1 trilhão da
sobra de caixa dos bancos nessa taxa absurda, gerou escassez de moeda na
economia e elevou brutalmente as taxas de juros de mercado, inviabilizando o
crédito e provocando a falência de milhões de empresas, o aumento do desemprego
e a queda do PIB em mais de 7% em 2015-2016, e segue estacionado.
As taxas de juros de mercado são
absurdamente altas no Brasil por causa dessa remuneração diária garantida pelo
Banco Central. Ora, por que os bancos correriam riscos de emprestar para
empresas e pessoas, se podem contar com remuneração diária e garantida?
É evidente que se o Banco Central
deixasse de conceder essa remuneração diária, os bancos não iriam querer ficar
com essa montanha de R$ 1 trilhão parada em seu caixa; imediatamente reduziriam
as taxas de juros oferecidas ao mercado, para conseguir emprestar e lucrar. Com
acesso a crédito, empresas voltariam a crescer e gerar emprego e renda,
dinamizando toda a economia e fazendo desaparecer a crise atual.
A remuneração diária da sobra de
caixa dos bancos tem sido feita mediante a utilização abusiva das chamadas
Operações Compromissadas. Tais operações existem em todo o mundo e visam
controlar o volume de moeda em circulação na economia, tarefa a ser
desempenhada pela autoridade monetária, a fim de evitar ataques especulativos
ou influência no controle inflacionário.
No entanto, no Brasil tais
operações têm caráter peculiar, diferente do que ocorre no mundo todo. Em
primeiro lugar, o volume dessas operações no Brasil chega a quase 20% do PIB
(atingiram R$ 1,324 trilhão em abril/2019), sem paralelo no planeta, devido aos
evidentes danos que provoca: escassez brutal de moeda no mercado, empurrando as
taxas de juros para patamares elevadíssimos, impedindo o funcionamento de toda
a economia. Adicionalmente, o Banco Central do Brasil remunera essa montanha de
recursos diariamente, com a taxa de juros mais elevada do mundo.
Não tem qualquer amparo a
alegação de que esse funcionamento distorcido das Operações Compromissadas se
destinaria a controlar a inflação, tendo em vista que no Brasil a inflação
decorre de causas relacionadas aos excessivos aumentos dos preços administrados
(combustível, gás de cozinha, energia, telefonia, planos de saúde, tarifas
bancárias etc.) e às variações nos preços de alimentos. Tais fatores não
guardam relação alguma com o patamar das taxas de juros, nem com o volume de
moeda em circulação.
A ausência de relação entre as
chamadas Operações Compromissadas e a redução do volume de moeda em circulação
“para controlar inflação” ficou escancarada em 2017, quando a inflação caiu (o
IGP foi negativo) e o volume das Operações Compromissadas aumentou e bateu
recorde de R$ 1,287 trilhão em outubro/2017.
Em outras palavras: se fosse
verdade que o Banco Central teria que absorver essa montanha de mais de R$ 1
trilhão para reduzir o volume de moeda e “controlar a inflação”, no momento em
que a inflação cai a zero, ele teria que devolver essa montanha aos bancos,
porém, o movimento foi inverso: a montanha cresceu ainda mais!
Foi exatamente nessa
circunstância, que deixou o Banco Central literalmente nu em sua argumentação,
que o mesmo enviou ao Congresso o PL 9.248/2017, projeto de um artigo só, que
cria o “depósito voluntário remunerado”.
Agora, nova tentativa de
“legalizar” esse absurdo está embutida no PLP 112/2019, que se encontra em
regime de urgência no plenário da Câmara dos Deputados, podendo ser votado a
qualquer momento.
Parlamentares poderão decidir se
irão “legalizar” esse privilégio de remuneração diária aos bancos (PLP 112/2019
e PL 9.248/2017), gerando despesa de mais de R$ 1 trilhão, ao mesmo tempo em
que estão cortando R$ 1 trilhão de idosos, inválidos, viúvas e deficientes
físicos na PEC 6/2019. Simples assim!