Páginas

quinta-feira, 25 de maio de 2023

Um dia de caos


No calendário brasileiro, o dia 25 de maio tem sido marcado por algumas instituições privadas como "um dia sem impostos". Parece algo tentador, não é mesmo? Comerciantes vendendo produtos e serviços sem incluir o famigerado imposto. Seria como um sonho realizado para muitos contribuintes e consumidores, mas será que realmente compreendemos as reais  consequências dessa iniciativa?

 Fosse realmente possível promover um dia sem impostos, por coerência também seria um dia sem UTI’s, sem escola, sem policiais e em boa parte do território nacional sem poder fazer uso da eletricidade, água potável, estradas, pontes, transporte etc.

 Então, vamos tentar conceber esse dia como ele realmente deve ser concebido, analisando o que está em jogo, afinal o imposto excluído é o mesmo que financia o bem-estar social garantido pelo Estado por meio de serviços públicos essenciais. 

Senão, vejamos:

 Começando pelo sistema educacional. Atualmente, existem no Brasil cerca de 41,5 milhões de jovens matriculados no ensino básico público. Esses jovens, além de receberem educação formal, também realizam suas principais refeições nas escolas públicas. Será que esses jovens e seus pais estariam dispostos a renunciar tal serviço em troca de um dia sem impostos?

 E o ensino público superior? Temos cerca de 1,3 milhão de alunos matriculados em estabelecimentos públicos de ensino superior, sendo que a maioria desses estabelecimentos estão entre os mais bem avaliados pela comunidade acadêmica.

 Será que esses futuros profissionais de nível superior estão dispostos a colocar em risco o funcionamento da instituição de ensino superior em que estudam gratuitamente, em troca de um desconto temporário nos produtos e serviços que consomem?

 Agora falaremos da segurança pública no dia sem impostos. Atualmente, cerca de 500 mil policiais civis, militares e bombeiros se encontram na ativa, garantindo a segurança do cidadão brasileiro. Sem mencionar as centenas de corporações de guardas municipais espalhadas pelo país, e ainda, a polícia penal, responsável pela guarda dos cerca de 700 mil presos acolhidos nas penitenciárias brasileiras.

 Será que abrir mão da máquina de segurança pública por um dia sem pagar impostos não iria comprometer sua integridade física, seu patrimônio ou até mesmo a sua vida? Você teria coragem de sair de casa nesse dia?

 E o que dizer da saúde? Cerca de 95% dos transplantes de órgãos realizados no Brasil são pagos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Sim, aquele mesmo sistema que bancou a aplicação de 509 milhões de doses de vacinas durante a pandemia da Covid-19. Estamos falando de um serviço público universal de saúde que atende a todos que se encontram no território nacional, especialmente os mais carentes.

 Valeria a pena, então, trocar um dia sem impostos por um dia sem UTI’s, Samu’s, unidades de saúde, atendimentos e cirurgias de urgência e emergência? Há possibilidade de estimar quantos morreriam nesse dia e se o total de “desconto” recebido pelo consumo de produtos e serviços sem impostos compensaria tais mortes?

  Então, antes de aderir a um "dia sem impostos", em protesto a alta carga tributária brasileira, pare e reflita sobre todas as áreas da sociedade que são afetadas com o não pagamento de impostos, e o impacto que isso representaria, ante a igual supressão de recursos que garantem o mínimo de bem-estar social ao cidadão.

 Não é porque a questão da carga tributária no Brasil seja irrelevante,  mas sim porque o “dia sem impostos” trata um problema complexo e profundo de uma forma rasa e hipócrita.

 Comparando o Brasil com outros países membros da OCDE, a sua posição no ranking de cargas tributárias não é tão alarmante quanto se propaga. 

O Brasil ocuparia a 17ª posição, com uma carga tributária de 33,4%, praticamente em linha com a média de 33,6% de países considerados potências mundiais. 

Isso nos leva a refletir que a ideia de um "dia sem impostos", desconsidera solenemente desafios estruturais que precisam ser enfrentados.

 A discussão sobre a carga tributária brasileira deve ser acompanhada de uma análise mais abrangente do sistema como um todo, considerando institutos preciosos da tributação, tiais como: a progressividade, a neutralidade e a simplicidade; que são elementos essenciais para qualquer sistema tributário que busca ser justo e solidário.

 A progressividade é fundamental para garantir que aqueles com maior capacidade contributiva paguem uma parcela justa de impostos, enquanto aqueles com menor renda sejam aliviados do peso excessivo. Isso implica que a carga tributária seja distribuída de maneira equilibrada entre os diferentes segmentos da sociedade, levando em consideração a capacidade de pagamento de cada um. 

 A neutralidade é outro princípio importante, pois busca evitar distorções econômicas decorrentes de um sistema tributário complexo e ineficiente. Um sistema tributário neutro permite que as forças do mercado operem de forma eficiente, sem interferências desnecessárias causadas por incentivos fiscais distorcidos ou tratamentos anti-isonômicos.

 A simplicidade, que no atual sistema é sabidamente negligenciada, é fundamental para promover a transparência e facilitar o cumprimento das obrigações fiscais. Um sistema tributário simples reduz a burocracia e os custos de conformidade, tornando o processo mais acessível para todos os contribuintes.

 Portanto, em vez de nos dedicarmos a apenas um dia sem impostos, precisamos promover um amplo e consistente debate sobre a reforma do sistema tributário brasileiro. Essa reforma deve visar menos a diminuição da carga tributária, e focar intensamente na efetivação dos principios da progressividade, neutralidade e simplicidade do futuro sistema que queremos adotar.

Um dia sem Estado, é dia de caos. Um dia sem impostos, é dia de ilusão.

 

segunda-feira, 8 de maio de 2023

B.I. não é A.I., e vice versa

Na semana passada uma série de matérias jornalísticas divulgaram o uso da tecnologia da informação por parte da Secretaria da Economia do Estado de Goiás, no controle de mercadorias em trânsito e combate à sonegação fiscal, informando que o sistema utilizado se baseia em inteligência artificial (A.I.). 

Outrossim, para quem não é leigo na área de tecnologia, é fácil constatar que o sistema divulgado na imprensa se trata na verdade de uma ferramenta de inteligência de negócios (B.I.) que se baseia exclusivamente em regras de negócios buscando a comparação de uma base de dados com outra.


O próprio software utilizado pela Secretaria da Economia goiana no divulgado sistema, “Power B.I.” da Microsoft, que "roda" com linguagem “DAX” e “M” na manipulação de bases de dados e construção dashboards, deixa claro que se trata de uma ferramenta de B.I. 


Nos últimos anos, temos visto um grande avanço no desenvolvimento de tecnologias que utilizam inteligência artificial (A.I.) para solucionar problemas complexos em diversas áreas, como saúde, finanças e até mesmo na fiscalização tributária. No entanto, para os leigos, é fácil confundi-los sobre A.I. e B.I., que são conceitos diferentes e possuem aplicações distintas.


B.I. é um conjunto de técnicas e ferramentas que visam transformar dados brutos em informações úteis e relevantes para o negócio, possibilitando a tomada de decisões mais assertivas. A ideia é analisar as informações coletadas e transformá-las em insights para auxiliar na gestão do respectivo negócio ou atividade. Tal técnica é baseada em regras de negócios pré-definidas, confrontando-as com bases de dados históricos.


Há mais de uma década o fisco goiano utiliza-se do B.I. para fins de fiscalização de tributos, especialmente por meio da ferramenta “SAP Business Objects”, mais conhecido no meio fazendário como B.O., que da mesma forma que o Power B.I, também manipula base de dados e constrói dashboards.


Lado outro, A.I. é uma área da computação que se dedica a desenvolver algoritmos capazes de aprender e executar tarefas que normalmente exigiriam inteligência humana. A inteligência artificial usa técnicas de aprendizado de máquina, redes neurais e processamento de linguagem natural para identificar padrões e gerar insights em dados complexos. Ela é capaz de analisar grandes volumes de dados em tempo real e tomar decisões baseadas em probabilidades, com um detalhe importantíssimo: sem precisar de intervenção humana.


Assim, a utilização da A.I. requer muito mais investimento, uma vez que envolve modelagem de dados, desenvolvimento de algoritmos e uma equipe de especialistas para garantir a eficácia dos sistemas, enquanto que o B.I. é ferramenta tecnológica mais acessível que ajuda a otimizar processos e analisar dados.


No caso específico do sistema de controle fiscal de mercadorias em trânsito divulgado pela Secretaria de Economia de Goiás, é importante destacar que, até o momento, a ferramenta não se baseia em A.Í., mas sim em B.I., para comparar uma base de dados com outras e detectar possíveis fraudes e sonegações fiscais. Embora o sistema possa ser eficiente naquilo que se propõe, não é correto chamá-lo de A.I. já que não há aprendizado de máquina nem uso de técnicas avançadas de processamento de dados, e ainda, por necessitar da constante intervenção humana.



A deliberada confusão entre A.I. e B.I. pode trazer consequências negativas, pois a falta de informação acaba servindo para promover tecnologias que não são realmente inovadoras ou disruptivas. Isso pode gerar desconfiança do público especializado em relação às tecnologias utilizadas e diminuir a sua adesão em soluções que poderiam trazer benefícios reais. 


Infelizmente, tem sido comum que organizações públicas e privadas que utilizam ferramentas de B.I. para analisar dados de suas operações e negócios se referirem a isso como A.I., com o ladino fim de transmitir a ideia de modernidade e inovação, quando na verdade estão aplicando regras de negócios e análise de dados da forma mais convencional possível.



O fato é que tal comportamento pode trazer sérios problemas de reputação e credibilidade, especialmente às instituições públicas, já que um princípio basilar desse tipo de organização é a transparência, inclusive quanto às tecnologias utilizadas, evitando-se assim questionamentos éticos, pois tal comportamento pode ser interpretado como manipulação da verdade.


Ademais, a desinformação e a falta de transparência no  uso de tecnologias pode levar a investimentos desnecessários em soluções inadequadas para resolver problemas específicos. É importante que o público interno e externo estejam cientes das diferenças entre as tecnologias utilizadas para poderem aplicá-las de maneira consciente e obter os resultados esperados.


Em resumo, é salutar fornecer a informação correta de forma transparente para que o público possa avaliar e concluir se determinada tecnologia é realmente inovadora e útil.


Afinal, informação sem credibilidade não resolve.