Chama a atenção o fato de perto de
80% da renúncia fiscal de Goiás ser usufruída por cerca de uma dúzia de grandes
indústrias. Não à toa que a maioria delas possuem carga tributária efetiva de
ICMS próxima a 1%, como tem revelado a CPI em curso na Assembleia Legislativa.
Apesar do peso irrisório do ICMS
suportado por essas poucas e grandes empresas, o presidente da Federação das
Indústrias do Estado de Goiás (FIEG), Sandro Mabel, em protesto pela recusa de
seu depoimento na CPI dos incentivos fiscais, disparou que essas corporações
rumaram a Goiás para não pagar “nenhum
centavo de imposto”, pois propulsoras do crescimento econômico estadual.
A declaração do presidente da
classe industrial goiana omite um fato pouco conhecido do público não
especializado, a minúscula carga do ICMS sobre grandes corporações não é o
cerne da questão que envolve os incentivos fiscais. Poder-se-ia até conceder a
completa isenção do imposto estadual, mas quem conhece os meandros dos
incentivos fiscais sabe muito bem que seria um péssimo negócio para elas, pois
a isenção pura e simples inviabilizaria o principal objetivo que buscam na
renúncia goiana: a transferências de créditos fiscais sem custo algum.
A galinha dos ovos de ouro dos
incentivos fiscais do ICMS para grandes indústrias - e o verdadeiro combustível
que alimenta a guerra fiscal - não é o privilégio das grandes usufruírem de uma
carga tributária irrisória, mas sim a possibilidade de transferirem cerca de
11% em créditos fiscais que chegam ao destino sem nenhum liame financeiro
anterior, em claro escracho ao princípio da não cumulatividade.
O intrigante é que parte
considerável desses créditos “zumbis” do ICMS, em boa parte, são remetidos para
coligadas, filiais e parcerias localizadas em grandes centros consumidores, que
aproveitam até o último centavo do crédito transferido, com arrimo na garantia
da não cumulatividade, curiosamente ignorada na etapa anterior.
Trata-se de um engenhoso mecanismo
que só empresas estruturadas e bem assessoradas conseguem operar com razoabilidade,
digerindo e processando muito mais que o simples incentivo concedido, pois
possibilita também a produção de créditos fiscais espúrios com liquidez
praticamente imediata, que são utilizados gratuitamente pelos empreendimentos
parceiros destinatários das mercadorias.
É justamente a possibilidade de
praticar essa engenharia fiscal que move as maiores indústrias para fora dos
grandes centros de consumo, ante a possibilidade de transferência de créditos
volumosos e gratuitos a suas coligadas que nos grandes centros permanecem
instaladas. Reduzir o ICMS na industrialização que realizam dentro do Estado
incentivador é apenas a parte primária dessa engenharia.
Assim, os créditos fiscais do ICMS
produzidos pelo mecanismo são assemelhados à emissão de moeda sem lastro, algo
muito próximo da fabricação de dinheiro. Daí essa forma de subsídio fiscal ser
veementemente repelida, tanto pelos estados onde estão localizados esses
grandes centros de consumo, quanto os mais renomados institutos de estudos
econômicos do país.
Daí ser duvidosa a alegação de que
essas grandes indústrias voltariam para as regiões sul e sudeste caso houvesse
diminuição da renúncia aqui praticada, mesmo que a carga do ICMS de lá fosse
menor (e não é), pois nesses grandes centros vige a regra geral de que só pode
ser aproveitado pelo adquirente da mercadoria o ICMS efetivamente pago na etapa
anterior, fora o fato de a alíquota interestadual de lá ser de 7% contra os 12%
daqui. São circunstâncias que inviabilizam o funcionamento do mecanismo.
Desse modo, somente os estados
localizados fora no eixo sul/sudeste poderiam representar alguma ameaça para
Goiás na atração e transferência dessas grandes indústrias, mas não em virtude
de uma eventual redução da renúncia fiscal goiana, que fora o Amazonas é 2 vezes maior, no mínimo, do que qualquer um dos Estados localizados nas regiões Norte, Centro-oeste e
Nordeste.
Goiás poderia ficar a mercê desses
estados por conta dos fracos investimentos públicos que fez nas últimas décadas
em pilares de competitividade empresarial, em especial os relativos ao seu
capital humano (educação), infraestrutura e inovação; cujos indicadores estão
entre os piores do país.
Goiás equivocou-se em apostar na
sua competitividade arrimada quase que exclusivamente em incentivos e
benefícios fiscais, e com isso negligenciou investimentos públicos necessários
para ser sustentavelmente competitivo. Resultado: dentre os estados brasileiros
é o 2º maior em renúncia fiscal e o 10º em competitividade. Os números são
implacáveis na demonstração desse equívoco.
Insistir nas distorções de nossa
política de incentivos fiscais é manter um mecanismo deletério em detrimento da
formação e manutenção de um Estado verdadeiramente competitivo, no modo e forma
recomendada por renomados organismos econômicos como a OCDE, FGV, FMI, Fórum
Econômico Mundial, Banco Mundial e CIAT.
Pesquisas e relatórios desses
organismos demonstram claramente que Goiás, com sua atual política de
incentivos e benefícios fiscais, está na contramão de quem busca
sustentavelmente desenvolvimento, emprego, renda e competitividade empresarial.
O mecanismo precisa ser
desmontado, pois efetivamente só transfere riqueza para o andar de cima,
agravando ainda mais a desigualdade brasileira.
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