NOTA
TÉCNICA
N.
001-DRFGNA, de 01 de março de 2017
Processo : 201700004010278
Interessado : Delegacia Estadual de Repressão a
Crimes Contra a Ordem Tributária – DOT.
EMENTA : MERCADORIA ESTOCADA OU EXPOSTA À VENDA EM ESTABELECIMENTO SEM CADASTRO
PERANTE A FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL. 1.
Omissão de obrigação tributária acessória com repercussão penal própria que
independe da apuração de possível redução/supressão de tributo. 2. Em tal situação o ICMS lançado de
ofício pela autoridade tributária é aferido por presunção/arbitramento, cujo
fato gerador é fruto de ficção jurídica, que apesar de autorizado pela lei
tributária não possui equivalente penal nos tipos materiais previstos no art.
1º da Lei 8.137/90, à mingua da real ocorrência do fato gerador do tributo em
questão. 3. A persecução penal sobre
a falta de inscrição no cadastro de contribuintes do ICMS deve ser interpretada
conjuntamente com a existência de mercadorias no recinto do estabelecimento, com
o fim de caracterizar a omissão de declaração ao fisco sobre entradas de mercadorias
no mesmo 4. A satisfatória
declaração de entrada de mercadorias em estabelecimento comercial só pode ser
feita por meio de documento fiscal apropriado, especialmente direcionado à
inscrição fiscal do contribuinte adquirente; sem a qual a declaração da entrada
das mercadorias se torna omissa, possibilitando com isso a futura saída dessas
mercadorias com o mesmo vício da omissão. 5.
A aquisição e estocagem de mercadorias sujeitas ao ICMS por estabelecimento sem
cadastro fiscal se trata de comportamento próprio daqueles que possuem o
propósito de se eximir, total ou parcialmente, do pagamento do referido
tributo, sujeitando-se por tal ao equivalente penal contido no tipo formal do Inciso
I do art. 2º da Lei n. 8.137/90.
- FUNDAMENTAÇÃO:
De ordem do titular da DRFGNA e com o fim de dirimir dúvidas
da polícia judiciária acerca de procedimentos fiscais tendentes a verificação
da regularidade de obrigações tributárias principais e acessórias afetas ao
ICMS que possuem repercussão penal, notadamente ao ilícito tributário de manter mercadorias estocadas e/ou expostas à venda
em estabelecimento sem cadastro perante a Fazenda Pública estadual,
temos a emitir a seguinte nota técnica:
Prefacialmente
ao cerne do tema em análise, necessário se faz que fique satisfatoriamente demonstradas
as diferenças entre obrigação tributária acessória e principal,
bem como o que vem a ser o critério material da regra matriz de
incidência tributária do ICMS e a adequada interpretação penal de tal critério.
Nessa
senda, a obrigação tributária principal, segundo o Art. 113, § 1º do
Código Tributário Nacional, surge com a ocorrência
do fato gerador e tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade
pecuniária. Trata-se de uma obrigação de dar (pagar) tributo ou penalidade
pecuniária.
Por
sua vez, a obrigação tributária acessória, conforme se extrai da
definição inserta no artigo 113, § 2º, do Código Tributário Nacional - CTN, é entendido como dever instrumental ou
formal, que se traduz na obrigação de fazer ou não fazer, exigindo do
contribuinte comportamento positivo ou negativo no intuito de viabilizar o
controle estatal sobre o regular cumprimento da obrigação tributária principal;
ou seja, o recolhimento do tributo devido.
Ressalta-se
ainda que o mesmo dispositivo do CTN que trata da obrigação tributária
acessória preconiza que essa decorre da "legislação tributária", que
na dicção do Art. 96 do mesmo CTN compreende as leis, tratados, decretos e
normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e as
respectivas relações jurídicas advindas do poder de tributar.
Já
a Regra Matriz de Incidência Tributária –
RMIT é uma criação doutrinária que faz a análise crítica do fato gerador do
tributo e suas consequências jurídicas, que são analisados à luz do que é
enunciado nas leis instituidoras do respectivo tributo, pois são nessas
normativas que residem os critérios antecedentes e consequentes da RMIT, que se
resumem em 5 (cinco) critérios: material, temporal, espacial, pessoal e
quantitativo.
Para
o tema em análise o elemento mais notável da RMIT é o critério material
do ICMS, que por essência se resume na definição jurídico-tributária do que vem
a ser: operação (negócio jurídico), circulação (mudança da
propriedade) e mercadoria (bens móveis objeto de mercancia); onde, uma
vez ocorrendo no mundo fático a conjugação concomitante desses três elementos, ocorre
também o fato gerador do ICMS; que, em regra, vem acompanhado da obrigação
principal de pagar o referido tributo.
Assim,
para os fins penais, inexequível conceber qualquer
resultado material de redução/supressão do ICMS sem que antes ocorra - no seu sentido
stricto
sensu -, o fato gerador do referido tributo, que na dicção do Art. 155,
II da CF/88, consubstancia-se em: “[...] operações
relativas à circulação de mercadorias [...]”. (grifamos)
Prefácio
posto, adentremos ao cerne da nota requerida.
Conforme
mencionado no introito, o que se encontra em exame são as consequências penais
quando a autoridade penal se depara com a seguinte hipótese fática: mercadorias
estocadas e/ou expostas à venda em estabelecimento sem cadastro perante a
Fazenda Pública estadual.
Naturalmente,
a análise criminal de tal contexto deve ser precedida da interpretação
preliminar da autoridade tributária; que, a rigor, é manifestada através do
lançamento do crédito tributário (auto de infração) referente à obrigação principal
(ICMS) reduzida/suprimida e/ou da obrigação acessória (penalidade pecuniária)
descumprida.
Destarte,
primeiramente discorreremos sobre as providências a serem tomadas pela
autoridade administrativa tributária quando se defronta com a situação hipotética
em análise.
A obrigação de se cadastrar perante a fazenda
pública antes de iniciar qualquer atividade profissional dedicada ao comércio
de mercadorias sujeitas ao ICMS se trata de dever instrumental imposto pelo
Código Tributário do Estado de Goiás, com grifos nossos, verbis:
Lei n. 11.651/91 -
CTE
Art. 152. Os
contribuintes do ICMS sujeitam-se à
inscrição no Cadastro de Contribuintes do Estado - CCE - e à prestação
de informações exigidas pela Administração Tributária.
Art. 153. A
inscrição deve ser feita, antes do
início das atividades, perante o órgão competente da Secretaria da
Fazenda, de acordo com as normas estabelecidas na legislação tributária.
Dúvidas
não há que se trata de uma obrigação tributária acessória, cujo descumprimento
enseja na imposição de multa formal (pena pecuniária) pela autoridade
administrativa, conforme preconiza o mesmo CTE, com grifos nosso, verbis:
Art. 71. Serão
aplicadas as seguintes multas:
XV - no valor de R$
R$ 2.652,37 (dois mil seiscentos e cinquenta e dois reais, trinta e dois
centavos):
d) por mês de
exercício de atividade, ou fração de mês, pela
falta de inscrição no Cadastro de Contribuintes do Estado ou pelo
funcionamento estando com o cadastro suspenso, paralisado temporariamente,
cassado ou baixado;
Importante frisar que a multa formal pela
falta do cadastro estadual só pode prosperar se tal circunstância estiver
acompanhada da existência de mercadorias sob o domínio do estabelecimento fixo
ou móvel; pois, caso constatado estabelecimento desprovido de bens móveis destinados
à mercancia (mercadorias), não há de se falar em descumprimento de obrigação
principal ou acessória relativa ao ICMS, à mingua de outro fato ou elemento que
demonstre com razoabilidade a omissão de tais obrigações pelo estabelecimento
objeto da vistoria fiscal.
Uma
vez constatado o estoque ou exposição à venda de mercadorias sujeitas ao ICMS em
estabelecimento sem cadastro fiscal, a legislação tributária reserva a seguinte
providência em relação ao pagamento do tributo, com grifos nossos, verbis:
Lei n. 11.651/91 –
CTE:
Art. 14. Considera-se,
também, ocorrido
o fato gerador do imposto, no momento:
[...]
V - da
verificação da existência de estabelecimento de contribuinte, não inscrito no
cadastro estadual ou em situação cadastral irregular, em relação ao
estoque de mercadorias nele encontrado;
[...]
Art. 19. Nas
seguintes situações específicas, a base de cálculo do imposto é:
[...]
VIII - o preço
corrente da mercadoria no mercado atacadista, acrescido do valor
resultante da aplicação de percentual de lucro bruto fixado segundo o disposto
em regulamento:
[.,..]
c) nas operações
com mercadorias destinadas a contribuintes não inscritos no cadastro estadual ou em
situação cadastral irregular;
Consentâneo
destacar que o lançamento do ICMS na hipótese em questão é autorizado por
ficção jurídica que por presunção CONSIDERA
OCORRIDO o fato gerador do referido tributo; pois, stricto sensu, o reclamado fato
gerador não ocorreu na forma litúrgica do termo; em razão de o simples depósito
de mercadorias em estabelecimento sem cadastro fiscal não configurar fato
gerador de obrigação tributária principal na forma estabelecida pela Regra
Matriz de Incidência do ICMS, que para tal exige a ocorrência simultânea dos
termos: operação, circulação e mercadorias.
Por
estar a autoridade tributária vinculada à lei, o lançamento é efetuado na forma
prevista na legislação; restando, pois, a apuração de possível repercussão
penal ante o fato constatado.
Nesse
caminho, conforme demonstrado na situação hipotética em análise, o mesmo fato ensejou
em duas autuações, um referente à multa formal
pela não inscrição prévia no cadastro de contribuintes do Estado e outro pelo ICMS suprimido (presumidamente) em relação ao
estoque existente em estabelecimento sem cadastro.
Não
obstante haver previsão legal de lançamento do ICMS nesse sentido, o que induz possível
resultado material de sonegação fiscal, o simples lançamento do tributo não
determina a incidência dos tipos penais do Art. 1º da n. Lei 8.137/90; embora o
lançamento tributário constitua condição objetiva de punibilidade (Lei nº
9.430/96, art. 83).
Isso
porque – repisamos - no caso hipotético em análise não houve o efetivo fato
gerador do tributo, consubstanciado na ocorrência simultânea dos elementos: operação, circulação
e mercadoria; sendo identificado apenas
o elemento “mercadoria”; à mingua de constatação de negócio jurídico de venda (operação)
que transmite a propriedade das mercadorias encontradas (circulação).
Dessa
forma, não há como considerar possível crime
material de redução/supressão de tributos, já que a origem do lançamento advém
de fato gerador ficto, não sendo a presunção de sonegação (material) suficiente
para repercutir no campo penal.
Impraticável, do ponto de vista penal, reduzir
ou suprimir o ICMS sem a efetiva ocorrência de todos os elementos previstos no
art. 155, II da CF/88 para a hipótese de incidência do Referido tributo.
Nesse
sentido o Colendo STJ, com grifos nossos:
HABEAS CORPUS.
CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. EXPOSIÇÃO DE MERCADORIAS À VENDA SEM A EMISSÃO
DA NOTA FISCAL DE TRÂNSITO. ATOS TENDENTES À SUPRESSÃO DE TRIBUTO. ART. 2o., I
DA LEI 8.137/90. AUSÊNCIA DE EFETIVA
VENDA DA MERCADORIA (FATO GERADOR DO ICMS). NÃO CONFIGURAÇÃO DO DELITO DO ART.
1o., V DA LEI 8.137/90 QUE DEPENDE DA OCORRÊNCIA DE EFETIVO PREJUÍZO À
FAZENDA PÚBLICA. PARECER DO MPF PELA CONCESSÃO DO WRIT. ORDEM CONCEDIDA PARA
DETERMINAR A REMESSA DOS AUTOS AO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL.1. O STJ possui o entendimento no sentido de
que para a configuração do delito tipificado no art. 1o., V da Lei 8.137/90 é
necessária a efetiva venda da mercadoria ou prestação do serviço (fato gerador
do ICMS), isso porque é crime material, dependendo da ocorrência de prejuízo
para o Estado, consistente na supressão ou redução do tributo. 2. No
caso, a paciente apenas expôs a mercadoria à venda sem a emissão da nota fiscal
de trânsito, conduta tipificada, em tese, no art. 2o., I da Lei 8.137/90 (atos
preparatórios da sonegação), porquanto não houve a efetiva venda da mercadoria
(fato gerador do tributo). 3. A inscrição do débito na dívida ativa,
conquanto seja condição objetiva de punibilidade (art. 83 da Lei 9.430/96), não
altera a tipificação da conduta da paciente, mormente quando evidenciado que a
ré não praticou sequer o fato gerador do tributo, como in casu. Precedentes do
STJ. 4. Ordem concedida, em
conformidade com o parecer ministerial, para determinar a remessa dos autos ao
Juizado Especial Criminal para a apuração do suposto delito tipificado no art.
2o., I da Lei 8.137/90. (HC 174.120/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA
FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 25/11/2010, DJe 13/12/2010)
Ainda
na senda do supratranscrito acordão, no concernente ao elemento subjetivo
especial, consistente na omissão de se inscrever no cadastro de contribuintes
antes de iniciar a atividade profissional de venda de mercadorias sujeitas ao
ICMS, não há maiores dificuldades em extrair desse ato a dolosa intenção de: “eximir-se, total ou parcialmente, de
pagamento de tributo”.
É
que ao circular mercadorias sujeitas ao ICMS sem prévio cadastro fiscal, o contribuinte
irregular acaba por não declarar ao fisco a aquisição dessas mercadorias para
revenda, que só pode ser feita por meio de documento e livros fiscais
especialmente direcionados à inscrição fiscal do contribuinte; que por sua vez,
não pode emitir o documento fiscal de uma futura venda em razão da mesma falta
de cadastro no órgão fazendário, deixando de escriturar e declarar as saídas
dessas mesmas mercadorias, e por consequência eximindo-se do pagamento do
tributo que seria apurado em razão dessas operações.
Por
óbvio, a ignorância da fazenda pública em relação a existência informal de
contribuinte que se dedica a atividade de comercialização de mercadorias, faz
com que a Administração Tributária não tenha como identificar com a mínima
razoabilidade, possível supressão tributária advinda de tal atividade.
Assim,
a pessoa que desenvolve atividade comercial de forma irregular, sem cadastro
fiscal, e por consequência sem escriturar notas de entrada em livro fiscal, sem
emitir e escriturar notas fiscais de venda, e sem declarar ao fisco pelos meios
eletrônicos próprios os fatos geradores e os respectivos e tributos devidos;
obviamente, exime-se do pagamento dos tributos.
Portanto
o contexto da hipótese fática posta em análise demonstra claramente que o
exercício de atividade comercial sem o devido cadastro fiscal, torna manifesta a
intenção de eximir-se totalmente do pagamento do tributo devido,
caracterizando, portanto, o elemento subjetivo especial do tipo contido no Art.
2º, I da Lei n. 8.137/90.
- CONCLUSÃO:
Finalizando a presente nota técnica, em relação a
repercussão penal da conduta de: manter mercadorias estocadas e/ou
expostas à venda em estabelecimento sem cadastro perante a Fazenda Pública estadual;
consignamos aos agentes da polícia judiciária, salvo o seu melhor entendimento,
o seguinte:
1.
Trata-se de omissão de obrigação tributária acessória com repercussão penal
própria que independe da apuração de possível redução/supressão de tributo;
2.
Em tal situação o ICMS lançado de ofício pela autoridade tributária é aferido
por presunção/arbitramento, cujo fato gerador é fruto de ficção jurídica, que
apesar de autorizado pela lei tributária não possui equivalente penal nos tipos
materiais previstos no art. 1º da Lei 8.137/90, à mingua da real ocorrência do
fato gerador do tributo em questão;
3.
A persecução penal sobre a falta de inscrição no cadastro de contribuintes do
ICMS deve ser interpretada conjuntamente com a existência de mercadorias no
recinto do estabelecimento, com o fim de caracterizar a omissão de declaração
ao fisco sobre entradas de mercadorias no mesmo;
4.
A satisfatória declaração de entrada de mercadorias em estabelecimento
comercial só pode ser feita por meio de documento fiscal apropriado,
especialmente direcionado à inscrição fiscal do contribuinte adquirente; sem a
qual a declaração da entrada das mercadorias se torna omissa, possibilitando
com isso a futura saída dessas mercadorias com o mesmo vício da omissão.
5.
A aquisição e estocagem de mercadorias sujeitas ao ICMS por estabelecimento sem
cadastro fiscal se trata de comportamento próprio daqueles que possuem o
propósito de se eximir, total ou parcialmente, do pagamento do referido
tributo, sujeitando-se por tal ao equivalente penal contido no tipo formal do Inciso
I do art. 2º da Lei n. 8.137/90.
DRFGNA, 01/03/2017