As recentes alterações legislativas, destinadas a modernizar o ambiente de negócios no Brasil, facilitando a abertura e funcionamento de empresas, também abriram brechas exploradas por organizações criminosas. Um exemplo desses efeitos colaterais foi a proliferação de empresas denominadas de “noteiras”.
Essas empresas são utilizadas para fraudes fiscais, emitindo grandes quantidades de notas fiscais em curtos períodos, sem correspondência com operações comerciais reais. O resultado é um prejuízo substancial aos cofres públicos e uma concorrência desleal que prejudica o mercado.
É cada vez mais comum encontrar notícias na imprensa sobre operações dos órgãos de repressão no combate a empresas noteiras. Essas ações, frequentemente realizadas pelas autoridades fiscais e policiais, visam desmantelar organizações que utilizam empresas fantasmas para cometer fraudes fiscais e lavar dinheiro. Operações de grande porte atraem a atenção pública e ganham destaque nas manchetes dos jornais, evidenciando a gravidade e a dimensão do problema.
Embora as ações repressivas adotadas sejam, sem dúvida, importantes e necessárias para o combate às infrações, é preciso reconhecer que essas iniciativas estão longe de representar um motivo de celebração. Ao contrário, a intensificação das ações repressivas apontam dificuldades no funcionamento do controle preventivo.
Apesar de ser possível identificar as empresas noteiras por meio de monitoramento fiscal e tecnologias disponíveis, a legislação atual impõe um processo lento e burocrático para impedir seu funcionamento. Tais limitações legais não impedem, mas retardam fortemente a adoção de ações eficazes e rápidas por parte das autoridades fiscais, permitindo que as empresas noteiras continuem operando e causando danos significativos antes de serem efetivamente bloqueadas.
Mesmo diante das limitações impostas pela legislação, o fisco estadual atua de forma razoável e proativa, identificando e bloqueando essas empresas logo nos primeiros indícios de fraude. Todavia, na maioria dos casos, as noteiras bloqueadas recorrem ao Judiciário argumentando abuso na fiscalização, conseguindo, não raro, liminares que lhes permitem operar por mais de um ano.
Nesse momento, a luta do fisco contra as empresas noteiras torna-se inglória, pois as liminares judiciais atuam como verdadeiros alvarás que permitem a continuidade da ação criminosa, ampliando os prejuízos ao erário e ao mercado. Esse paradoxo jurídico, em que a medida acautelatória adotada pelo fisco é seguida pela suspensão do respectivo ato por decisões liminares, não só causa perplexidade, mas também fomenta a sensação de impunidade.
O Estado de Goiás tem sido vítima frequente das atividades ilícitas dessas organizações criminosas, especialmente no setor de commodities agrícolas. Anualmente, milhares de toneladas de grãos são retiradas do estado por meio de documentos fiscais emitidos por empresas noteiras.
O agronegócio goiano também atrai o esquema conhecido como "boi de papel", no qual empresas noteiras emitem documentos fiscais ideologicamente falsos para dar ares de regularidade a gado já abatido, inexistente ou alienado a terceiros que não querem aparecer no negócio. Trata-se de um estratagema bastante utilizado na lavagem de dinheiro.
Anualmente, bilhões de reais que deveriam ser direcionados aos cofres estaduais escoam pelos ralos das empresas noteiras, comprometendo diretamente a capacidade do Estado de prover suas políticas públicas. Enquanto isso, esses valores financiam atividades criminosas e alimentam redes ilícitas que se fortalecem à sombra da impunidade.
Trata-se de um verdadeiro assalto aos cofres públicos, cujas consequências recaem diretamente sobre o cidadão comum, que, ao final, é o maior prejudicado por essa máquina de fraudes.
Um fator relevante que sustenta o funcionamento das empresas noteiras é a confortável sensação do crime sem castigo, reforçada pela razoável certeza de proteção judicial quando o fisco ameaça desmantelar o esquema.
Urge, então, corrigir o descompasso entre as ações do fisco e o posicionamento do Judiciário, em homenagem à prevenção em vez da repressão. Do contrário, reprimir noteiras exigirá cada vez mais operações policiais.
Cláudio Modesto
Auditor-Fiscal,
Diretor Jurídico do Sindifisco, e
Diretor Jurídico da Fenafisco.