Em
2006 o contribuinte goiano popularmente conhecido pelo nome de Arroz Cristal
ingressou com ação declaratória sob o fundamento de que o benefício da redução
de base de cálculo previsto na legislação goiana possui natureza jurídica
diversa ao do benefício da isenção, fato que lhe autorizava a não estornar
proporcionalmente os créditos do ICMS recebidos pela entrada da mercadoria,
cujas saídas forem contempladas pela redução de base de cálculo.
O
fundamento jurídico do pedido declaratório intentado pelo contribuinte foi
arrimado única e exclusivamente na pretensa ofensa ao art. 155 da Constituição Federal
pelo art. 58 Decreto estadual n. 4.852/97.
Ao
contrário de centenas de outras ações espalhadas pelo país com a mesma tese,
inclusive de contribuintes goianos, o Arroz Cristal obteve êxito na prestação
jurisdicional invocada, e segundo consta já compensou R$ 80 milhões do ICMS
devido ao Estado de Goiás, ainda restando outros R$ 100 milhões a compensar em
razão dos créditos estornados conforme determinava a legislação tributária
goiana, que, aliás, continua valendo para os demais contribuintes.
Porém,
analisando os autos do processo em questão extrai-se que o resultado destoante
das demais ações no mesmo sentido é resultado do descuido na defesa do Estado,
especialmente na fase recursal.
Não
obstante o magistrado de 1º grau dar procedência ao pedido, sua sentença foi
publicada com gritantes defeitos que poderiam ser facilmente corrigidos em grau
de recurso.
Um
dos defeitos que deixaram de ser questionados pelo Estado em grau de apelação
foi o fato de o contribuinte ter atravessado petição às vésperas da sentença, onde modificou substancialmente a causa de pedir da ação declaratória em razão do recente
trânsito em julgado no STF do RE 174.478/SP, que jogou por terra o argumento de que
redução de BC e isenção são institutos jurídicos distintos.
Vendo
seu fundamento jurídico inicial pisoteado pelo STF, modificou-o completamente, argumentando
que na verdade seu pedido tinha por fundamento o permissivo contido no Convênio
ICMS 128/94, requerendo que a sentença fosse fundamentada na contrariedade do
referido convênio pelo Dec. 4.852/97, sendo integralmente atendido pelo
magistrado singelo que sentenciou exatamente nesse sentido, sem, contudo, dar oportunidade ao Estado de refutar a inovação na causa de pedir.
Tal
fato processual afrontou dois princípios processuais fundamentais que poderiam
levar à cassação da sentença. Um foi a inobservância da estabilização objetiva
da demanda, que veda a alteração da causa de pedir após o saneamento do feito.
Outro é do contraditório, onde somente os argumentos e fundamentos submetidos à
manifestação precedente das partes podem ser aplicados pelo julgador, devendo
este intimar os interessados para que se pronunciem previamente sobre questão
não debatida que pode eventualmente ser objeto de deliberação judicial.
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Verifica-se
que a peça de apelação do Estado não fez a mais pálida menção dessas preliminares,
limitando-se a encampar e rebater a tese lançada na sentença que afasta a aplicação do Dec. 4.852/97, amparando-se no Convênio
ICMS 128/94, que sozinho autorizaria de forma automática a apropriação integral de
créditos do ICMS de entrada de mercadorias posteriormente vendidas com redução de BC.
Outro
erro determinante na derrota judicial do Estado foi a manobra processual
efetuada pelo contribuinte e não identificada pelo Estado logo após a
confirmação da sentença em acórdão do TJGO, onde o contribuinte ciente de que o Convênio
ICMS 128/94, sozinho, não lhe garantia o direito ao creditamento integral do
ICMS, e já vislumbrando uma provável reforma da decisão local nos tribunais
superiores, agravou a decisão do TJGO com outra inovação, alegado dessa vez
omissão no acórdão agravado quanto a aplicação da Lei 13.453/99, que
curiosamente só foi citada no processo nesse momento processual. O Estado, por
sua vez, não agravou a decisão do TJGO.
A
manobra surtiu efeito e mesmo sendo o agravo rejeitado pelo TJGO, deixou registrado em seu teor que o voto
questionado foi claro em dispor que: “... a
Lei Estadual n. 13.453/97 autoriza a redução de base de cálculo com a
manutenção do crédito...”, afirmação essa
em total descompasso com o teor do acórdão agravado, que não faz
menção alguma sobre a referida lei, tampouco o citado diploma autoriza o não estorno dos
créditos do ICMS nas saídas de mercadorias com redução de base de cálculo.
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Contribuintes goianos que tentaram a mesma tese no Judiciário, sem sucesso |
Assim,
o Estado apresenta recurso ao STF ignorando o fato de que os embargos opostos
pelo contribuinte acabaram inovando a decisão do tribunal local, que confirmou
equivocadamente que a Lei estadual n. 13.453/97 concedida autorização. Se tal
circunstância fosse prequestionada, além do R.E., caberia Resp. ao STJ, com grande
possibilidade de êxito.
Com
um recurso que na prática versava tão somente sobre a impertinência da autorização
automática de estorno conferida pelo Convênio ICMS 128/94, numa lacônica
decisão monocrática, confirmada pelos agravos que se seguiram, o Min. Gilmar
Mendes negou provimento ao recurso do Estado de Goiás, concordando que o referido convênio realmente traz apenas uma faculdade ao ente tributante, porém consignando que o TJ de origem teria afirmado em
acórdão a existência de lei local (13.453/97) que autoriza o não estorno do ICMS, não cabendo ao STF adentrar na seara infraconstitucional, tarefa
dos tribunais inferiores.
Com
o trânsito em julgado da ação o contribuinte requereu da pasta fazendária o
aproveitamento dos créditos não estornados, na ordem de R$ 180 milhões, já
tendo abatido perto da metade desse valor no ICMS que deveria recolher ao
Estado de Goiás.