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quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Quem pega o sabonete?


“Compre sempre na baixa, venda sempre na alta e não se abaixe para apanhar o sabonete”. A frase, atribuída ao genial Millôr Fernandes, retrata bem a cupidez e o escasso pudor das regras que predominam no mercado financeiro.

Essa falta de pudor ganha contornos ainda mais ousados quando a vontade de lucrar do mercado une forças com a perene necessidade dos governos em fazer dinheiro fácil e rápido, como, por exemplo, ocorre com a proposta de securitização da dívida ativa, que ultraja regras básicas de conservação da higidez fiscal.

Com o falacioso discurso de que a securitização tem por objeto os créditos podres que o Estado não consegue receber, esquiva-se de explicar por qual razão a cobrança do crédito continuará sob a responsabilidade do Estado mesmo depois de cedido ao mercado, que a partir de então seria o único interessado nessa cobrança.

A razão da cobrança continuar com o Estado é que não existe a cessão do crédito em si, mas sim do dinheiro já recolhido pelo contribuinte. Termos da proposta como “direitos originários” e “cessão de fluxo financeiro”, autorizam que a receita pública arrecadada pela rede bancária seja diariamente capturada e desviada como garantia que o Estado não deixe de remunerar o investimento exatamente como pactuado.

Também não explica que os ativos classificados de “sênior” e “subordinado” distinguem os créditos bons dos podres, sendo os bons colocados no mercado por meio da modalidade “esforços restritos”, significando que serão discretamente direcionados a investidores privados privilegiados, e os créditos podres devolvidos ao ente público cedente.

A proposta nada mais é do que a possibilidade do rápido ingresso de dinheiro em caixa através de uma disfarçada e salgada operação de crédito, que será garantida pela alienação fiduciária da receita tributária oriunda de créditos líquidos e certos, produzindo com isso um passivo muito maior que o valor recebido, que será penosamente pago com exponencial dano à receita pública dos exercícios seguintes.

Não por acaso propostas semelhantes foram recebidas com duras críticas dos órgãos de controle de diversos entes da federação, alguns respondendo com ações de improbidade contra os idealizadores locais da securitização.

Caso a securitização se concretize por estas bandas, não tenho dúvidas de quem será obrigado a se abaixar para pegar o sabonete.

Então, torçamos para que não o deixem cair.


Cláudio Modesto
Auditor-Fiscal e Diretor Jurídico do SINDIFISCO/GO

sábado, 7 de julho de 2018

Reinstituir o equilíbrio fiscal

Reinstituir o equilíbrio fiscal
 O estado de Goiás é de longe o ente da federação que mais tolera a renúncia fiscal, que segundo o TCE alcança cerca de 35% de sua receita líquida, algo em torno de R$ 9 bilhões por ano. Para se ter uma ideia da discrepância da nossa desoneração MG, MT, SP, BA, DF e ES dedicam entre 5% e 9% de suas receitas líquidas com renúncias fiscais.
Doutro prisma, a atual politica goiana de renúncia fiscal é praticamente voltada para a conservação do status quo de nichos empresariais, que há décadas se beneficiam das desonerações, sem submissão a quase nenhum tipo de controle ou mensuração do retorno social ou econômico que deveriam produzir em troca da benesse, que na maioria dos casos continuam vigorando sem fins específicos e sem fim definido.
A novidade é que o governo pode alterar tal contexto ainda neste ano de 2018, por ocasião da fase de reinstituição de benefícios prevista no Convênio ICMS 190/2017, que regulamentou a festejada convalidação de benefícios instituída pela Lei Complementar n. 160/2017.
A citada legislação zerou a inconstitucionalidade dos benefícios e incentivos fiscais concedidos sem autorização do Confaz; mas, em compensação, admite que os estados revisem a dosagem e o alcance dessas renúncias no momento da sua reinstituição; podendo modificar regras, reduzir percentuais ou até mesmo extinguir o benefício, sem margem para questionamentos sobre pretensa quebra de contrato ou ofensa a direito adquirido; afinal, as benesses eram flagrantemente inconstitucionais.
Essa chance de rever a gigantesca renúncia fiscal goiana talvez seja a mais prática e menos traumática oportunidade que temos, após décadas, de fortalecer as contas públicas sem instituir tributos ou comprometer investimentos. A título de ilustração, uma redução linear de 10% da renúncia aqui praticada significaria, por ano, cerca de R$ 1 bilhão nos cofres públicos, tudo isso sem Goiás perder a sua primeira colocação no ranking da renúncia.
Assim, o governo não só pode como tem o dever de reduzir a inverossímil renúncia praticada em Goiás, impondo condições austeras de fruição e fixando prazo razoável de vigência, devendo a sociedade goiana cobrar que essas providências constem dos projetos de lei que reinstituirão os benefícios, garantindo assim uma nova politica tributária com menos renúncia e mais justiça fiscal.
Goiás não pode perder essa oportunidade. É a chance que temos de começar inverter a perversa lógica de prestigiar o presente com prejuízo ao futuro.

Cláudio Modesto
Auditor-Fiscal
Diretor Jurídico do Sindifisco/GO