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  • Por que protegemos um sistema que nos fere?

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terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Corrida ao fundo


A corrida ao fundo ou “Race to the bottom” é uma metáfora utilizada por americanos no início do século XX diante um cenário de guerra comercial e fiscal entre estados da federação estadunidense, onde alguns entes a pretexto de oferecerem um ambiente empresarial com menor custo e maior competitividade afrouxaram leis tributárias, ambientais e trabalhistas, dentre outras regras de segurança e saúde que repercutiam no balanço das empresas.

Foi o termo encontrado para explicar que oferecer competitividade empresarial sacrificando o bem-estar social é imoral, antiético e prejudicial à coletividade, podendo levar o ente federado ao fundo do poço.

Infelizmente, em um mundo onde política, dinheiro e poder caminham de mãos dadas, proporcionar competitividade empresarial através de benesses tributárias se tornou um equívoco recorrente do estado. Renunciar receita pública em favor da pretensa competitividade de conglomerados empresariais significa o estado se autoprivar dos recursos necessários à promoção do bem-estar social, inclusive dos investimentos que deveria realizar em infraestrutura, educação e segurança, importantes pilares que sustentam e mensuram a competitividade entre os estados brasileiros, segundo o Centro de Liderança Política - CLP.

A equivocada política pública de incentivos fiscais com o fim de oferecer competitividade a corporações privadas em detrimento de investimentos públicos em setores e áreas que verdadeiramente dão sustentabilidade à competitividade estadual (infraestrutura, educação, segurança, etc.), juntamente com seus deletérios efeitos podem ser notados com facilidade no Ranking da Competitividade Estadual da CLP do ano de 2019, onde o 1º colocado em renúncia tributária, o Estado do Amazonas, figura em 16º lugar entre os estados mais competitivos, e o Estado de Goiás, 2º colocado em renúncia de receita, figura em 13º lugar na competitividade que oferece a seus empreendedores.

Doutra banda, o Ceará se encontra uma posição à frente de Goiás em termos de competitividade (12º), alcançado essa melhor posição com uma renúncia de receita 8 vezes menor que a goiana. Já Santa Catarina, praticando 60% da renúncia fiscal de Goiás é a 2ª colocada em termos de competitividade nacional, perdendo apenas para São Paulo, que está em 1º lugar com uma renúncia fiscal perto de 4 vezes menor que a praticada por Goiás em termos proporcionais à respectiva receita.

Constata-se, pois, que o arrojo despendido por Goiás e Amazonas no ato de abrir mão de suas receitas em favor de grandes empresas não contribuiu para o aumento da respectiva competitividade empresarial, pelo contrário, os números do CLP demonstram que a competitividade estadual é maior onde a renúncia fiscal é menor.

Tal constatação é um apenas um dos vários indícios que demonstram a necessidade de abandonarmos o mais rápido possível essa corrida ao fundo do poço.





quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Fomentar/Produzir custou R$ 600 mil por cada emprego gerado


O Instituto Mauro Borges de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos - IMB realizou a análise do impacto do custo econômico dos programas fomentar e produzir, além do uso do crédito outorgado em programas de incentivos fiscais promovidos pelo Estado de Goiás entre os anos de 2005 e 2016.

O balanço do estudo concluiu que os incentivos oferecidos pelos referidos programas não conseguiram atingir os objetivos que justificaram sua implementação. Em resumo o IMB concluiu que o Fomentar/Produzir tratam-se de programas pífios e caros para a sociedade.

Ao contrário do esperado os programas Fomentar/Produzir impactaram negativamente no valor adicionado bruto da indústria, ou seja, não conseguiu incentivar na medida esperada a expansão, modernização, diversificação e renovação tecnológica das estruturas produtivas.

Analisando as 100 maiores empresas beneficiárias observou-se que o custo médio do emprego no ano de 2012 foi de R$ 34 mil. Quando se restringiu essa análise para as 40 maiores beneficiárias o custo de cada emprego chegou a R$ 59 mil no mesmo ano. Em 2017 esse custo subiu para R$ 95 mil.

Restringindo-se as 30 maiores empresas beneficiárias dos programas o custo de cada emprego alcançou R$ 81 mil; em 2017 R$ 120 mil. Para as 20 maiores beneficiárias do programa em 2012 esse custo foi de R$ 112 mil, que em 2017 subiu para R$ 188 mil.

Quando se isolou as 10 maiores beneficiárias da renúncia fiscal goiana o custo do emprego em 2012 chegou a R$ 732 mil; e no ano de 2017 diminuiu para R$ 638 mil.

Clique na imagem para acessar o estudo completo
Porém, a maior distorção foi identificada no ano de 2017 no setor de fabricação de preparações farmacêuticas, com um custo de R$ 6.354.000 para um único vínculo empregatício.

Hoje, o custo médio de uma vaga de emprego no Brasil, incluindo impostos, é de R$ 56 mil. Considerando as 10 maiores empresas beneficiárias de incentivos fiscais, o Estado de Goiás pagou 10 vezes mais para cada emprego gerado por essas empresas.

Uns dos responsáveis pelo estudo do IMB, o economista Anderson Teixeira Mutte, declarou que a política de renúncia fiscal que vem sendo praticada em Goiás é cara é pífia, devendo ser repensada, pois nada justifica a geração de emprego com um custo tão alto para a sociedade.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Emenda PROGOIÁS, os lobistas agradecem


O PROGOIÁS foi apresentado pela pasta fazendária como substituto do programa de incentivos fiscais FOMENTAR, que se encontra inviabilizado por conta das ações judiciais promovidas pelos municípios que reclamaram e ganharam na justiça o direito de receber 25% do ICMS que são absorvidos no bojo da renúncia fiscal.

Uma das grandes novidades trazidas no projeto original do PROGOIAS foi o seu funcionamento sem vinculação ou interveniência de um “Conselho Deliberativo”, circunstância que facilita o acesso do empreendedor ao incentivo, cuja dificuldade de adesão ao programa passaria a ser como a de uma compra de passagem aérea pela internet.

Entretanto, é noticiado que a “pedido” do setor produtivo o projeto original foi emendado com dispositivo que insere no PROGOIAS a interveniência de um Conselho Deliberativo, a exemplo do que ocorre com o FOMENTAR.

Custa crer que o setor produtivo solicitou esse “aperfeiçoamento” no projeto de lei, que, no mínimo, acrescentará mais 6 meses na tramitação do pedido de adesão somado a 10% do valor total do incentivo a título de antecipação, além de viabilizar a interposição de assessorias tributárias e econômicas que cobram caros honorários para “tocar” o processo de adesão.

Mas o que mais preocupa no funcionamento desse tipo de conselho é a alta probabilidade de interferência política em suas decisões, já que o respectivo colegiado é formado por integrantes indicados por notórios interessados na política de incentivos fiscais, cujo voto tem o poder de aprovar, vetar, alterar e livrar de penalidades projetos e metas afetas ao contribuinte beneficiário do programa.

 Ação de improbidade
Um exemplo típico da espécie duvidosa de interferência nas decisões do Conselho Deliberativo em análise de incentivos fiscais é objeto de Ação Civil Pública em curso na 5.ª Vara da Fazenda Estadual da Comarca de Goiânia, onde o MP cobra possível improbidade de conselheiros ligados a ADIAL e FIEG, que em sessão do Conselho Deliberativo do FOMENTAR teriam favorecido empresa que não atingiu metas mínimas para fruição do incentivo, decidindo pela regularidade da fruição de forma retroativa, sem, contudo, haver previsão legal para tal.

O ressarcimento ao erário que o MP requer pelo ato improbo é na ordem de R$ 1,1 milhão.

Vingando a emenda que insere o Conselho Deliberativo no âmbito do PROGOIAS fará do avanço um retrocesso. Doutro lado, os lobistas agradecem.

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

“Derrapada” jurídica que custou R$ 180 milhões a Goiás


Em 2006 o contribuinte goiano popularmente conhecido pelo nome de Arroz Cristal ingressou com ação declaratória sob o fundamento de que o benefício da redução de base de cálculo previsto na legislação goiana possui natureza jurídica diversa ao do benefício da isenção, fato que lhe autorizava a não estornar proporcionalmente os créditos do ICMS recebidos pela entrada da mercadoria, cujas saídas forem contempladas pela redução de base de cálculo.

O fundamento jurídico do pedido declaratório intentado pelo contribuinte foi arrimado única e exclusivamente na pretensa ofensa ao art. 155 da Constituição Federal pelo art. 58 Decreto estadual n. 4.852/97.

Ao contrário de centenas de outras ações espalhadas pelo país com a mesma tese, inclusive de contribuintes goianos, o Arroz Cristal obteve êxito na prestação jurisdicional invocada, e segundo consta já compensou R$ 80 milhões do ICMS devido ao Estado de Goiás, ainda restando outros R$ 100 milhões a compensar em razão dos créditos estornados conforme determinava a legislação tributária goiana, que, aliás, continua valendo para os demais contribuintes.

Porém, analisando os autos do processo em questão extrai-se que o resultado destoante das demais ações no mesmo sentido é resultado do descuido na defesa do Estado, especialmente na fase recursal.

 declaratóriaNão obstante o magistrado de 1º grau dar procedência ao pedido, sua sentença foi publicada com gritantes defeitos que poderiam ser facilmente corrigidos em grau de recurso.

Um dos defeitos que deixaram de ser questionados pelo Estado em grau de apelação foi o fato de o contribuinte ter atravessado petição às vésperas da sentença, onde modificou substancialmente a causa de pedir da ação declaratória em razão do recente trânsito em julgado no STF do RE 174.478/SP, que jogou por terra o argumento de que redução de BC e isenção são institutos jurídicos distintos.

Vendo seu fundamento jurídico inicial pisoteado pelo STF, modificou-o completamente, argumentando que na verdade seu pedido tinha por fundamento o permissivo contido no Convênio ICMS 128/94, requerendo que a sentença fosse fundamentada na contrariedade do referido convênio pelo Dec. 4.852/97, sendo integralmente atendido pelo magistrado singelo que sentenciou exatamente nesse sentido, sem, contudo, dar oportunidade ao Estado de refutar a inovação na causa de pedir.

Tal fato processual afrontou dois princípios processuais fundamentais que poderiam levar à cassação da sentença. Um foi a inobservância da estabilização objetiva da demanda, que veda a alteração da causa de pedir após o saneamento do feito. Outro é do contraditório, onde somente os argumentos e fundamentos submetidos à manifestação precedente das partes podem ser aplicados pelo julgador, devendo este intimar os interessados para que se pronunciem previamente sobre questão não debatida que pode eventualmente ser objeto de deliberação judicial.

 Linha do tempo
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Verifica-se que a peça de apelação do Estado não fez a mais pálida menção dessas preliminares, limitando-se a encampar e rebater a tese lançada na sentença que afasta a aplicação do Dec. 4.852/97, amparando-se no Convênio ICMS 128/94, que sozinho autorizaria de forma automática a apropriação integral de créditos do ICMS de entrada de mercadorias posteriormente vendidas com redução de BC.

Outro erro determinante na derrota judicial do Estado foi a manobra processual efetuada pelo contribuinte e não identificada pelo Estado logo após a confirmação da sentença em acórdão do TJGO, onde o contribuinte ciente de que o Convênio ICMS 128/94, sozinho, não lhe garantia o direito ao creditamento integral do ICMS, e já vislumbrando uma provável reforma da decisão local nos tribunais superiores, agravou a decisão do TJGO com outra inovação, alegado dessa vez omissão no acórdão agravado quanto a aplicação da Lei 13.453/99, que curiosamente só foi citada no processo nesse momento processual. O Estado, por sua vez, não agravou a decisão do TJGO.

A manobra surtiu efeito e mesmo sendo o agravo rejeitado pelo TJGO,  deixou registrado em seu teor que o voto questionado foi claro em dispor que: ... a Lei Estadual n. 13.453/97 autoriza a redução de base de cálculo com a manutenção do crédito..., afirmação essa em total descompasso com o teor do acórdão agravado, que não faz menção alguma sobre a referida lei, tampouco o citado diploma autoriza o não estorno dos créditos do ICMS nas saídas de mercadorias com redução de base de cálculo.

Contribuintes goianos que tentaram a mesma tese no Judiciário, sem sucesso
Assim, o Estado apresenta recurso ao STF ignorando o fato de que os embargos opostos pelo contribuinte acabaram inovando a decisão do tribunal local, que confirmou equivocadamente que a Lei estadual n. 13.453/97 concedida autorização. Se tal circunstância fosse prequestionada, além do R.E., caberia Resp. ao STJ, com grande possibilidade de êxito.

Com um recurso que na prática versava tão somente sobre a impertinência da autorização automática de estorno conferida pelo Convênio ICMS 128/94, numa lacônica decisão monocrática, confirmada pelos agravos que se seguiram, o Min. Gilmar Mendes negou provimento ao recurso do Estado de Goiás, concordando que o referido convênio realmente traz apenas uma faculdade ao ente tributante, porém consignando que o TJ de origem teria afirmado em acórdão a existência de lei local (13.453/97) que autoriza o não estorno do ICMS, não cabendo ao STF adentrar na seara infraconstitucional, tarefa dos tribunais inferiores.

Com o trânsito em julgado da ação o contribuinte requereu da pasta fazendária o aproveitamento dos créditos não estornados, na ordem de R$ 180 milhões, já tendo abatido perto da metade desse valor no ICMS que deveria recolher ao Estado de Goiás.