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sábado, 8 de dezembro de 2018

Photoshop contábil


Prestar contas no exclusivo interesse de satisfazer a própria expectativa, sem, contudo, afetar a credibilidade dos números apresentados, é tarefa inglória. Não à toa a criatividade na contabilização de receitas e despesas quase sempre leva a alguma fraude ou “pedalada” fiscal.
O criacionismo contábil tem por premissa a esquiva do principal objetivo da contabilidade, que é o de fielmente registrar a situação patrimonial e fiscal da entidade. Assim, à luz da ética e da moral, a contabilidade criativa caminha na escuridão, pois, é cega diante princípios elementares da ciência contábil.
A maquiagem de contas contribuiu decisivamente na consolidação do atual quadro de penúria financeira vivenciada pelos estados. A real gravidade do desiquilíbrio entre receita e despesa foi solapada durante anos, graças à boa tolerância que os órgãos de fiscalização e controle têm com a metodologia contábil personalizada utilizada por uma boa parte dos entes públicos, justamente os que, hoje, encontram-se em colapso.
A Secretaria do Tesouro Nacional (STN) há muito vem acusando a prática da contabilidade criativa e a leniência dos órgãos de controle em relação a essa. Um dos apontamentos do STN revela que no ano de 2017 a maioria dos estados se enquadraram artificialmente em limites prudenciais da lei de responsabilidade fiscal, através da contabilização de percentuais menores de comprometimento da receita corrente líquida (RCL) com a respectiva folha de pagamento.
Goiás, por exemplo, é citado com um furo em torno de 20% em relação ao que declarou. Não obstante a conclusão do STN de que tal diferença foi dissimulada pela contabilidade criativa, o pecado contábil não sofreu penitência ou sermão por parte do pleno do TCE.
Apenas para ilustrar, no final de 2017 a França editou norma que obriga as agências de publicidade destacarem em suas propagandas o termo: “imagem retocada”, no caso da real aparência dos modelos fotográficos for alterada por softwares de edição de imagens. A iniciativa busca minimizar os males que a “ditadura da beleza” provoca no público feminino, perigosamente influenciado pelos perfeitos, porém irreais, corpos e rostos.
Traçando um paralelo com o exemplo europeu, sendo tolerado enfeitar o real resultado da situação patrimonial, fiscal e econômica da entidade, a sinceridade imposta à propaganda francesa é o bom exemplo a ser seguido pela contabilidade brasileira.
Imaginem só os registros contábeis patrimoniais e financeiros trazendo logo na sua abertura, o seguinte aviso: “Cuidado, contabilidade criativa”.
Dez/2018
Cláudio Modesto

Auditor-Fiscal e Diretor Jurídico do SINDIFISCO



terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Goiás, refém da própria política de incentivos fiscais

A política de incentivos fiscais de Goiás, iniciada na década de 80, teve grande importância para alavancar a economia goiana, porém, a falta de critérios e objetivos preestabelecidos nas concessões das benesses acabaram produzindo distorções que as deturparam, tornando algumas delas indefensáveis.

Hoje, até empresas varejistas possuem benefícios fiscais do ICMS em Goiás, algo, no mínimo, intrigante, já que tal segmento representa o fim da cadeia de consumo, onde todo o valor agregado ao produto durante os processos de industrialização, distribuição e comercialização, deveria sofrer a incidência integral desse tributo.

A política equivocada de incentivos fiscais em Goiás também produziu a nefasta cumulação de benefícios, onde empresas são agraciadas com o privilégio de recolherem apenas 27% do ICMS que normalmente apuram. Poucos sabem, porém, que em alguns casos esse percentual ainda sofre uma nova redução, em torno de 99%, por conta de outro benefício, o crédito outorgado.

Tal distorção produz uma alíquota efetiva inferior a 1% de ICMS sobre o valor do faturamento bruto da grande empresa, percentual este menor do que estão sujeitas às micro e pequenas empresas enquadradas no Simples Nacional, cujas alíquotas efetivas do ICMS vão de 1,25% a 3,95%, ou seja, em Goiás o pequeno empreendedor está pagando mais imposto do que o grande.

As desonerações fiscais desenfreadas provocaram outro efeito colateral, pois, para compensar a perda de receita com os benefícios concedidos, Goiás turbinou as alíquotas dos chamados blues chips do ICMS, representados pela energia elétrica, telefonia e combustíveis, que no final da década de 90 possuíam alíquotas que não ultrapassavam 17%, e, hoje, alcançam quase 30% de incidência desse imposto estadual.

Outro equívoco, talvez o mais deletério deles, é que nas últimas décadas o projeto goiano de desenvolvimento econômico foi baseado quase que integralmente na diversidade e agressividade do seu portfólio de incentivos e benefícios fiscais, sem grandes avanços com a infraestrutura de transporte, energia ou tecnologia; circunstâncias essas que colocam Goiás como refém da própria política de incentivos.

Essa captura é demonstrada pelas repetidas ameaças da classe empresarial beneficiária dos incentivos, que prometem abandonar Goiás caso os privilégios fiscais sejam revistos.

As ameaças de abandono trazem enrustidas mensagens contendo teor perturbador:  para eles, Goiás não representa ou oferece nada de razoável, além de sua exagerada política de incentivos fiscais. 

Torçamos para que isso não seja verdade, senão, esse sequestro vai demorar ter um fim!

Cláudio Modesto
Auditor-fiscal