O Estado de Goiás é o 9o mais rico do Brasil. No entanto, a situação fiscal encontrada pelo atual governador Ronaldo Caiado, conforme matéria publicada pelo jornal Valor Econômico (10/01/2019), é de penúria, a ponto de comprometer o pagamento de servidores e fornecedores, além de afetar a manutenção dos serviços básicos de saúde e educação.
Ademais das
irregularidades cometidas por seu antecessor, também comentadas em outro ponto
da mesma matéria, o aspecto mais relevante da crise fiscal do Estado de Goiás
tem sido a sangria provocada pela chamada dívida pública; história que se
repete na maioria dos estados brasileiros, porque foi programado para ser
assim.
No final da
década de 90, todos os estados se encontravam em situação fiscal complicada,
porque sofreram o impacto da insana política monetária praticada pelo Banco
Central, que praticou taxas de juros tão elevadas, de até cerca de 50% “para
controlar inflação” (sic), provocando
um incremento brutal das obrigações de todos os estados.
Essa dívida
inflada foi somada ao passivo dos respectivos bancos estaduais e o montante foi
refinanciado pela União em condições onerosíssimas!
No caso de
Goiás, o valor da dívida era de R$1,175 bilhão em 1998, mas o valor total
refinanciado foi de R$1,777 bilhão, devido ao passivo do Banco do Estado de
Goiás (BEG) que foi transformado em “dívida pública”, conforme dados fornecidos
pelo Ministério da Fazenda à CPI da Dívida Pública concluída na Câmara dos
Deputados em 2010:
Esse montante passou a ser atualizado mensalmente, de forma Cumulativa, pelo IGP-DI (índice que engloba variação cambial e expectativas de inflação que sequer se verificam) e, ainda por cima, juros de 6% ao ano, de tal forma que o juro nominal resultante foi um dos mais elevados do planeta, apesar de se tratar de empréstimo sem risco algum, pois se o Estado não paga, a União retém o Fundo de Participação do Estado!
Para se ter
uma ideia do impacto dessa remuneração extorsiva cobrada pela União, no período
de 1999 a 2017 a sua variação foi de 1.379% (um mil, trezentos e setenta e nove
por cento), frente à inflação de 237% (duzentos e trinta e sete por cento no
mesmo período!
Além da
remuneração excessiva, o Estado de Goiás ficou obrigado a destinar um
percentual de no máximo 15% de sua Receita Corrente Líquida para o pagamento da
dívida refinanciada pela União, de tal forma que, em vários períodos, ainda que
desejasse, o Estado não poderia pagar todo o montante dos juros nominais.
Essa foi a
estratégia para turbinar o crescimento do estoque da dívida de forma
exponencial: os juros se incorporavam ao total da dívida e também passavam a
ser submetidos, mensalmente, à extorsiva remuneração de IGP-DI + 6%.
Aquela dívida de R$1,777 bilhão alcançou quase R$9 bilhões em outubro/2018, ou seja, multiplicou-se por mais de 5 vezes, como mostram os dados publicados pelo Banco Central, apesar de o Estado de Goiás ter pago R$ 5,575 bilhões (mais de 3 vezes o valor refinanciado) à União de 1998 até 2017[1]:
Ou seja, depois de pagar várias vezes o valor refinanciado e de entregar o seu banco estatal (BEG); privatizar inúmeras empresas públicas estratégicas e lucrativas, e acumular perdas com a Lei Kandir (isenção de ICMS sobre o setor primário-exportador que somou R$ 9,189 bilhões de 1997 a 2016[2]), a dívida alcança cifra insustentável!
Estudos realizados pela Auditoria Cidadã da Dívida em outros estados revelaram erro no cálculo dos juros cobrados pela União, que aplicou cumulativamente 0,5% a cada mês, chegando na realidade a uma taxa de 6,17% ao ano e não 6% como autorizado legalmente.
Houve também
flagrante desrespeito ao
Federalismo
sob vários aspectos, em especial devido à ilegítima subtração de recursos em
decorrência do ônus excessivo imposto pela União. Em 2010, por exemplo, entes
federados pagaram cerca de 20% de remuneração à União, enquanto no mesmo ano esta
emprestou aos Estados Unidos da América do Norte a taxa inferior a 1% e o BNDES
emprestou a empresas privadas a taxas inferiores a 5% ao ano.
A cobrança de juros sobre juros configura anatocismo, ilegal conforme súmula 121 do STF,
que assim se pronunciou: “É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente
convencionada”. É
proibida também pela Lei da Usura (Decreto nº 22.626/1933), vigente.
Outras ilegalidades têm sido
comprovadas, tais como a ausência de
conciliação de cifras (alguém teve acesso à dívida anterior, que foi
refinanciada pela União? ou à natureza do passivo do BEG que virou dívida
pública?); a exigência de robustas
garantias (transferências constitucionais obrigatórias devidas pela União);
o enorme desequilíbrio entre as partes
(Estados haviam sido impedidos de acessar outros créditos com entidades
federais pelo Decreto nº 2.372/97 e foram forçados a aderir às condições da Lei
9.496/97); a desconsideração do baixo
valor de mercado dos títulos estaduais (tendo refinanciado tais dívidas a
100% de seu valor nominal); a assunção de dívidas privadas representadas
por passivo de bancos estaduais no esquema PROES; desconsideração dos
antecedentes
(co-responsabilidade da União em relação ao crescimento astronômico da dívida
dos Estados antes da negociação); a ausência
de cláusula do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, entre outras.
Por tudo
isso é que afirmamos, sem sobra de dúvida, que as condições abusivas impostas
pela União aos Estados precisam ser revistas desde a origem do processo.
A
ferramenta hábil para realizar essa revisão geral é a auditoria, procedimento
que é realizado em base a provas e documentos, e que deve ser feita com
participação cidadã.
Enquanto não se realizar a
necessária auditoria dessa chamada dívida e o consequente recálculo desde a sua
origem, com juros simples, tal como entendimento exarado em liminares já
concedidas pelo STF, a situação do Estado tende a se agravar cada vez mais e,
encurralado, corre o risco de cair na armadilha da nova modalidade de geração
de dívida ainda mais onerosa e perversa sob a denominação de “Securitização de
Créditos Públicos”[3],
que o então Senador Ronaldo Caiado questionou fortemente no Senado em 2016.