O biógrafo grego Plutarco, em sua
milenar obra “Vidas Paralelas”, narra uma passagem da vida do imperador
romano Júlio César, ocorrida no último século antes do nascimento de
Cristo, quando sua segunda esposa, Pompeia, acabou envolvida em uma
situação constrangedora que pôs fim ao casamento imperial.
Descreve o biógrafo que Publius,
um rico e jovem romano da época, nutria uma paixão platônica por Pompeia.
No incontrolável desejo de ficar perto do amor impossível, Publius
disfarçou-se de mulher e se infiltrou no palácio de César na ocasião de um
evento festivo, exclusivo e restrito à participação de mulheres, onde, claro,
estava sua amada.
A desvairada aventura, porém, não saiu
como esperada. Apesar de conseguir entrar no palácio e ficar ao lado de Pompeia,
Publius em pouco tempo foi descoberto pelas demais participantes do
evento - denunciado pela própria barba
- sendo em seguida preso sob a acusação de fraude e sacrilégio.
Os nefastos efeitos do escandaloso
incidente foram logo minimizados pelo testemunho das mulheres que participaram
da festa, dentre elas a própria mãe do imperador, que foram unânimes em
confirmar que Pompeia não tivera nenhuma participação no ocorrido.
Mesmo tendo certeza da fidelidade de Pompeia,
César foi implacável: repudiou publicamente sua mulher e decretou o fim
do seu casamento. Questionado por senadores romanos sobre seu divórcio, já que
nenhuma prova de infidelidade pesava contra sua esposa, o imperador verberou o
que veio se tornar a célebre frase: “À mulher de César não basta ser
honesta, tem que parecer honesta”.
Com o decorrer do tempo, a frase de César
passou a ser o meio metafórico de dizer que não pode pairar entre pessoas ou
instituições quaisquer dúvidas ou suspeitas sobre a respectiva conduta ou reais
intenções no trato da coisa pública, sob pena do imediato afastamento dessa pessoa
do múnus estatal.
Lamentavelmente, a metáfora contida na
frase de César parece não fazer sentido no Conselho Administrativo
Tributário – CAT, e não estou me referindo a casos teratológicos e notórios que
fazem verdadeira tábula rasa do requisito subjetivo da “ilibada reputação”.
Como no caso do conselheiro que continua naquele colegiado, mesmo sendo objeto
de acusação e condenação por estelionato, ainda respondendo por ação de
improbidade administrativa pela infeliz conduta de fraudar certidão negativa de
débitos fiscais, com a finalidade de, pasmem os senhores, viabilizar a própria
nomeação para a função de conselheiro do CAT.
O escopo deste texto tem por alvo os
detalhes sutis que também vão de encontro à metáfora atribuída ao imperador Júlio
César. A exemplo da forma divorciada do interesse público em que são
nomeados os conselheiros, já que o ato tem como base quase que exclusivamente a
conveniência da autoridade administrativa, que por sua vez não se utiliza de
nenhum método ou ferramenta formal para aferir a capacidade subjetiva do
candidato, que é conduzido ao cargo sem nenhum registro da mensuração de seus
notórios conhecimentos jurídicos e de sua ilibada reputação; não obstante já
fazer algum tempo que a legislação da espécie traz expressa previsão da
realização de processo seletivo formal para tal desiderato.
Da mesma forma, com a remuneração perto
de R$ 9.000,00 mensais pagos pelo erário goiano, causa estranheza estarem os
conselheiros classistas desobrigados da dedicação exclusiva ao CAT. Pior ainda,
livres de quaisquer vedações ou restrições para o exercício concomitante de
determinadas atividades profissionais que são claramente conflitantes com a
função pública de julgador administrativo de lançamentos tributários.
Esse conflito de atividades
profissionais exercidas concomitantemente é tão sério que, em maio 2015, o
próprio Conselho Pleno da OAB proibiu que os conselheiros do Carf exerçam a
advocacia. A Ordem entendeu incompatível a atividade de advogado com a função
de julgador de tribunal administrativo. O que se mostra óbvio, pois, se a
autoridade lançadora é incompatível com a advocacia, mais incompatível será a
autoridade julgadora que validará ou não a exigibilidade do crédito tributário
lançado.
Na mesma época a União publicou o Decreto
n. 8.441/2015, que prevê restrições a atividades
profissionais exercidas por conselheiros do Carf, onde se instalou um caloroso
debate sobre o alcance das restrições e vedações impostas pelo ato, se alcançam
apenas o agente público ou também restringe as atividades desenvolvidas pelos
escritórios, firmas e consultorias ligadas aos conselheiros nomeados.
Já no tribunal administrativo goiano vem
ocorrendo justamente o inverso, além de não exigir exclusividade na função,
também deixa totalmente ao alvitre do agente nomeado conselheiro o exercício
concomitante com as atividades inerentes à advocacia, contabilidade ou de
qualquer outra variação de assessoria ou consultoria fiscal ou tributária, com
real prejuízo à livre concorrência dos demais profissionais liberais que atuam
na mesma área, que não têm como utilizar o plus de conselheiro para
conquistar a preferência do cliente.
Contrário senso, o CAT vem abrigando em
seus quadros, conselheiros com cada vez menos identidade com a entidade
classista que o indicou, e cada vez mais em consonância com a folha de serviços
prestados a grandes contribuintes devedores, tudo isso somado à natural
interposição de escritórios e sociedades especializadas em litígio tributário,
dos quais alguns conselheiros possuem ligações históricas e umbilicais.
Assim, por mais que se acredite na
presunção de boa-fé, difícil crer que a seletividade e a parcialidade não serão
operadas de alguma forma em um caso concreto, pois é mínima a perspectiva de
esperar que alguém aja com imparcialidade e justiça quando isso significar
prejuízo a outro alguém que é ligado ao grupo que se deve obrigações ou
favores.
Isso tudo é potencializado pelo modelo
ultrapassado e deletério de indicações, conduções e reconduções na função de
conselheiro do CAT, que favorece apenas um seleto grupo de pessoas que têm o
poder de interferir na aprovação ou não do nome do conduzido ou reconduzido,
constrangendo não só quem já ocupa a função como quem pretende ocupá-la, pois a
seleção, indicação e a (re)condução do conselheiro ficam preponderantemente
adstritas ao juízo subjetivo que esse seleto grupo faz do pretendente à cadeira
do CAT, circunstância que ajuda a criar o ambiente perfeito para negociar,
trocar e pagar favores não republicanos.
Forçoso admitir que o cenário
atual do nosso Conselho Administrativo Tributário não inspira a confiança que
deveria, pois, como diria César: não parece honesto.
Urge então medidas de transparência e
modernização nos critérios, procedimentos e modelos de seleção, indicação,
condução e recondução de membros do Conselho Administrativo Tributário, para
que esse fundamental órgão fazendário, finalmente, fique à altura da sua importância para a sociedade goiana.
É chegada a hora do Fisco goiano parar
de fingir que não enxerga a barba de Publius e provocar o divórcio entre o CAT e Pompeia.
César já não aguenta mais!
Goiânia, 20/01/2018