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sábado, 7 de julho de 2018

Reinstituir o equilíbrio fiscal

Reinstituir o equilíbrio fiscal
 O estado de Goiás é de longe o ente da federação que mais tolera a renúncia fiscal, que segundo o TCE alcança cerca de 35% de sua receita líquida, algo em torno de R$ 9 bilhões por ano. Para se ter uma ideia da discrepância da nossa desoneração MG, MT, SP, BA, DF e ES dedicam entre 5% e 9% de suas receitas líquidas com renúncias fiscais.
Doutro prisma, a atual politica goiana de renúncia fiscal é praticamente voltada para a conservação do status quo de nichos empresariais, que há décadas se beneficiam das desonerações, sem submissão a quase nenhum tipo de controle ou mensuração do retorno social ou econômico que deveriam produzir em troca da benesse, que na maioria dos casos continuam vigorando sem fins específicos e sem fim definido.
A novidade é que o governo pode alterar tal contexto ainda neste ano de 2018, por ocasião da fase de reinstituição de benefícios prevista no Convênio ICMS 190/2017, que regulamentou a festejada convalidação de benefícios instituída pela Lei Complementar n. 160/2017.
A citada legislação zerou a inconstitucionalidade dos benefícios e incentivos fiscais concedidos sem autorização do Confaz; mas, em compensação, admite que os estados revisem a dosagem e o alcance dessas renúncias no momento da sua reinstituição; podendo modificar regras, reduzir percentuais ou até mesmo extinguir o benefício, sem margem para questionamentos sobre pretensa quebra de contrato ou ofensa a direito adquirido; afinal, as benesses eram flagrantemente inconstitucionais.
Essa chance de rever a gigantesca renúncia fiscal goiana talvez seja a mais prática e menos traumática oportunidade que temos, após décadas, de fortalecer as contas públicas sem instituir tributos ou comprometer investimentos. A título de ilustração, uma redução linear de 10% da renúncia aqui praticada significaria, por ano, cerca de R$ 1 bilhão nos cofres públicos, tudo isso sem Goiás perder a sua primeira colocação no ranking da renúncia.
Assim, o governo não só pode como tem o dever de reduzir a inverossímil renúncia praticada em Goiás, impondo condições austeras de fruição e fixando prazo razoável de vigência, devendo a sociedade goiana cobrar que essas providências constem dos projetos de lei que reinstituirão os benefícios, garantindo assim uma nova politica tributária com menos renúncia e mais justiça fiscal.
Goiás não pode perder essa oportunidade. É a chance que temos de começar inverter a perversa lógica de prestigiar o presente com prejuízo ao futuro.

Cláudio Modesto
Auditor-Fiscal
Diretor Jurídico do Sindifisco/GO

terça-feira, 22 de maio de 2018

Projeto de Lei n. 2099. Mediação ou corretagem de conflitos administrativos?


Mediação, conciliação e arbitragem – nessa ordem – tratam-se de técnicas gradativas e alternativas de solução de conflitos que envolvem direitos transacionáveis, onde, num primeiro momento, incumbe ao mediador apenas o papel de aproximar e estabelecer o dialogo entre as partes, para que, sozinhas, solucionem suas diferenças. Não ocorrendo o entendimento nesse primeiro momento, entra em cena a figura do conciliador, que agora tem a tarefa de orientar, sugerir e opinar pelo melhor modo de solucionar consensualmente a contenda, podendo a proposta conciliatória ser recusada por qualquer uma das partes.
Frustradas as duas primeiras formas de composição amigável, resta o emprego da arbitragem, onde as partes apresentam as razões do desacordo a uma terceira pessoa especialista na matéria em controvérsia, que por sua vez decidirá a quem cabe o direito em disputa, possuindo a decisão do árbitro força de sentença judicial, não sujeita a recurso. Em todos os casos é basilar que a submissão a tais técnicas de resolução de conflitos parta da livre vontade das partes e seja mediada, conciliada ou decidida por agente neutro, sem qualquer interesse econômico ou pessoal no resultado da lide.
Isso esclarecido, encontra-se na Assembleia Legislativa o projeto de lei complementar n. 2099 de lavra da governadoria, que orientada pela Procuradoria-Geral do Estado de Goiás - PGE, institui a Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem da Administração Estadual (CCMA), com a nobre justificativa de estabelecer medidas para a redução da litigiosidade no âmbito administrativo e judiciário.
Na exposição de motivos da preposição legislativa é arguido como fundamento do projeto os ditames de Lei de Arbitragem n. 9.307/1996 e da Lei Federal paradigma de n. 13.140/2015, que instituiu a mediação no âmbito da administração pública federal. Outrossim, peculiaridades inseridas no texto minutado do projeto de lei estadual destoam, em muito, da legislação federal paradigma, e de uma leitura mais acurada é revelada a verdadeira intenção da iniciativa legislativa, qual seja: a criação de um Tribunal Geral Administrativo, cujos juízes, sem exceções, serão os próprios advogados do Estado.
Tal desiderato é clarividente diante o especial cuidado que a redação da minuta de lei trata da exclusividade do procurador do Estado na composição da CCMA, ao contrário do que é preconizado nas leis federais n. 13.140/2015 (lei da mediação) e n. 9.307/1996 (lei da arbitragem), que não reservam exclusividade para ninguém no exercício de tal atividade, pelo contrário, ditam taxativamente que conciliadores, mediadores e árbitros podem ser qualquer pessoa, servidor público ou não, desde que possua capacidade técnica e desfrute da confiança das partes, independentemente de integrar qualquer tipo de conselho, entidade de classe ou associação.
Essa não é a única distorção do projeto. Outra capciosa peculiaridade contida no projeto de lei estadual, fruto de distorção da legislação paradigma federal, está no emprego do termo “prioritárioem vez de facultativona parte que trata da forma de submissão dos conflitos da administração pública à CCMA, que conjugado com outro dispositivo da minuta de lei que determina ser[…] dever da Administração e dos seus agentes propagar e estimular a conciliação e a mediação como meio de solução pacífica das controvérsias; torna, na prática, inevitável a passagem da maioria dos conflitos administrativos pelo crivo dos “procuradores-juízes”.
Não por acaso foram insertas ao texto da minuta de lei o binômio prioridade/dever em promover e estimular a propagação de procedimentos conciliatórios a cargo da PGE. Trata-se de um drible legislativo abarcado por uma lógica perversa; fincada no simplório silogismo de que quanto maior o número de conflitos, melhor será para o incremento da renda dos advogados públicos que vão deter legalmente a exclusividade de solucioná-los extrajudicialmente; pois, tais servidores são beneficiários potenciais de honorários em qualquer acordo ou transação efetivada em nome do Estado, não obstante já serem regularmente remunerados pelo erário estadual no mesmo nível de um ministro do STF.
A dissimulada cupidez advêm do silêncio que o projeto de lei faz sobre as custas e sucumbências nos procedimentos submetidos à CCMA, sem fazer maior alarde de que tal omissão é providencialmente suprida pela lei orgânica da PGE (LC 58/2006), que é taxativa em aduzir que são devidos honorários em acordos e transações extrajudiciais, condicionando a validade da transação ao pagamento dos honorários, sendo ainda obrigatória a inserção no respectivo termo de acordo de cláusula específica dispondo sobre tal verba e da responsabilidade pelo seu pagamento.
É nesse contexto de notório interesse econômico; conjugado com o direcionamento mecânico de conflitos administrativos à CCMA, composta exclusivamente por servidores com estreito liame funcional na defesa jurídica do Estado; que entendemos fulminar a neutralidade e a imparcialidade dos membros da PGE no desempenho da função de mediadores, conciliadores ou árbitros nas resoluções de conflitos administrativos, mormente quando o imbróglio a ser pacificado envolver disputa entre a Administração e o cidadão.
Dessarte, caso aprovado o texto original contido no PL n. 2099, corre-se o risco de nossos parlamentares autorizarem a criação de uma mera corretora de conflitos e litígios administrativos, cujo maior beneficiário desse “empreendimento”, sem dúvidas, seria a seleta categoria de procuradores do Estado, a despeito do apelo social contido na sua exposição de motivos, que acaba servindo de fumaça para desviar a atenção das nefastas distorções que carrega a preposição legislativa em curso.
Cogente então que se proceda as modificações e acréscimos necessários para o aperfeiçoamento do projeto de lei em curso, em especial a retirada da exclusividade na composição da CCMA e, ainda, como forma de incentivar verdadeiramente essa técnica de resolução alternativa de conflitos, fazer inserir no texto legal a expressa previsão de isenção de custas e honorários em qualquer contenda judicial ou administrativa solucionada extrajudicialmente pela CCMA.
Só assim o objetivo declarado na exposição de motivos do PL 2099 poderá ser alcançado em benefício somente da sociedade.

Goiânia/GO, 22/05/2018
Cláudio Modesto

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Como o exame médico obrigatório, a SEGPLAN fere Direitos Humanos do servidor público


Em Outubro de 2005 a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – UNESCO, reunida em conferência geral, proclamou a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos – D.U.B.D.H., alinhando e comprometendo os estados-membros, dentre eles o Brasil, a respeitar e aplicar os princípios fundamentais da bioética que são estatuídos no respectivo texto.
Logo em seus artigos iniciais a D.U.B.D.H. declara o seu escopo de tratar das questões éticas relacionadas à medicina aplicada aos seres humanos, tendo por objetivo, dentre outros, orientar as instituições públicas no trato da saúde do cidadão, assegurando o respeito e a liberdade do indivíduo conforme elencado no rol dos direitos humanos.
Ressalta o documento universal que, no contexto da bioética, o interesse e bem-estar do indivíduo deve ter prioridade sobre o interesse específico do Estado ou da sociedade, destacando que o ser humano não pode ser violado em seus direitos bioéticos de autonomia, consentimento, privacidade e confidencialidade; princípios de direitos humanos esses que são patentemente violados pela Instrução Normativa 009/2017-SEGPLAN, em especial quando classifica como obrigatória a realização dos exames médicos periódicos e faz a injusta ameça de sanções administrativas aos servidores que não atenderem ao chamado para a realização dos exames.
O princípio da autonomia é violado por retirar a liberdade de decisão que a pessoa tem sobre sua vida, diminuindo sua autodeterminação ao impor a obrigatoriedade dos exames periódicos, sob pena de sanção administrativa. Já o princípio do consentimento é duplamente violado na referida instrução, uma por impor intervenção médica preventiva e diagnóstica sem consentimento prévio do paciente; e, outra, por não dar nenhuma chance de recusa à intervenção imposta.
Arrematando o rol de violações aos direitos humanos, a norma editada pela SEGPLAN ainda fere de morte os princípios da privacidade e confidencialidade, que se aperfeiçoam em razão de a intervenção obrigatória acautelar o propósito personalíssimo do Estado em criar banco de informações médicas e laboratoriais de seus servidores para fins, em tese, estatísticos; cujos dados e informações médicas e laboratoriais sobre o servidor serão manipulados e armazenados por pessoas estranhas ao metiê médico, sem controle ou conhecimento do paciente ou do profissional de saúde autor da intervenção.
A previsão de exames médicos periódicos aos servidores públicos se mostra medida louvável, mas ao abandonar o trabalho de conscientização e convencimento natural do servidor sobre a importância do acompanhamento de sua saúde, abraçando açodadamente medidas violadoras de direitos humanos, visando imprimir coercitividade à pretensão estatal, a SEGPLAN acaba suscitando sérias dúvidas sobre a real intenção desse programa de prevenção.
Temos que reagir, em justa homenagem aos direitos do ser humano servidor público.