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  • Por que protegemos um sistema que nos fere?

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terça-feira, 22 de maio de 2018

Projeto de Lei n. 2099. Mediação ou corretagem de conflitos administrativos?


Mediação, conciliação e arbitragem – nessa ordem – tratam-se de técnicas gradativas e alternativas de solução de conflitos que envolvem direitos transacionáveis, onde, num primeiro momento, incumbe ao mediador apenas o papel de aproximar e estabelecer o dialogo entre as partes, para que, sozinhas, solucionem suas diferenças. Não ocorrendo o entendimento nesse primeiro momento, entra em cena a figura do conciliador, que agora tem a tarefa de orientar, sugerir e opinar pelo melhor modo de solucionar consensualmente a contenda, podendo a proposta conciliatória ser recusada por qualquer uma das partes.
Frustradas as duas primeiras formas de composição amigável, resta o emprego da arbitragem, onde as partes apresentam as razões do desacordo a uma terceira pessoa especialista na matéria em controvérsia, que por sua vez decidirá a quem cabe o direito em disputa, possuindo a decisão do árbitro força de sentença judicial, não sujeita a recurso. Em todos os casos é basilar que a submissão a tais técnicas de resolução de conflitos parta da livre vontade das partes e seja mediada, conciliada ou decidida por agente neutro, sem qualquer interesse econômico ou pessoal no resultado da lide.
Isso esclarecido, encontra-se na Assembleia Legislativa o projeto de lei complementar n. 2099 de lavra da governadoria, que orientada pela Procuradoria-Geral do Estado de Goiás - PGE, institui a Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem da Administração Estadual (CCMA), com a nobre justificativa de estabelecer medidas para a redução da litigiosidade no âmbito administrativo e judiciário.
Na exposição de motivos da preposição legislativa é arguido como fundamento do projeto os ditames de Lei de Arbitragem n. 9.307/1996 e da Lei Federal paradigma de n. 13.140/2015, que instituiu a mediação no âmbito da administração pública federal. Outrossim, peculiaridades inseridas no texto minutado do projeto de lei estadual destoam, em muito, da legislação federal paradigma, e de uma leitura mais acurada é revelada a verdadeira intenção da iniciativa legislativa, qual seja: a criação de um Tribunal Geral Administrativo, cujos juízes, sem exceções, serão os próprios advogados do Estado.
Tal desiderato é clarividente diante o especial cuidado que a redação da minuta de lei trata da exclusividade do procurador do Estado na composição da CCMA, ao contrário do que é preconizado nas leis federais n. 13.140/2015 (lei da mediação) e n. 9.307/1996 (lei da arbitragem), que não reservam exclusividade para ninguém no exercício de tal atividade, pelo contrário, ditam taxativamente que conciliadores, mediadores e árbitros podem ser qualquer pessoa, servidor público ou não, desde que possua capacidade técnica e desfrute da confiança das partes, independentemente de integrar qualquer tipo de conselho, entidade de classe ou associação.
Essa não é a única distorção do projeto. Outra capciosa peculiaridade contida no projeto de lei estadual, fruto de distorção da legislação paradigma federal, está no emprego do termo “prioritárioem vez de facultativona parte que trata da forma de submissão dos conflitos da administração pública à CCMA, que conjugado com outro dispositivo da minuta de lei que determina ser[…] dever da Administração e dos seus agentes propagar e estimular a conciliação e a mediação como meio de solução pacífica das controvérsias; torna, na prática, inevitável a passagem da maioria dos conflitos administrativos pelo crivo dos “procuradores-juízes”.
Não por acaso foram insertas ao texto da minuta de lei o binômio prioridade/dever em promover e estimular a propagação de procedimentos conciliatórios a cargo da PGE. Trata-se de um drible legislativo abarcado por uma lógica perversa; fincada no simplório silogismo de que quanto maior o número de conflitos, melhor será para o incremento da renda dos advogados públicos que vão deter legalmente a exclusividade de solucioná-los extrajudicialmente; pois, tais servidores são beneficiários potenciais de honorários em qualquer acordo ou transação efetivada em nome do Estado, não obstante já serem regularmente remunerados pelo erário estadual no mesmo nível de um ministro do STF.
A dissimulada cupidez advêm do silêncio que o projeto de lei faz sobre as custas e sucumbências nos procedimentos submetidos à CCMA, sem fazer maior alarde de que tal omissão é providencialmente suprida pela lei orgânica da PGE (LC 58/2006), que é taxativa em aduzir que são devidos honorários em acordos e transações extrajudiciais, condicionando a validade da transação ao pagamento dos honorários, sendo ainda obrigatória a inserção no respectivo termo de acordo de cláusula específica dispondo sobre tal verba e da responsabilidade pelo seu pagamento.
É nesse contexto de notório interesse econômico; conjugado com o direcionamento mecânico de conflitos administrativos à CCMA, composta exclusivamente por servidores com estreito liame funcional na defesa jurídica do Estado; que entendemos fulminar a neutralidade e a imparcialidade dos membros da PGE no desempenho da função de mediadores, conciliadores ou árbitros nas resoluções de conflitos administrativos, mormente quando o imbróglio a ser pacificado envolver disputa entre a Administração e o cidadão.
Dessarte, caso aprovado o texto original contido no PL n. 2099, corre-se o risco de nossos parlamentares autorizarem a criação de uma mera corretora de conflitos e litígios administrativos, cujo maior beneficiário desse “empreendimento”, sem dúvidas, seria a seleta categoria de procuradores do Estado, a despeito do apelo social contido na sua exposição de motivos, que acaba servindo de fumaça para desviar a atenção das nefastas distorções que carrega a preposição legislativa em curso.
Cogente então que se proceda as modificações e acréscimos necessários para o aperfeiçoamento do projeto de lei em curso, em especial a retirada da exclusividade na composição da CCMA e, ainda, como forma de incentivar verdadeiramente essa técnica de resolução alternativa de conflitos, fazer inserir no texto legal a expressa previsão de isenção de custas e honorários em qualquer contenda judicial ou administrativa solucionada extrajudicialmente pela CCMA.
Só assim o objetivo declarado na exposição de motivos do PL 2099 poderá ser alcançado em benefício somente da sociedade.

Goiânia/GO, 22/05/2018
Cláudio Modesto

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Como o exame médico obrigatório, a SEGPLAN fere Direitos Humanos do servidor público


Em Outubro de 2005 a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – UNESCO, reunida em conferência geral, proclamou a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos – D.U.B.D.H., alinhando e comprometendo os estados-membros, dentre eles o Brasil, a respeitar e aplicar os princípios fundamentais da bioética que são estatuídos no respectivo texto.
Logo em seus artigos iniciais a D.U.B.D.H. declara o seu escopo de tratar das questões éticas relacionadas à medicina aplicada aos seres humanos, tendo por objetivo, dentre outros, orientar as instituições públicas no trato da saúde do cidadão, assegurando o respeito e a liberdade do indivíduo conforme elencado no rol dos direitos humanos.
Ressalta o documento universal que, no contexto da bioética, o interesse e bem-estar do indivíduo deve ter prioridade sobre o interesse específico do Estado ou da sociedade, destacando que o ser humano não pode ser violado em seus direitos bioéticos de autonomia, consentimento, privacidade e confidencialidade; princípios de direitos humanos esses que são patentemente violados pela Instrução Normativa 009/2017-SEGPLAN, em especial quando classifica como obrigatória a realização dos exames médicos periódicos e faz a injusta ameça de sanções administrativas aos servidores que não atenderem ao chamado para a realização dos exames.
O princípio da autonomia é violado por retirar a liberdade de decisão que a pessoa tem sobre sua vida, diminuindo sua autodeterminação ao impor a obrigatoriedade dos exames periódicos, sob pena de sanção administrativa. Já o princípio do consentimento é duplamente violado na referida instrução, uma por impor intervenção médica preventiva e diagnóstica sem consentimento prévio do paciente; e, outra, por não dar nenhuma chance de recusa à intervenção imposta.
Arrematando o rol de violações aos direitos humanos, a norma editada pela SEGPLAN ainda fere de morte os princípios da privacidade e confidencialidade, que se aperfeiçoam em razão de a intervenção obrigatória acautelar o propósito personalíssimo do Estado em criar banco de informações médicas e laboratoriais de seus servidores para fins, em tese, estatísticos; cujos dados e informações médicas e laboratoriais sobre o servidor serão manipulados e armazenados por pessoas estranhas ao metiê médico, sem controle ou conhecimento do paciente ou do profissional de saúde autor da intervenção.
A previsão de exames médicos periódicos aos servidores públicos se mostra medida louvável, mas ao abandonar o trabalho de conscientização e convencimento natural do servidor sobre a importância do acompanhamento de sua saúde, abraçando açodadamente medidas violadoras de direitos humanos, visando imprimir coercitividade à pretensão estatal, a SEGPLAN acaba suscitando sérias dúvidas sobre a real intenção desse programa de prevenção.
Temos que reagir, em justa homenagem aos direitos do ser humano servidor público.



sábado, 20 de janeiro de 2018

A mulher de César e o Conselho Administrativo Tributário


O biógrafo grego Plutarco, em sua milenar obra “Vidas Paralelas”, narra uma passagem da vida do imperador romano Júlio César, ocorrida no último século antes do nascimento de Cristo, quando sua segunda esposa, Pompeia, acabou envolvida em uma situação constrangedora que pôs fim ao casamento imperial.
Descreve o biógrafo que Publius, um rico e jovem romano da época, nutria uma paixão platônica por Pompeia. No incontrolável desejo de ficar perto do amor impossível, Publius disfarçou-se de mulher e se infiltrou no palácio de César na ocasião de um evento festivo, exclusivo e restrito à participação de mulheres, onde, claro, estava sua amada.
A desvairada aventura, porém, não saiu como esperada. Apesar de conseguir entrar no palácio e ficar ao lado de Pompeia, Publius em pouco tempo foi descoberto pelas demais participantes do evento - denunciado pela própria barba - sendo em seguida preso sob a acusação de fraude e sacrilégio.
Os nefastos efeitos do escandaloso incidente foram logo minimizados pelo testemunho das mulheres que participaram da festa, dentre elas a própria mãe do imperador, que foram unânimes em confirmar que Pompeia não tivera nenhuma participação no ocorrido.
Mesmo tendo certeza da fidelidade de Pompeia, César foi implacável: repudiou publicamente sua mulher e decretou o fim do seu casamento. Questionado por senadores romanos sobre seu divórcio, já que nenhuma prova de infidelidade pesava contra sua esposa, o imperador verberou o que veio se tornar a célebre frase: “À mulher de César não basta ser honesta, tem que parecer honesta”.
Com o decorrer do tempo, a frase de César passou a ser o meio metafórico de dizer que não pode pairar entre pessoas ou instituições quaisquer dúvidas ou suspeitas sobre a respectiva conduta ou reais intenções no trato da coisa pública, sob pena do imediato afastamento dessa pessoa do múnus estatal.
Lamentavelmente, a metáfora contida na frase de César parece não fazer sentido no Conselho Administrativo Tributário – CAT, e não estou me referindo a casos teratológicos e notórios que fazem verdadeira tábula rasa do requisito subjetivo da “ilibada reputação”. Como no caso do conselheiro que continua naquele colegiado, mesmo sendo objeto de acusação e condenação por estelionato, ainda respondendo por ação de improbidade administrativa pela infeliz conduta de fraudar certidão negativa de débitos fiscais, com a finalidade de, pasmem os senhores, viabilizar a própria nomeação para a função de conselheiro do CAT.
O escopo deste texto tem por alvo os detalhes sutis que também vão de encontro à metáfora atribuída ao imperador Júlio César. A exemplo da forma divorciada do interesse público em que são nomeados os conselheiros, já que o ato tem como base quase que exclusivamente a conveniência da autoridade administrativa, que por sua vez não se utiliza de nenhum método ou ferramenta formal para aferir a capacidade subjetiva do candidato, que é conduzido ao cargo sem nenhum registro da mensuração de seus notórios conhecimentos jurídicos e de sua ilibada reputação; não obstante já fazer algum tempo que a legislação da espécie traz expressa previsão da realização de processo seletivo formal para tal desiderato.
Da mesma forma, com a remuneração perto de R$ 9.000,00 mensais pagos pelo erário goiano, causa estranheza estarem os conselheiros classistas desobrigados da dedicação exclusiva ao CAT. Pior ainda, livres de quaisquer vedações ou restrições para o exercício concomitante de determinadas atividades profissionais que são claramente conflitantes com a função pública de julgador administrativo de lançamentos tributários.
Esse conflito de atividades profissionais exercidas concomitantemente é tão sério que, em maio 2015, o próprio Conselho Pleno da OAB proibiu que os conselheiros do Carf exerçam a advocacia. A Ordem entendeu incompatível a atividade de advogado com a função de julgador de tribunal administrativo. O que se mostra óbvio, pois, se a autoridade lançadora é incompatível com a advocacia, mais incompatível será a autoridade julgadora que validará ou não a exigibilidade do crédito tributário lançado.
Na mesma época a União publicou o Decreto n. 8.441/2015, que prevê restrições a atividades profissionais exercidas por conselheiros do Carf, onde se instalou um caloroso debate sobre o alcance das restrições e vedações impostas pelo ato, se alcançam apenas o agente público ou também restringe as atividades desenvolvidas pelos escritórios, firmas e consultorias ligadas aos conselheiros nomeados.
Já no tribunal administrativo goiano vem ocorrendo justamente o inverso, além de não exigir exclusividade na função, também deixa totalmente ao alvitre do agente nomeado conselheiro o exercício concomitante com as atividades inerentes à advocacia, contabilidade ou de qualquer outra variação de assessoria ou consultoria fiscal ou tributária, com real prejuízo à livre concorrência dos demais profissionais liberais que atuam na mesma área, que não têm como utilizar o plus de conselheiro para conquistar a preferência do cliente.
Contrário senso, o CAT vem abrigando em seus quadros, conselheiros com cada vez menos identidade com a entidade classista que o indicou, e cada vez mais em consonância com a folha de serviços prestados a grandes contribuintes devedores, tudo isso somado à natural interposição de escritórios e sociedades especializadas em litígio tributário, dos quais alguns conselheiros possuem ligações históricas e umbilicais.
Assim, por mais que se acredite na presunção de boa-fé, difícil crer que a seletividade e a parcialidade não serão operadas de alguma forma em um caso concreto, pois é mínima a perspectiva de esperar que alguém aja com imparcialidade e justiça quando isso significar prejuízo a outro alguém que é ligado ao grupo que se deve obrigações ou favores.
Isso tudo é potencializado pelo modelo ultrapassado e deletério de indicações, conduções e reconduções na função de conselheiro do CAT, que favorece apenas um seleto grupo de pessoas que têm o poder de interferir na aprovação ou não do nome do conduzido ou reconduzido, constrangendo não só quem já ocupa a função como quem pretende ocupá-la, pois a seleção, indicação e a (re)condução do conselheiro ficam preponderantemente adstritas ao juízo subjetivo que esse seleto grupo faz do pretendente à cadeira do CAT, circunstância que ajuda a criar o ambiente perfeito para negociar, trocar e pagar favores não republicanos.
Forçoso admitir que o cenário atual do nosso Conselho Administrativo Tributário não inspira a confiança que deveria, pois, como diria César: não parece honesto.
Urge então medidas de transparência e modernização nos critérios, procedimentos e modelos de seleção, indicação, condução e recondução de membros do Conselho Administrativo Tributário, para que esse fundamental órgão fazendário, finalmente, fique à altura da sua importância para a sociedade goiana.
É chegada a hora do Fisco goiano parar de fingir que não enxerga a barba de Publius e provocar o divórcio entre o CAT e Pompeia. César já não aguenta mais!
Goiânia, 20/01/2018

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Álcool: ICMS de mentira, crédito de verdade






























































































































































































































































 
Muito estranho, mas quando há redução de alíquotas no ICMS do Álcool anidro existe um seleto grupo de pessoas que ficam insatisfeitas. Sabe quem são essas pessoas? Pasmem: os próprios donos das usinas produtoras de álcool!
Agora, o que leva um empresário a não comemorar a redução da carga tributária da sua própria atividade econômica? Pasmem de novo: os benefícios fiscais que as usinas de álcool possuem!
Isso mesmo, são tão absurdos que causam essa constrangedora situação.
As usinas sucroalcooleiras gozam, dentre outros, do benefício fiscal conhecido como crédito outorgado, que confere ao contribuinte a opção de se creditar de um valor presumido de ICMS em substituição ao aproveitamento de quaisquer outros créditos. Normalmente o valor do crédito presumido é calculado pela aplicação de uma determinada alíquota sobre o valor do imposto devido na operação.
Ocorre que as usinas não pagam ICMS na venda de álcool, pois essa responsabilidade é integralmente diferida por força da substituição tributária, ficando o recolhimento total desse tributo na responsabilidade da distribuidora de combustível que adquire o produto.
Ora, se a usina sucroalcooleira não possui débito do ICMS na comercialização do álcool que produz, como ela pode se creditar desse imposto? Através de uma ficção jurídica introduzida pela Lei Estadual n. 17.640/12, que lhe concede o benefício do crédito outorgado de até 60% sobre o ICMS que seria devido, caso a responsabilidade pelo pagamento do imposto fosse dela.
Traduzindo, as usinas recebem do Estado de Goiás um benefício fiscal equivalente a 60% do que elas NÃO DEVEM de ICMS na venda do álcool anidro. Incrível esse modelo de renúncia fiscal, não acham?
Isso explica a frustração dos proprietários de usinas de álcool quando há redução do ICMS sobre esse produto, uma vez que sua comercialização rende créditos fiscais de verdade, tendo por base de cálculo um imposto devido de mentira, assim sendo, quanto maior a falaciosa carga tributária, maior o valor real do benefício fiscal usufruído.
Vale registrar que toda essa benesse vai acompanhada do financiamento público de 73% do saldo devedor do ICMS que é efetivamente devido, através dos programas Fomentar/Produzir. Esse é apenas um dos exemplos das distorções causadas pela falta de critérios na concessão de benefícios fiscais no Estado de Goiás. Isso tem que acabar.