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segunda-feira, 23 de outubro de 2017
terça-feira, 23 de maio de 2017
quinta-feira, 2 de março de 2017
ESTABELECIMENTO SEM CADASTRO - CRIME TRIBUTÁRIO FORMAL
NOTA
TÉCNICA
N.
001-DRFGNA, de 01 de março de 2017
Processo : 201700004010278
Interessado : Delegacia Estadual de Repressão a
Crimes Contra a Ordem Tributária – DOT.
EMENTA : MERCADORIA ESTOCADA OU EXPOSTA À VENDA EM ESTABELECIMENTO SEM CADASTRO
PERANTE A FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL. 1.
Omissão de obrigação tributária acessória com repercussão penal própria que
independe da apuração de possível redução/supressão de tributo. 2. Em tal situação o ICMS lançado de
ofício pela autoridade tributária é aferido por presunção/arbitramento, cujo
fato gerador é fruto de ficção jurídica, que apesar de autorizado pela lei
tributária não possui equivalente penal nos tipos materiais previstos no art.
1º da Lei 8.137/90, à mingua da real ocorrência do fato gerador do tributo em
questão. 3. A persecução penal sobre
a falta de inscrição no cadastro de contribuintes do ICMS deve ser interpretada
conjuntamente com a existência de mercadorias no recinto do estabelecimento, com
o fim de caracterizar a omissão de declaração ao fisco sobre entradas de mercadorias
no mesmo 4. A satisfatória
declaração de entrada de mercadorias em estabelecimento comercial só pode ser
feita por meio de documento fiscal apropriado, especialmente direcionado à
inscrição fiscal do contribuinte adquirente; sem a qual a declaração da entrada
das mercadorias se torna omissa, possibilitando com isso a futura saída dessas
mercadorias com o mesmo vício da omissão. 5.
A aquisição e estocagem de mercadorias sujeitas ao ICMS por estabelecimento sem
cadastro fiscal se trata de comportamento próprio daqueles que possuem o
propósito de se eximir, total ou parcialmente, do pagamento do referido
tributo, sujeitando-se por tal ao equivalente penal contido no tipo formal do Inciso
I do art. 2º da Lei n. 8.137/90.
- FUNDAMENTAÇÃO:
De ordem do titular da DRFGNA e com o fim de dirimir dúvidas
da polícia judiciária acerca de procedimentos fiscais tendentes a verificação
da regularidade de obrigações tributárias principais e acessórias afetas ao
ICMS que possuem repercussão penal, notadamente ao ilícito tributário de manter mercadorias estocadas e/ou expostas à venda
em estabelecimento sem cadastro perante a Fazenda Pública estadual,
temos a emitir a seguinte nota técnica:
Prefacialmente
ao cerne do tema em análise, necessário se faz que fique satisfatoriamente demonstradas
as diferenças entre obrigação tributária acessória e principal,
bem como o que vem a ser o critério material da regra matriz de
incidência tributária do ICMS e a adequada interpretação penal de tal critério.
Nessa
senda, a obrigação tributária principal, segundo o Art. 113, § 1º do
Código Tributário Nacional, surge com a ocorrência
do fato gerador e tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade
pecuniária. Trata-se de uma obrigação de dar (pagar) tributo ou penalidade
pecuniária.
Por
sua vez, a obrigação tributária acessória, conforme se extrai da
definição inserta no artigo 113, § 2º, do Código Tributário Nacional - CTN, é entendido como dever instrumental ou
formal, que se traduz na obrigação de fazer ou não fazer, exigindo do
contribuinte comportamento positivo ou negativo no intuito de viabilizar o
controle estatal sobre o regular cumprimento da obrigação tributária principal;
ou seja, o recolhimento do tributo devido.
Ressalta-se
ainda que o mesmo dispositivo do CTN que trata da obrigação tributária
acessória preconiza que essa decorre da "legislação tributária", que
na dicção do Art. 96 do mesmo CTN compreende as leis, tratados, decretos e
normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e as
respectivas relações jurídicas advindas do poder de tributar.
Já
a Regra Matriz de Incidência Tributária –
RMIT é uma criação doutrinária que faz a análise crítica do fato gerador do
tributo e suas consequências jurídicas, que são analisados à luz do que é
enunciado nas leis instituidoras do respectivo tributo, pois são nessas
normativas que residem os critérios antecedentes e consequentes da RMIT, que se
resumem em 5 (cinco) critérios: material, temporal, espacial, pessoal e
quantitativo.
Para
o tema em análise o elemento mais notável da RMIT é o critério material
do ICMS, que por essência se resume na definição jurídico-tributária do que vem
a ser: operação (negócio jurídico), circulação (mudança da
propriedade) e mercadoria (bens móveis objeto de mercancia); onde, uma
vez ocorrendo no mundo fático a conjugação concomitante desses três elementos, ocorre
também o fato gerador do ICMS; que, em regra, vem acompanhado da obrigação
principal de pagar o referido tributo.
Assim,
para os fins penais, inexequível conceber qualquer
resultado material de redução/supressão do ICMS sem que antes ocorra - no seu sentido
stricto
sensu -, o fato gerador do referido tributo, que na dicção do Art. 155,
II da CF/88, consubstancia-se em: “[...] operações
relativas à circulação de mercadorias [...]”. (grifamos)
Prefácio
posto, adentremos ao cerne da nota requerida.
Conforme
mencionado no introito, o que se encontra em exame são as consequências penais
quando a autoridade penal se depara com a seguinte hipótese fática: mercadorias
estocadas e/ou expostas à venda em estabelecimento sem cadastro perante a
Fazenda Pública estadual.
Naturalmente,
a análise criminal de tal contexto deve ser precedida da interpretação
preliminar da autoridade tributária; que, a rigor, é manifestada através do
lançamento do crédito tributário (auto de infração) referente à obrigação principal
(ICMS) reduzida/suprimida e/ou da obrigação acessória (penalidade pecuniária)
descumprida.
Destarte,
primeiramente discorreremos sobre as providências a serem tomadas pela
autoridade administrativa tributária quando se defronta com a situação hipotética
em análise.
A obrigação de se cadastrar perante a fazenda
pública antes de iniciar qualquer atividade profissional dedicada ao comércio
de mercadorias sujeitas ao ICMS se trata de dever instrumental imposto pelo
Código Tributário do Estado de Goiás, com grifos nossos, verbis:
Lei n. 11.651/91 -
CTE
Art. 152. Os
contribuintes do ICMS sujeitam-se à
inscrição no Cadastro de Contribuintes do Estado - CCE - e à prestação
de informações exigidas pela Administração Tributária.
Art. 153. A
inscrição deve ser feita, antes do
início das atividades, perante o órgão competente da Secretaria da
Fazenda, de acordo com as normas estabelecidas na legislação tributária.
Dúvidas
não há que se trata de uma obrigação tributária acessória, cujo descumprimento
enseja na imposição de multa formal (pena pecuniária) pela autoridade
administrativa, conforme preconiza o mesmo CTE, com grifos nosso, verbis:
Art. 71. Serão
aplicadas as seguintes multas:
XV - no valor de R$
R$ 2.652,37 (dois mil seiscentos e cinquenta e dois reais, trinta e dois
centavos):
d) por mês de
exercício de atividade, ou fração de mês, pela
falta de inscrição no Cadastro de Contribuintes do Estado ou pelo
funcionamento estando com o cadastro suspenso, paralisado temporariamente,
cassado ou baixado;
Importante frisar que a multa formal pela
falta do cadastro estadual só pode prosperar se tal circunstância estiver
acompanhada da existência de mercadorias sob o domínio do estabelecimento fixo
ou móvel; pois, caso constatado estabelecimento desprovido de bens móveis destinados
à mercancia (mercadorias), não há de se falar em descumprimento de obrigação
principal ou acessória relativa ao ICMS, à mingua de outro fato ou elemento que
demonstre com razoabilidade a omissão de tais obrigações pelo estabelecimento
objeto da vistoria fiscal.
Uma
vez constatado o estoque ou exposição à venda de mercadorias sujeitas ao ICMS em
estabelecimento sem cadastro fiscal, a legislação tributária reserva a seguinte
providência em relação ao pagamento do tributo, com grifos nossos, verbis:
Lei n. 11.651/91 –
CTE:
Art. 14. Considera-se,
também, ocorrido
o fato gerador do imposto, no momento:
[...]
V - da
verificação da existência de estabelecimento de contribuinte, não inscrito no
cadastro estadual ou em situação cadastral irregular, em relação ao
estoque de mercadorias nele encontrado;
[...]
Art. 19. Nas
seguintes situações específicas, a base de cálculo do imposto é:
[...]
VIII - o preço
corrente da mercadoria no mercado atacadista, acrescido do valor
resultante da aplicação de percentual de lucro bruto fixado segundo o disposto
em regulamento:
[.,..]
c) nas operações
com mercadorias destinadas a contribuintes não inscritos no cadastro estadual ou em
situação cadastral irregular;
Consentâneo
destacar que o lançamento do ICMS na hipótese em questão é autorizado por
ficção jurídica que por presunção CONSIDERA
OCORRIDO o fato gerador do referido tributo; pois, stricto sensu, o reclamado fato
gerador não ocorreu na forma litúrgica do termo; em razão de o simples depósito
de mercadorias em estabelecimento sem cadastro fiscal não configurar fato
gerador de obrigação tributária principal na forma estabelecida pela Regra
Matriz de Incidência do ICMS, que para tal exige a ocorrência simultânea dos
termos: operação, circulação e mercadorias.
Por
estar a autoridade tributária vinculada à lei, o lançamento é efetuado na forma
prevista na legislação; restando, pois, a apuração de possível repercussão
penal ante o fato constatado.
Nesse
caminho, conforme demonstrado na situação hipotética em análise, o mesmo fato ensejou
em duas autuações, um referente à multa formal
pela não inscrição prévia no cadastro de contribuintes do Estado e outro pelo ICMS suprimido (presumidamente) em relação ao
estoque existente em estabelecimento sem cadastro.
Não
obstante haver previsão legal de lançamento do ICMS nesse sentido, o que induz possível
resultado material de sonegação fiscal, o simples lançamento do tributo não
determina a incidência dos tipos penais do Art. 1º da n. Lei 8.137/90; embora o
lançamento tributário constitua condição objetiva de punibilidade (Lei nº
9.430/96, art. 83).
Isso
porque – repisamos - no caso hipotético em análise não houve o efetivo fato
gerador do tributo, consubstanciado na ocorrência simultânea dos elementos: operação, circulação
e mercadoria; sendo identificado apenas
o elemento “mercadoria”; à mingua de constatação de negócio jurídico de venda (operação)
que transmite a propriedade das mercadorias encontradas (circulação).
Dessa
forma, não há como considerar possível crime
material de redução/supressão de tributos, já que a origem do lançamento advém
de fato gerador ficto, não sendo a presunção de sonegação (material) suficiente
para repercutir no campo penal.
Impraticável, do ponto de vista penal, reduzir
ou suprimir o ICMS sem a efetiva ocorrência de todos os elementos previstos no
art. 155, II da CF/88 para a hipótese de incidência do Referido tributo.
Nesse
sentido o Colendo STJ, com grifos nossos:
HABEAS CORPUS.
CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. EXPOSIÇÃO DE MERCADORIAS À VENDA SEM A EMISSÃO
DA NOTA FISCAL DE TRÂNSITO. ATOS TENDENTES À SUPRESSÃO DE TRIBUTO. ART. 2o., I
DA LEI 8.137/90. AUSÊNCIA DE EFETIVA
VENDA DA MERCADORIA (FATO GERADOR DO ICMS). NÃO CONFIGURAÇÃO DO DELITO DO ART.
1o., V DA LEI 8.137/90 QUE DEPENDE DA OCORRÊNCIA DE EFETIVO PREJUÍZO À
FAZENDA PÚBLICA. PARECER DO MPF PELA CONCESSÃO DO WRIT. ORDEM CONCEDIDA PARA
DETERMINAR A REMESSA DOS AUTOS AO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL.1. O STJ possui o entendimento no sentido de
que para a configuração do delito tipificado no art. 1o., V da Lei 8.137/90 é
necessária a efetiva venda da mercadoria ou prestação do serviço (fato gerador
do ICMS), isso porque é crime material, dependendo da ocorrência de prejuízo
para o Estado, consistente na supressão ou redução do tributo. 2. No
caso, a paciente apenas expôs a mercadoria à venda sem a emissão da nota fiscal
de trânsito, conduta tipificada, em tese, no art. 2o., I da Lei 8.137/90 (atos
preparatórios da sonegação), porquanto não houve a efetiva venda da mercadoria
(fato gerador do tributo). 3. A inscrição do débito na dívida ativa,
conquanto seja condição objetiva de punibilidade (art. 83 da Lei 9.430/96), não
altera a tipificação da conduta da paciente, mormente quando evidenciado que a
ré não praticou sequer o fato gerador do tributo, como in casu. Precedentes do
STJ. 4. Ordem concedida, em
conformidade com o parecer ministerial, para determinar a remessa dos autos ao
Juizado Especial Criminal para a apuração do suposto delito tipificado no art.
2o., I da Lei 8.137/90. (HC 174.120/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA
FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 25/11/2010, DJe 13/12/2010)
Ainda
na senda do supratranscrito acordão, no concernente ao elemento subjetivo
especial, consistente na omissão de se inscrever no cadastro de contribuintes
antes de iniciar a atividade profissional de venda de mercadorias sujeitas ao
ICMS, não há maiores dificuldades em extrair desse ato a dolosa intenção de: “eximir-se, total ou parcialmente, de
pagamento de tributo”.
É
que ao circular mercadorias sujeitas ao ICMS sem prévio cadastro fiscal, o contribuinte
irregular acaba por não declarar ao fisco a aquisição dessas mercadorias para
revenda, que só pode ser feita por meio de documento e livros fiscais
especialmente direcionados à inscrição fiscal do contribuinte; que por sua vez,
não pode emitir o documento fiscal de uma futura venda em razão da mesma falta
de cadastro no órgão fazendário, deixando de escriturar e declarar as saídas
dessas mesmas mercadorias, e por consequência eximindo-se do pagamento do
tributo que seria apurado em razão dessas operações.
Por
óbvio, a ignorância da fazenda pública em relação a existência informal de
contribuinte que se dedica a atividade de comercialização de mercadorias, faz
com que a Administração Tributária não tenha como identificar com a mínima
razoabilidade, possível supressão tributária advinda de tal atividade.
Assim,
a pessoa que desenvolve atividade comercial de forma irregular, sem cadastro
fiscal, e por consequência sem escriturar notas de entrada em livro fiscal, sem
emitir e escriturar notas fiscais de venda, e sem declarar ao fisco pelos meios
eletrônicos próprios os fatos geradores e os respectivos e tributos devidos;
obviamente, exime-se do pagamento dos tributos.
Portanto
o contexto da hipótese fática posta em análise demonstra claramente que o
exercício de atividade comercial sem o devido cadastro fiscal, torna manifesta a
intenção de eximir-se totalmente do pagamento do tributo devido,
caracterizando, portanto, o elemento subjetivo especial do tipo contido no Art.
2º, I da Lei n. 8.137/90.
- CONCLUSÃO:
Finalizando a presente nota técnica, em relação a
repercussão penal da conduta de: manter mercadorias estocadas e/ou
expostas à venda em estabelecimento sem cadastro perante a Fazenda Pública estadual;
consignamos aos agentes da polícia judiciária, salvo o seu melhor entendimento,
o seguinte:
1.
Trata-se de omissão de obrigação tributária acessória com repercussão penal
própria que independe da apuração de possível redução/supressão de tributo;
2.
Em tal situação o ICMS lançado de ofício pela autoridade tributária é aferido
por presunção/arbitramento, cujo fato gerador é fruto de ficção jurídica, que
apesar de autorizado pela lei tributária não possui equivalente penal nos tipos
materiais previstos no art. 1º da Lei 8.137/90, à mingua da real ocorrência do
fato gerador do tributo em questão;
3.
A persecução penal sobre a falta de inscrição no cadastro de contribuintes do
ICMS deve ser interpretada conjuntamente com a existência de mercadorias no
recinto do estabelecimento, com o fim de caracterizar a omissão de declaração
ao fisco sobre entradas de mercadorias no mesmo;
4.
A satisfatória declaração de entrada de mercadorias em estabelecimento
comercial só pode ser feita por meio de documento fiscal apropriado,
especialmente direcionado à inscrição fiscal do contribuinte adquirente; sem a
qual a declaração da entrada das mercadorias se torna omissa, possibilitando
com isso a futura saída dessas mercadorias com o mesmo vício da omissão.
5.
A aquisição e estocagem de mercadorias sujeitas ao ICMS por estabelecimento sem
cadastro fiscal se trata de comportamento próprio daqueles que possuem o
propósito de se eximir, total ou parcialmente, do pagamento do referido
tributo, sujeitando-se por tal ao equivalente penal contido no tipo formal do Inciso
I do art. 2º da Lei n. 8.137/90.
DRFGNA, 01/03/2017
quarta-feira, 1 de março de 2017
ICMS DECLARADO E NÃO PAGO - CRIME TRIBUTÁRIO FORMAL
TJ/GO - APELAÇÃO CRIMINAL 294545-55.2007.8.09.0051
DJe 1494 de 27/02/2014
Cláudio César Santa Cruz Modesto
1. INTRODUÇÃO
APELAÇÕES
CRIMINAIS. RECURSOS DA ACUSAÇÃO E DO RÉU. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART.
2º, II, DA LEI 8.137/90. ICMS PRÓPRIO REGULARMENTE DECLARADO AO FISCO. NÃO
RECOLHIMENTO NO PRAZO LEGAL. MERO INADIMPLEMENTO. ATIPICIDADE DA CONDUTA.
ABSOLVIÇÃO. A conduta delituosa positivada no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90,
exige para sua configuração o não recolhimento de tributo “descontado” ou
“cobrado”. Relativamente ao ICMS, apenas o substituto tributário pode descontar
ou cobrar o imposto do real contribuinte substituído, apropriando-se de valores
na qualidade de depositário para o ordinário repasse ao Fisco. Diferente ocorre
quando se trata de ICMS devido pelo próprio contribuinte em relação a
circulação de suas mercadorias. Nesse caso, o empresário não cobra do
consumidor final o valor do ICMS embutido no preço do produto, mas apenas lhe
transfere o ônus, assim como também é repassado todos os dispêndios do custo
operacional da bem, a exemplo da folha de salários, insumos, matéria-prima,
etc. No âmbito do direito civil, só se pode cobrar de quem deve o que está
sendo cobrado. O consumidor final não detém qualquer vínculo ou relação
jurídico-tributária com o Fisco, portanto, não lhe pode ser cobrado o tributo.
Sendo o ICMS próprio regular e contabilmente lançados nos livros fiscais da
empresa contribuinte, bem como declarado à Fazenda, sem contudo, haver o
ordinário recolhimento dos valores, a omissão não ultrapassa o mero
inadimplemento, passível de persecução no procedimento cível da execução
fiscal. Ausência de injusto penal. Denúncia que descreve fato atípico.
Absolvição. APELAÇÕES CRIMINAIS CONHECIDAS. DESPROVIDA A PRIMEIRA APELAÇÃO E
PROVIDA A SEGUNDA.
(TJGO,
APELACAO CRIMINAL 294545-55.2007.8.09.0051, Rel. DES. JOAO WALDECK FELIX DE
SOUSA, 2A CAMARA CRIMINAL, julgado em 13/02/2014, DJe 1494 de 27/02/2014)
Extrai-se
da ementa supratranscrita que o douto relator firmou entendimento pela
atipicidade da conduta prevista no Art. 2º, II da Lei 8.137/90[1], cujas principais razões são
assentes na conclusão de que o tributo objeto da conduta, o ICMS, para que sua
supressão configure o tipo penal em tela, necessitaria que o seu não
recolhimento fosse precedido de valor efetivamente “descontado” ou “cobrado” de
terceiro.
Entendeu
o eminente relator que no caso concreto o ICMS é devido pelo próprio
contribuinte em relação à circulação de suas mercadorias; e, no caso, o
empresário não cobrou do consumidor final o valor do tributo (ICMS) embutido no
preço do produto, apenas lhe transferiu o ônus.
Continua
com a conclusão de que o consumidor final não possui qualquer relação
jurídico-tributária com o fisco; e, por tal, não pode desse ser cobrado o ICMS,
o que só ocorreria em caso de a exação se encontrar sujeita ao regime de Substituição
Tributária.
Finaliza
que o caso é de mero inadimplemento, passível apenas de persecução na esfera
civil através dos procedimentos e instrumentos disponibilizados à Fazenda
Pública na execução de seus créditos.
2.
DA
CRÍTICA
Apesar de, em principio,
os fundamentos lançados pelo eminente relator possuírem lastro na lei, doutrina
e jurisprudência; entendemos que foram lançados em um contexto equivocado, em
especial por se fundar em aspectos jurídico-tributários que envolvem o ICMS;
sem, contudo, levar em consideração circunstâncias, características e fatos fundamentais
para a compreensão do caso concreto.
As omissões verificadas
na construção do voto do eminente relator, que entendemos serem as responsáveis
pelo equivocado entendimento, têm por mais patente a desconsideração da natureza indireta do tributo ICMS.
Desprezou-se também a sua característica patrimonial,
o que acabou por mitigar o princípio da não-cumulatividade
nas operações que envolvem o referido tributo.
Consentâneo apontar de
inicio a primeira falha verificada na construção do voto vencedor (erro de
fato), quando da análise do caso concreto, que mesmo se mostrando sutil, entendemos
ter contribuído muito para a sucessão de equívocos operados em seguida.
Em
seu eminente voto o ilustre relator foi taxativo: “O comerciante varejista de
um produto X tem como escopo vendê-lo ao consumidor
final, daí auferindo lucro da atividade [...] Portanto, dúvidas não há, o
comerciante varejista acima é
contribuinte do ICMS”. (grifamos)
Na
lavratura do acórdão assim resume tal entendimento: “Nesse caso, o empresário não cobra do consumidor final o valor do ICMS embutido no preço do produto, mas
apenas lhe transfere o ônus”.
(grifamos)
Após
transcrição dos trechos do venerando voto e acórdão, é nítida a confusão feita
pelo eminente relator ao atribuir à atividade empresária que o réu administrava
a do ramo varejista, e aos seus respectivos
clientes a pecha de mero consumidor
final.
È
notório o fato de a sociedade empresária administrada pelo réu (EMEGE) se tratar
de uma grande indústria alimentícia predominando
em sua carteira de clientes grandes atacadistas
e supermercadistas; razões que
excluem esses últimos da acepção jurídica do termo consumidor final dos produtos vendidos pela primeira, e, desta, a condição
de varejista.
Tal
fato, per si, joga por terra o
entendimento que a conduta praticada no comando da sociedade empresária
exercida pelo réu não pode ser tipificada porque não houve cobrança do ICMS na operação de venda, já que os ditos “consumidores finais” não possuem
relação jurídico-tributária no fato gerador.
Se
analisarmos o caso concreto como realmente se deve, logo perceberemos que as
relações jurídico-tributárias envolvidas nas operações mercantis da EMEGE com
seus clientes, em relação ao ICMS, são evidentes.
Para
ilustrar tal relação conjecturamos a cadeia de industrialização e comércio
contida nas tabelas que se seguem, utilizando alíquotas de ICMS e de IVA fixos,
em 10% e 100% respectivamente, referente a industrialização a comercialização
de macarrão (produto principal da indústria administrada pelo réu). Observe:
Ora,
atendendo o princípio da não comutatividade e o da natureza indireta do ICMS;
e, ainda, em respeito ao preceito contido na LC nº. 87/96, que estipula que o
montante do próprio imposto integra a
sua base de cálculo, constituindo o seu destaque no documento fiscal “mera indicação para fins de controle”,
a ciência contábil atribuiu
característica iminentemente patrimonialista ao ICMS.
Tanto
é que reservou no ativo circulante conta gráfica específica para o ICMS a recuperar. Observe que na
escrituração das operações mercantis o valor egresso do caixa (disponível) para
pagamento da mercadoria é exatamente o valor da operação (100%), porém na
escrituração dessa mesma operação as mercadorias são contabilizadas
excluindo-se o ICMS cobrado no negócio jurídico, que fica reservado para futuras
compensações.
Fácil
então inferir a lógica do tributo indireto e não cumulativo: o ICMS pago pelo produtor é cobrado do industrial, que por sua vez,
cobra do atacadista seu ICMS NORMAL,
mais o ICMS que pagou ao produtor
rural, repassando ao atacadista o montante do ICMS até então envolvido nas
operações anteriores; que por sua vez
cobra do varejista o seu ICMS NORMAL, mais o do produtor, mais o do
industrial, repassando ao varejista o montante do ICMS até então envolvido nas
operações anteriores; que por sua vez finaliza o ciclo cobrando do consumidor final o seu ICMS NORMAL juntamente com todo
o montante do imposto envolvido até então nas operações anteriores.
Verifica-se
assim que ao contribuinte de fato não
é dada a oportunidade de não ser cobrado pelo ICMS nas operações
anteriores, restando a esse suportar o ônus do referido tributo, e, dependendo
de sua posição na cadeia da produção, comercialização e consumo, compensá-lo
nas operações futuras.
Ressalta-se
que quando o recolhimento do ICMS NORMAL não é efetuado por um dos envolvidos
nessa cadeia, o crédito por ele destacado em sua nota fiscal, apurado e não
pago, será normalmente aproveitado e compensado pelo próximo sujeito da cadeia
empresarial, que afinal foi efetivamente
cobrado
por tal tributo, tanto é que o contabilizou separadamente
em conta específica do seu ativo, como faz com qualquer bem ou direito.
Daí
ser evidente que muito além da mera repercussão
econômica como ocorre com os tributos diretos,
onde o empresário repassa os custos do encargo para o preço da mercadoria, há
verdadeiramente uma relação evidenciada pela relação jurídico-tributária entre contribuinte de fato e direito, característica do tributo indireto.
Tal
entendimento tem o alicerce dos ensinamentos de Ricardo Alexandre (2011, p.
106) que discorrendo sobre o Imposto de Renda, tributo iminentemente DIRETO, assim lecionou, com grifos
nossos:
Há a repercussão econômica do tributo, mas não o que se poderia chamar
de repercussão jurídica, somente
verificada nos casos em que há previsão normativa da oficial transferência do encargo. O tributo (IR) é considerado
direto.
Os economistas, baseados na
indiscutível tese de que praticamente todo tributo tem a possibilidade de ter
seu encargo econômico repassado para o consumidor de bens e serviços afirmam que a classificação dos tributos
como diretos ou indiretos e irrelevante. Não obstante tal entendimento, existe uma profunda relevância jurídica
na classificação quando se comparam as regras relativas a restituição de
tributo direto com aquelas referentes aos tributos indiretos. Ademais, a
inaplicabilidade de critérios econômicos para qualificação de um tributo como
direto ou indireto e ponto pacífico da Jurisprudência do STJ (REsp 118.488).
Desta
feita, a relação jurídico-tributária entre contribuintes de fato e de direito é
intrínseco às operações que envolvem o
tributo indireto.
No
mesmo sentido, Sabbag (2011, p. 164), leciona sobre o tema o seguinte:
[...] os chamados impostos indiretos,
ou seja, tributos que comportam, por sua natureza, a transferência do
respectivo encargo financeiro, conforme dispõe o art. 166 do CTN. Trata-se de
gravames marcados pela repercussão
tributária, isto é, pela transferência do encargo tributário do realizador
do fato jurídico-tributário para o
consumidor final, adquirente do bem.
Ilustramos
ainda o entendimento desposado pelo STJ nos primórdios da discussão sobre
tributos diretos e indiretos, com grifos nossos:
TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. REPETIÇÃO DE
INDÉBITO. ICMS. TRIBUTO INDIRETO. TRANSFERÊNCIA DE ENCARGO FINANCEIRO AO
CONSUMIDOR FINAL. ART. 166, DO CTN. ILEGITIMIDADE ATIVA. 1. ICMS é de natureza
indireta, porquanto o contribuinte real é o consumidor da mercadoria objeto da
operação (contribuinte de fato) e a empresa (contribuinte de direito) repassa, no preço da mesma, o imposto
devido, recolhendo, após, aos cofres públicos o tributo já
pago
pelo consumidor de seus produtos. Não
assumindo, portanto, a carga tributária resultante dessa incidência. 2.
Ilegitimidade ativa da empresa em ver restituída a majoração de tributo que não
a onerou, por não haver comprovação de que a contribuinte assumiu o encargo sem
repasse no preço da mercadoria, como exigido no artigo 166 do Código Tributário
Nacional. Prova da repercussão. Precedentes. 3. Ausência de motivos suficientes
para a modificação do julgado. Manutenção da decisão agravada. 4. Agravo
Regimental desprovido. AgRg no REsp 440.300/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/11/2002, DJ 09/12/2002, p. 302)
Por
fim, para os que entendem que não existem palavras inúteis na lei, a redação
dos incisos, parágrafos e alíneas que se seguem ao Art. 155 da Constituição
Federal, não deixam dúvidas de que o ICMS
é cobrado nas operações anteriores, com grifos nossos, verbis:
Art. 155. [...]
§ 2.º O imposto previsto no inciso II
atenderá ao seguinte:
I - será não-cumulativo, compensando-se
o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou
prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro
Estado ou pelo Distrito Federal;
[...]
X - não incidirá:
a) sobre operações que destinem
mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no
exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas
operações e prestações anteriores; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
42, de 19.12.2003)
3.
CONCLUSÃO:
Pelo
exposto, diante toda evidência fática e jurídica de que o ICMS é cobrado do sujeito passivo que adquire bens para uso,
consumo, transformação ou revenda; não só por se tratar de um tributo indireto,
mas no caso concreto pela simples, mas cabal demonstração do tratamento
contábil dispensado ao mesmo, cuja respectiva ciência o separa e o classifica
como um direito da entidade com
registro no ativo circulante, não há
como concordar com a conclusão assentada no r. e criticado acórdão.
Nesse
se constata que o seu ilustre relator durante todo o seu voto tratou o ICMS como um tributo de
repercussão DIRETA, o que, por óbvio, acabou por conduzir seu voto ao
equivoco de que: “o empresário não cobra do consumidor
final o valor do ICMS embutido no preço do produto, mas apenas lhe transfere o
ônus, assim como também é repassado todos os dispêndios do custo operacional da
bem, a exemplo da folha de salários, insumos, matéria-prima, etc”.
Nessa
senda, entendemos que a conduta de deixar
de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social,
descontado ou cobrado,
na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres
públicos, trata-se de conduta típica, que só pode ser ilidida
mediante a ausência de dolo, elemento subjetivo essencial ao tipo.
_____________________
BIBLIOGRAFIA:
ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado - 5.
ad. - Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: Método, 2011.
SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário – 3. ed. –
São Paulo: Saraiva, 2011.
[1] [... deixar de recolher, no
prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado,
na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres
públicos...]
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