Encontra-se
superada a discussão sobre o direito do advogado público aos honorários de
sucumbência, assim entendido como sendo a parcela fixada em sentença pelo juiz
a ser paga pelo vencido ao advogado do vencedor. O fundamento que dirimiu a
controvérsia foi a festejada conclusão de que tal parcela constitui verba de natureza
privada, não se confundindo com o crédito público, em especial o crédito
tributário.
No
Estado de Goiás o pagamento das sucumbências ao advogado público sob tal
fundamento se trata de prática comum e antiga, sendo o montante recolhido direcionado
à associação de classe desses servidores, que se encarrega de promover a
distribuição da verba entre seus associados.
Outrossim,
essa prática começa a fugir do razoável quando se constata que grande parte dos
honorários pagos pelo contribuinte sobre dívidas fiscais são captados no âmbito
administrativo durante renegociações de débitos tributários, que via de regra
são concomitantes a generosos perdões fiscais cujo bojo traz considerável
renúncia de receita; ou seja, essas dívidas são novadas ou pagas sob a perspectiva
da grande vantagem econômica que representam, e não em razão da existência de
eventuais execuções fiscais em curso.
Nessa
senda, a renegociação de dívidas fiscais no âmbito fazendário ocorre de forma integralmente divorciada
de eventual ação judicial em curso, sem nenhuma interferência do respectivo
procurador. Tal circunstância faz desaparecer a natureza sucumbencial da verba
honorária não só pela inexistência da figura da ação judicial e sua sentença
condenatória, mas também pela falta das personagens desse processo, quais
sejam: advogado, vencido, vencedor e juiz; elementos esses indispensáveis para configuração
jurídica dos honorários de sucumbência.
Contamina
ainda mais a natureza sucumbencial da parcela recebida em ambiente
administrativo a título de honorários, o fato de o advogado público ser servidor
de carreira, estável e com remuneração fixa paga pelo erário justamente para desempenhar
o papel de causídico dos interesses estatais; situação essa que afasta possível
alegação do direito de retribuição do trabalho executado até a composição extrajudicial,
que só poderia ser erguida no caso de advogados autônomos, sem vínculo
empregatício com o respectivo cliente.
Tais
circunstâncias, apesar de questionáveis, sempre foram relegadas a plano secundário
pela Administração Tributária; pois, afinal, quem irá mesmo suportar o ônus da sucumbência
indevida será o pobre do contribuinte, raciocínio esse que só fez a situação se
agravar ao longo do tempo, gravando prejuízo não só ao pagador de impostos, mas
a própria administração pública.
O
descaso pelo tema chega a ser surrealista, ao ponto de atos normativos internos
tornar factível no âmbito administrativo o pagamento dos honorários
advocatícios sem que se proceda a quitação do próprio crédito tributário que
lhe deu causa; e, ainda, tornando inexequível que ocorra o processo contrário, por
força de várias “travas” incluídas na legislação tributária nesse sentido.
Exemplo
cabal dessa assertiva reside no fato de que a parcela proclamada como “particular”
e “inconfundível” com o crédito público, desavergonhadamente pega “carona” no
ato de quitação do tributo cobrado, pois tem o valor da respectiva parcela providencialmente
adicionado ao contexto financeiro do documento de arrecadação emitido pela
fazenda pública; que ao final é repassado aos causídicos livre do peso das inevitáveis
despesas bancárias e de administração oriundas do processo de cobrança
administrativa, que correram integralmente por conta do erário, claro!
Tal
imoralidade promete agora alcançar o seu apogeu, em razão de o programa de
remissão fiscal atualmente em curso na pasta fazendária conter a previsão de quitação
da dívida tributária através de créditos do ICMS acumulados na escrita fiscal
do contribuinte ou recebidos em transferência; situação essa que inviabiliza a
“carona” da verba particular no documento público de arrecadação pela simples prescindibilidade
de sua emissão no caso concreto.
Para
resolver o imbróglio, surgiu a genial ideia da criação de um documento - público
- de arrecadação provisoriamente apelidado de DARE-HONORÁRIOS, que serviria
exclusivamente para cobrar e abrigar a verba particular de nossos causídicos
públicos, que seriam pagos pelo contribuinte à vista e em espécie através do
referido documento, tudo isso às custas do Estado; que por sua vez terá seu
direito creditício remido na mesma ocasião através do enfadonho encontro de contas,
em total inversão às garantias e privilégios do crédito tributário.
Finalizando,
apenas para contrapor a vergastada prática, mostra-se cogente apontar a
existência de categoria de advogados públicos que se utilizam do famoso e
simples “boleto” bancário, emitido às expensas de sua respectiva associação de
classe para receber de forma digna e proba suas verbas particulares; com o
registro do bom exemplo dos causídicos públicos dos Estados do Tocantins, que
através da Portaria Conjunta n. 1.145/2014 resolveu a demanda de forma diversa da
que vem ocorrendo no Estado de Goiás, com grifos nossos, a saber:
PORTARIA CONJUNTA SEFAZ/PGE Nº 1.145, de 01 de
Dezembro de 2014.
Art. 4º
O pagamento dos honorários advocatícios pode ser operado por meio de boleto bancário, transferência ou depósito
identificado em nome do contribuinte devedor, creditado na conta bancária de
titularidade da Associação dos Procuradores do Estado do Tocantins – APROETO,
CNPJ: 00.269.036/0001-75, na Conta Corrente nº 56.451-6, Agência nº 1505-9 -
Banco do Brasil S/A.
Parágrafo
único: Para emissão do boleto bancário, o contribuinte deve acessar o site:
WWW.APROETO.ORG.BR, no link “boletos”, preencher o formulário, imprimir e
efetivar o pagamento na rede bancária.
Art. 5º
Devido à modificação da natureza jurídica dos honorários advocatícios, de pública para privada, é vedado:
I - o
parcelamento, conforme Resolução nº 02, de 04 de setembro de 2014, do Conselho
de Procuradores do Estado do Tocantins.
II – o recolhimento por meio do Documento de
Arrecadação de Receita Estadual – DARE;
III – a exigência de comprovação do pagamento
quando da baixa do débito na dívida ativa.
No
mais, ao que parece, a verba relativa aos honorários de sucumbência do advogado
público em Goiás só se torna realmente privada quando termina a necessidade de
sua cobrança. Até lá, o erário que se vire com o respectivo custo.
Cláudio Modesto
Auditor-Fiscal
Diretor Jurídico do
SINDIFISCO/GO