lista

  • Por que protegemos um sistema que nos fere?

Páginas

quarta-feira, 18 de março de 2020

Sangrando o imposto “causa mortis”


Contando com um déficit perto de 120 auditores-fiscais das 750 vagas existentes, o fisco estadual opera atualmente com cerca de 630 servidores ativos, estando aptos a se aposentarem no decorrer deste ano cerca de 50 profissionais do fisco goiano.
No ano de 2018 a administração fazendária realizou concurso público para preenchimento das 120 vagas existentes, e apesar de o certame se encontrar devidamente homologado não há previsão de chamamento dos aprovados, sob a justificativa da necessidade de ajuste fiscal.
A falta de pessoal no quadro do fisco estadual é preocupante, e nesse contexto de grave carência de servidores fiscais, a Administração Fazendária vem se utilizando de questionável criatividade para administrar o déficit de pessoal de sua área fim, em especial no que toca as tarefas privativas do auditor-fiscal em fiscalizar e lançar o Imposto estadual de transmissão causa mortis e doação – ITCD.
Considerado pelos gestores da pasta da Economia como um tributo de “segunda linha”, não tem merecido maiores esforços da administração fazendária no aperfeiçoamento de sua fiscalização e arrecadação, pelo contrário, para “otimizar” recursos humanos a pasta relegou a constituição dessa espécie tributária a rotinas e procedimentos administrativos ilegítimos e ilegais que eivam de nulidade o ato/procedimento administrativo constitutivo do respectivo crédito tributário.
O desprezo com o ITCD teve início com a publicação da instrução normativa n. 1.191/14-GSF, que estabeleceu procedimentos de apuração, fiscalização e arrecadação do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCD, cujo lançamento é operado na modalidade “por declaração”, conforme preconizado pelo artigo 147 do CTN, onde o sujeito passivo possui obrigação de prestar à autoridade administrativa informações sobre a matéria fática, indispensáveis para a constituição do crédito tributário .
A referida instrução prevê que o procedimento administrativo que tende verificar a ocorrência do fato gerador do ITCD tem início com a apresentação pelo contribuinte do documento denominado DITCD (Declaração do ITCD), sendo finalizado com a emissão do documento denominado DCITCD (Demonstrativo de Cálculo do ITCD) onde o “servidor responsável” executa as tarefas elencadas no art. 142 do CTN, quais sejam: “[...] verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível”.
Não obstante a I.N. n. 1.191/14-GSF atribuir as tarefas elencadas pelo CTN a um “servidor responsável”, o regulamento não autoriza - e nem poderia autorizar - que servidor estranho à carreira do fisco estadual proceda a constituição do respectivo crédito, sob pena de malograr o comando também existente no art. 142 do CTN que logo em seu início é claro em elucidar que: “compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a [...]”.
Isso porque o DCITCD se trata de documento que integra o procedimento administrativo mencionado no art. 142 do CTN, onde a autoridade tributária finaliza a atividade privativa de lançar o imposto na modalidade “por declaração”, constituindo regularmente o respectivo crédito tributário em razão da identificação dos elementos constitutivos do ITCD.
Todavia, com plena aquiescência da administração fazendária, há tempos não é a autoridade fiscal designada em lei que regularmente apura e lança os créditos tributários relativos ao ITCD, mas sim servidores administrativos, comissionados, conveniados e até mesmo terceirizados.  
Levantamento realizado de forma aleatória em diversos procedimentos judiciais, findos e tramitação, comprovam a ilegalidade noticiada. A maioria dos procedimentos administrativos pesquisados que constituíram o respectivo crédito tributário, consubstanciados nos denominados “Demonstrativos de Cálculos do ITCD – DCITCD”, são integralmente elaborados e assinados por servidores e agentes públicos estranhos à carreira do fisco goiano, os únicos com competência legal para o ato.
Relacionamos abaixo pequena amostra de Demonstrativos de Cálculos do ITCD – DCITCD que materializam a irregularidade narrada, bastando para cessá-los clicar no respectivo número com o link de acesso, a saber:
        Lançamento – Demonstrativo de Cálculo do ITCD Causa Mortis n. 0182-2017 URU, extraído dos autos judiciais 5226019.84, onde o servidor ocupante do cargo de gestor público, Francisco Sinval de Carvalho - MB. 182762.6, exerce competência privativa da autoridade administrativa tributária ao lançar crédito tributário nos moldes do art. 142 do CTN;
        Lançamento – Demonstrativo de Cálculo do ITCD Causa Mortis n. 1922-2018 GOI, extraído dos autos judiciais 381344.33, onde o servidor ocupante do cargo de analista de políticas de assistência social, Emiliano Rivello Alves - MB. 705557.9, exerce competência privativa da autoridade administrativa tributária ao lançar crédito tributário nos moldes do art. 142 do CTN;
        Lançamento – Demonstrativo de Cálculo do ITCD Causa Mortis n. 4305-2018 GOI, extraído dos autos judiciais 5288000.33, onde o servidor comissionado, Aparecida da Conceição Pinto – MB 1179429.1, exerce competência privativa da autoridade administrativa tributária ao lançar crédito tributário nos moldes do art. 142 do CTN;
        Lançamento – Demonstrativo de Cálculo do ITCD Causa Mortis n. 4676-2019 GOI, extraído dos autos judiciais 5316493.45, onde o servidor ocupante do cargo de analista de transportes e obras, Moacir Cícero de Sá Junior – MB 57631.0, exerce competência privativa da autoridade administrativa tributária ao lançar crédito tributário nos moldes do art. 142 do CTN;
        Lançamento – Demonstrativos de Cálculo do ITCD Causa Mortis números: 0502-2019 FOR, 0504-2019 FOR, 0506-2019 FOR, 0508-2019 FOR e 0528-2019 FOR; extraídos dos autos judiciais 0326578.75, onde o servidor conveniado da Prefeitura de Formosa, Paulo Henrique de Sousa e silva – MB 1555416.3,  exerce atribuição privativa da autoridade administrativa tributária ao lançar crédito tributário nos moldes do art. 142 do CTN;
        Lançamento – Demonstrativos de Cálculo do ITCD Causa Mortis n. 0016-2018 LUZ; extraídos dos autos judiciais 5362099.70, onde o servidor  ocupante do cargo de técnico em gestão pública, Aracelly Pereira Maurício – MB 704039.3,  exerce competência privativa da autoridade administrativa tributária ao lançar crédito tributário nos moldes do art. 142 do CTN;
Constatou-se ainda que agentes incompetentes e ilegítimos para o respectivo ato também concedem a isenção do ITCD em total afronta ao  art. 179 do CTN, que atribui tal tarefa a autoridade administrativa mediante verificação individual da prova que cada interessado faz do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei para sua concessão, a saber:
           Isenção – Demonstrativo de Cálculo do ITCD Causa Mortis n. 3743-2017 GOI, extraído dos autos judiciais 5288875.33, onde a servidora terceirizada (pro-cerrado) ocupante do cargo de digitadora, Jucimara Santos, MB. 67635.7, exerce atribuição privativa da autoridade administrativa tributária ao conceder isenção tributária nos termos do art.179 do CTN;
           Isenção – Demonstrativo de Cálculo do ITCD Causa Mortis n. 4358-2019 GOI, extraído dos autos judiciais 0190154.55, onde o servidor técnico administrativo, Paulo Roberto Felix Machado - MB. 153161.1, exerce atribuição privativa da autoridade administrativa tributária ao conceder isenção tributária nos termos do art.179 do CTN;
Ocorre que tanto o lançamento tributário quanto a concessão de isenção em caráter não geral tratam-se de atos administrativos decorrentes da atividade privativa da autoridade tributária competente, que objetiva a formalização de crédito ou dispensa de pagamento de uma obrigação previamente existente. Sem a observância dessa competência privativa tais atos se tornam nulos ou anuláveis por ilegalidade ou abusividade na sua constituição.
A instituição, a arrecadação e a cobrança de tributos não podem se subsumir à livre vontade do administrador, como no caso concreto em que tolera deliberadamente lançamentos do ITCD realizados por agentes incompetentes, ignorando assim o comando constitucional que obriga o gestor público a manter uma Administração Tributária eficiente, cuja negligência na arrecadação tributária pode ser considerada ato de improbidade.
Para se ter ideia, no ano de 2018 o ITCD arrecadou R$ 391 milhões, e em 2019 teve diminuída sua participação na arrecadação em cerca de R$ 80 milhões, queda essa que não duvidamos estar relacionada ao tratamento leniente que a pasta fazendária dispensa a essa importante fonte de receita pública.
               Tanto é que foi a única espécie tributária que apresentou decréscimo no referido período, 20% menor, a saber:

O preocupante é que boa parte dos R$ 700 milhões arrecadados através do ITCD nos anos de 2018/2019 foram efetuados através de lançamentos contendo o vício da incompetência funcional que aqui se noticia, circunstância que abre caminho para questionamentos judiciais buscando a restituição do pagamento do crédito constituído em desacordo com a legislação pertinente, com grave prejuízo ao erário.

Caso não sejam tomadas providências rápidas, firmes e retas para corrigir esse lamentável e equivocado tratamento que a administração fazendária goiana dispensa ao ITCD, com o perdão do trocadilho, vamos acabar "matando" o nosso imposto causa mortis.

2 comentários:

  1. Devem ser tomadas as providências rápidas, firmes e retas para corrigir esse absurdo da Administração Tributária. Deve ser feito um RASTREAMENTO em toda Administração Tributária, para ver se mais absurdos não venham ocorrendo.

    ResponderExcluir
  2. Parabéns pelo Brilhante Artigo!

    Sou um dos aprovados no concurso e aguardo a quase 1 ano e meio pela nomeação.

    Um concurso de altíssimo nível, selecionou pessoas altamente qualificadas para desempenhar a função.

    Contamos com a ajuda de todos para conseguirmos a nomeação, fortalecer nossa classe e ajudar o Estado de Goiás a superar a atual crise.

    ResponderExcluir

Obrigado pela manifestação!