Ainda
no tempo em que Goiás era escrito com “y” e “z”, existia uma grande fazenda de nome parecido,
pertencente a uma tradicional família de fazendeiros. A propriedade foi passada
de pai para filho e nessa época fazia pouco tempo que o neto do fundador havia
assumido a propriedade, com a responsabilidade de preservar a fama da família
de maior negociante de gado da região.
Em
regra, os melhores negócios realizados pela Fazenda Goyazes eram em terras
distantes, fato que obrigava os peões da fazenda empreenderem demoradas viagens
a cavalo para transportar o gado adquirido, que por vezes contavam mais de mil
cabeças.
Na Goyazes trabalhavam
várias famílias, cada uma delas encarregadas de executar determinada tarefa. A
tarefa que o fazendeiro considerava a mais relevante, sem dúvidas, era a
executada por seus peões de boiadeiro, responsáveis por trazer de longe a
principal fonte de renda da Goyazes. Essa importante missão era confiada
exclusivamente à família Bento desde à época que o avô do fazendeiro tocava a
fazenda.
Os Bentos eram experts
na condução de boiadas, cuja boa técnica no trato com os animais se somava a
uma estratégia simples e eficiente para o transporte do gado. Depois de
planejarem e organizarem a viagem de volta, os Bentos se dividiam em dois grupos,
um maior cercava, protegia e conduzia o gado na direção correta, e um grupo
menor ficava na retaguarda, léguas atrás, procurando e recuperando os animais
mais rebeldes que se desgarravam da boiada.
A estratégia dos Bentos
tinha sucesso em entregar quase todo o gado comprado pelo patrão. A maioria das
cabeças chegava com o primeiro grupo dos Bentos dentro do prazo esperado. Algum
tempo depois o segundo grupo dos Bentos chegava com o restante do gado que se
desgarrou da boiada durante a viagem.
Sim, havia extravios de
cabeças de gado durante a jornada, fato normal nessa modalidade de transporte,
que pelo pequeno número de cabeças não comprometia o bom trabalho realizado
pelos Bentos.
Anos antes, enxergando
uma oportunidade com o extravio do gado, uma pequena família que morava na
Goyazes, os Cunhas, convenceram o pai do fazendeiro - o patrão da época - que
conseguiriam recuperar o gado extraviado nos transportes realizados pelos
Bentos.
Como se tratavam de
animais de difícil recuperação os Cunhas propuseram uma remuneração extra,
através de um percentual sobre cada cabeça de gado recuperada. Nada tendo a
perder, o velho fazendeiro aceitou a proposta.
Assim, o fluxo do gado
que sustentava a Goyazes passou a ter a entrada dividida em três etapas, uma
normal com a chegada do primeiro grupo dos Bentos, outra pouco depois com as
cabeças de gado desgarradas e recuperadas pelo segundo grupo da família Bento,
e agora, uma terceira etapa, pequena, incerta, derradeira e mais onerosa, a cargo da
família Cunha.
Mas os Cunhas não
estavam satisfeitos e queriam mais, então, convenceram o velho fazendeiro que
pelo menos um membro da família Cunha deveria acompanhar cada viagem realizada
pela tropa dos Bentos. Justificaram a medida porque queriam entender e estudar
os motivos do extravio do gado durante a viagem, para ao final proporem uma
solução para o problema.
Não demorou muito para
os Cunhas concluírem que o extravio dos animais se dava por incompetência dos
Bentos, e a solução do problema seria a supervisão direta dos Cunhas sobre o
transporte realizado pelos Bentos. O velho fazendeiro aceitou a sugestão.
Pouco tempo
depois, quando o filho do velho fazendeiro finalmente assumiu o lugar do pai no
comando da Goyazes, os Cunhas na supervisão do transporte da boiada já não
diferenciavam o que era gado extraviado, sumido, desgarrado ou perdido; cobrando do patrão um percentual sobre qualquer cabeça de gado
que não chegasse junto com o primeiro grupo dos Bentos. Dessa forma, quanto
mais gado recuperado e trazidos pelo segundo grupo dos Bentos, melhor para os Cunhas.
Mesmo em caso do
estouro da boiada, após o gado espalhado ser reunido com os esforços de todas
as famílias que trabalhavam na fazenda Goyazes, o reagrupamento dos animais era
considerado pelos Cunhas como recuperação de gado extraviado, e faturavam com o acidente cobrando a comissão acordada na época que o pai do
fazendeiro era o patrão.
Os Cunhas avançaram
tanto nessa forma de remuneração, que antes mesmo do segundo grupo dos Bentos
chegasse à Goyazes levando o gado recuperado pelo caminho, exigiam a parada da
tropa na propriedade da família Cunha para seleção das cabeças que seriam
entregues a título de comissão. Escolhiam sempre as fêmeas prenhas e os machos
mais valiosos.
A sanha dos Cunhas se
espalhou por toda a Goyazes, e quando o fazendeiro "deu fé" já estava pagando
comissão aos Cunhas sobre porcos, galinhas, mulas e qualquer outro animal que
se perdia e depois era encontrado e devolvido por famílias que moravam e
trabalhavam na própria fazenda.
Foi só aí que o
fazendeiro compreendeu que os Cunhas há muito tempo já não trabalhavam para
a Goyazes, e sim para si mesmos.
O final dessa estória
eu não sei, mas estou muito curioso para saber.
PGE e CUNHAS? ENTENDI!!!
ResponderExcluirExcelente texto. O final da história ainda está sendo escrito, mas é provável que os cunhas manipulem o fazendeiro fazendo-o crer que ainda comanda a fazenda.
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